Faculdade Teológica Batista de São Paulo
Filosofia
e teologia
aproximações
e distanciamento
Prof.
Dr. Jorge Pinheiro
A teologia cristã e a filosofia são duas construções da civilização
ocidental. Pensar a relação entre as duas é um desafio necessário, porque há um
desejo de compreender os fatores estruturantes do desenvolvimento da filosofia
no Ocidente, entre os quais se encontra inelutavelmente a teologia, e, por
outro lado, há o desejo de compreender porque ela, a teologia, continua a
exercer um fascínio crescente. Ambos são motivos da vontade filosófica de
compreensão, mas esta vontade é dimensão indissociável da experiência religiosa
na sua integralidade.
Compreender a influência estruturante do cristianismo no desenvolvimento da
filosofia ocidental exige a consideração da interação histórica entre teologia
e filosofia. Compreender a força que o cristianismo continua a suscitar exige uma
permamente reflexão da presença filosófica nesta construção religiosa. Donde o
esforço por encontrar o essencial do cristianismo. Mas haverá uma essência do
cristianismo, separável da sua história? Muitas têm sido as interpretações da
teologia que valorizam ou desvalorizam a relação com a sua história. Não cabe
eliminar interpretações, mas elaborar uma compreensão que responda aos
questionamentos colocados pela alta Modernidade. Partimos do fato de que
existiu uma correlação de aspectos da história da teologia com a tradição
filosófica ocidental. Deste modo, a filosofia, enquanto fator de apreensão do
essencial do cristianismo, pode ajudar na busca de sua essencialidade.
Por isso, começamos com a questão da teologia enquanto filosofia para chegar
à questão do essencial do cristianismo. Entre as duas questões cabe, então, a
reflexão sobre a interação histórica entre teologia e filosofia. Não se trata
de retrospectiva histórica dessa interação, mas de realçar dados e analisar referências,
como os testemunhos da influência do cristianismo na história da filosofia e,
também, da filosofia na história da teologia.
A teologia como filosofia cristã
Ao pensar a relação entre teologia e filosofia ocidental nos colocamos
diante de uma questão: é de fato o cristianismo uma filosofia? Esta é uma
questão que ressurgiu nos anos 1930 e envolveu dois historiadores da filosofia,
Émile Bréhier e Étienne Gilson. Bréhier negava a marca filosófica do
cristianismo, Gilson, ao contrário, defendia o caráter filosófico do
cristianismo. A controvérsia repercutiu entre pensadores cristãos, que
acrescentaram versões do que se poderia ser entendido como filosofia cristã.
Essa agregou duas linhas de interpretação: uma de que a filosofia cristã é uma
concepção do universo elaborada com base nos textos bíblicos; a outra identificou
a filosofia cristã com uma filosofia que parte dos seus próprios recursos e
atinge resultados afins ao cristianismo. Na primeira linha de interpretação,
uma filosofia é cristã por ter nas Escrituras o seu fundamento, enquanto, na
segunda linha de interpretação, uma filosofia é cristã no fim do processo de
construção de suas teses. No entanto, estas duas linhas de compreensão do
conceito de filosofia cristã não são novas. Ambas encontram correspondentes em
referências dos primeiros séculos do cristianismo. A admissão de que o
cristianismo comporta uma filosofia foi partilhada por autores como Justino de
Roma, Clemente de Alexandria, Orígenes e Agostinho de Hipona. Ao lado dessa
admissão, outra corrente dizia que a tradição filosófica oferecia filosofias,
umas mais próximas do cristianismo, outras menos, tendo sido as filosofias de origem
platônica, aquelas que foram escolhidas pelos primeiros filósofos cristãos como
as mais compatíveis com o cristianismo.
Haverá, então, alguma diferença entre a contemporaneidade e o passado
quanto à defesa da noção de filosofia cristã? Os autores contemporâneos defendem
a noção de filosofia cristã num contexto de separação crítica entre filosofia e
religião, Já os autores do passado defenderam uma noção afim de filosofia
cristã num contexto de proximidade entre filosofia e religião. Este contraste
de ordem contextual não é, porém, exterior à concepção da natureza da filosofia
e da religião, antes comporta uma alteração susbstancial relativamente à índole
de ambas, pelo que não é possível abstrair dele. Alteração essa, que se
repercute significativamente, em especial, na relação entre filosofia e
cristianismo. Se filosofia e religião são incomunicáveis entre si por natureza,
qualquer determinação da filosofia pela religião, ou da religião pela
filosofia, tornar‑se‑á forçada e abusiva. Se, em contrapartida, filosofia e
religião são de natureza semelhante, ou partilham aspectos respectivamente
essenciais, resulta natural e plausível a interação de ambas.
Na civilização helenística, que
se estendia pelas regiões da bacia do Mediterrâneo, nos primeiros séculos da
nossa era, filosofia e religião não eram domínios entre si incomunicáveis. Daí
que a conversão de filósofos ao cristianismo não implicasse ruptura com a
filosofia, antes proporcionasse a elaboração de um sentido de continuidade
entre filosofia e cristianismo. É esse o caso de Justino, uma das mais antigas
e ilustrativas referências da história cruzada do cristianismo e da filosofia.
Na tradição do cristianismo, Justino é mencionado como um dos primeiros
apologistas. Mas, ao fazer apologia do cristianismo, Justino fez também
apologia do cristianismo como filosofia. No início do seu Diálogo com Trifão,
Justino narra simbolicamente a sua conversão ao cristianismo, como resultante
do encontro com um ancião, que lhe dá a conhecer uma nova filosofia. Antes
desse encontro, Justino tinha já um percurso de busca em filosofia, visto que
tentara freqüentar diversas escolas filosóficas.
A filosofia de que Justino
parece ter conhecimento mais desenvolvido e assumido, por ocasião do seu
encontro com o ancião, é uma filosofia de linhagem platônica. São lugares
comuns dessa filosofia, como a natureza divina e transmigratória da alma ou a
contemplação puramente inteligível do divino, que o ancião contesta, no seu
diálogo com Justino platônico. Essa contestação, que conduz Justino a
questionar o seu platonismo, faz parte do seu processo de conversão ao
cristianismo. Outra parte desse processo é a contraposição de novas teses, em
alternativa às teses rejeitadas do platonismo: à natureza divina e
transmigratória da alma, o ancião contrapõe a natureza mortal da alma criada; à
contemplação inteligível do divino, o ancião contrapõe a possibilidade de um
conhecimento apenas mediato e indireto de Deus. Estas teses, que o ancião
contrapõe ao platonismo de Justino, são teses de uma nova filosofia: o
cristianismo.
O ponto de vista crítico do cristianismo sobre o platonismo, no
texto de Justino, mostra que não foi sem reservas que a tradição do
cristianismo veio a adotar a tese platônica da imortalidade da alma, bem como a
possibilidade de uma visão direta de Deus. Nestas matérias, o cristianismo
surge filosoficamente mais céptico do que o platonismo. De qualquer modo, é na
relação com o platonismo que, segundo Justino, o cristianismo afirma a sua
diferença, como filosofia.
Terá sido, então, o encontro entre Justino platónico e o ancião cristão que
originou a adesão de Justino a uma nova filosofia. Através desse simbólico
encontro, Justino sugere‑nos que ele próprio assumia a sua adesão ao
cristianismo como uma conversão filosófica, o que não afectava de
superficialidade, o sentido da conversão religiosa, uma vez que filosofia e
religião não eram de natureza díspar. Os dois domínios cruzavam‑se em áreas de
interesse comum, como as da reflexão teológica e ética. Questões pertinentes da
filosofia sobre a divindade eram, segundo Justino, a questão da unicidade ou da
multiplicidade divina, bem como a questão da extensão da providência divina ao
particular.
Justino considera, porém, que a tradição da filosofia grega não foi
muito longe no aprofundamento destas questões, e não é sem argumentação que ele
indica as suas decisões no âmbito das mesmas questões. Com respeito à primeira,
a filosofia do cristianismo pronuncia‑se, pela voz do ancião, a favor da
unicidade divina, argumentando por redução ao absurdo, ou seja, denunciando as
dificuldades racionais de uma investigação das causas para as diferenças a
supor entre múltiplos hipotéticos incriados. Este procedimento ilustra bem que,
a propósito de uma das questões basilares de teologia filosófica, o
cristianismo de Justino está ainda longe de se assemelhar a uma teologia
dogmática, comportando‑se de facto como uma filosofia que assume o ónus da
prova. Com respeito à segunda questão teológica mencionada, a questão relativa
à extensão da providência divina, Justino preconiza a extensão da providência
divina ao indivíduo, e fá‑lo, não por razões de ordem teológica, mas em razão
da ética: se Deus não se interessasse pelos indivíduos, de forma a premiá‑los
pelos actos bons e a puni‑los pelos maus actos, tornar‑se‑ia indiferente, para
o destino humano, agir bem ou mal, e, por conseguinte, perderia sentido e
eficácia qualquer exigência de ordem ética.
Nós podemos decerto contra‑argumentar,
advertindo de que a extensão individual da providência divina, assim
preconizada por Justino, condicionaria a ética pelo interesse nos seus frutos,
tornando‑a interesseira. Justino não dá resposta explícita a esta objecção, mas
talvez nos respondesse que a ética não é auto‑sustentável para o ser humano,
requerendo, por isso, uma ordem de sustentação teológica. De qualquer modo,
teologia e ética são domínios próprios e essenciais da filosofia, para Justino.
A rectidão de vida não é uma preocupação opcional do filósofo, mas é a sua
indeclinável prioridade. Ao afirmar que santos são os filósofos, Justino faz
coincidir a noção de santidade com a exigência filosófica de rectidão. De
acordo com essa afirmação, o estatuto de filosofia não diminuía, ao olhar de
Justino, a grandeza do cristianismo. Caso contrário, ele não teria tentado
criar uma escola de filosofia cristã em Roma, conforme reza a tradição.
Mas o que é que permitia essa tão estreita comunicação, senão mesmo
coincidência, entre filosofia e religião, que se verifica na concepção
justiniana do cristianismo como filosofia? A consideração de uma fonte comum de
sabedoria. Mas era possível que a filosofia e o cristianismo partilhassem a
mesma fonte de sabedoria? Os primeiros filósofos do cristianismo admitiram que
sim: o cristianismo não veio senão manifestar plenamente a mesma fonte que
havia alimentado a tradição da filosofia grega. Nesta tradição, a fonte de
sabedoria, que era princípio de inteligibilidade do universo, recebera por
vezes o nome de «Logos», como no caso do estoicismo. A tradição do cristianismo
podia adoptar esse mesmo nome, no seguimento de um dos textos mais célebres e,
filosoficamente, mais interpelativos do Novo Testamento: o Prólogo do Evangelho
de João.
Este texto começa dizendo: «No princípio era o Logos, e o Logos estava
com Deus e o Logos era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito
por ele, e sem ele nada foi feito» (Jo. 1, 1‑3). Este enigmático início do
Evangelho joanino permite conceber um Logos primordial e divino, que está na
origem de todas as coisas. Assim concebido, o Logos divino podia agir, desde o
princípio, em todas as coisas, no ser humano inclusive. O Prólogo joanino
elege, aliás, o ser humano como destinatário privilegiado da actividade do
Logos. Por um lado, «o Logos era a luz verdadeira, que ilumina todo o ser
humano» (Jo. 1, 9). Em virtude desta acção iluminadora, o Logos podia ser
identificado com a fonte universal de sabedoria no ser humano. Assim o
entenderam os primeiros filósofos cristãos, como Justino, através da sua noção
de Logos seminal; como Clemente, através das múltiplas revelações do Logos, na
filosofia, na profecia e na poesia; ou como em Agostinho, através da sua noção
de Mestre interior ou de Verdade iluminadora. Por outro lado, «o Logos fez‑se
carne e habitou entre nós» (Jo. 1, 14). Em virtude desta incarnação do Logos,
ele deu‑se a conhecer em pessoa, e, desse modo, manifestou‑se totalmente. Daí a
noção de Logos total, em Justino, para quem a religião de Cristo era a
filosofia do Logos total, e, por isso, a mais verdadeira filosofia.
Os antigos defensores do cristianismo como filosofia, ou em estreita
conexão com a filosofia, entenderam‑no com uma vocação comunicante e inclusiva,
capaz de assumir a confluência de, pelo menos, duas tradições distintas, a
filosofia grega e a profecia judaica, a partir de uma fonte comum de sabedoria.
Quanto aos recentes defensores da noção de filosofia cristã, poderiam eles
conceber essa noção à luz de uma fonte de sabedoria, comum à filosofia e ao
cristianismo? Não, eles não ousariam já reclamar um laço tão profundo.
Aqueles que admitiram que a filosofia pode apurar conteúdos compatíveis com
o cristianismo, procuraram decerto restabelecer alguma continuidade entre a
filosofia e o cristianismo, mas a noção de filosofia cristã daí resultante não
constitui senão uma semelhança acidental entre filosofia e cristianismo.
Aqueles que, por seu turno, admitiram que o cristianismo inclui uma
mundividência própria, capaz de constituir uma filosofia diferente, procuraram
decerto restabelecer relações entre o cristianismo e outras mundividências, mas
a noção de filosofia cristã, assim concebida, não é senão uma diferença
acidentalmente resultante da análise comparativa de conteúdos.
Neste âmbito, é apreciável o contributo de C. Tresmontant, que, nos anos 1960
do séc. 20, elaborou uma noção de metafísica do cristianismo, cuja parte
fundamental é a metafísica judaico‑cristã da criação, que ele demonstrou ser
irredutivelmente diferente do sentido da génese da realidade quer na filosofia
neoplatónica quer na gnose quer nos Upanishades. É certo que este género de
análise comparativa corre sempre o risco de sacrificar a compreensão em
profundidade de cada uma das tradições em confronto, justapondo e nivelando o
que nem sempre deve ser reduzido ao mesmo nível, como bem o fez notar Carlos
Silva. Todavia, a análise de Tresmontant tem, para nós, o grande mérito de
recolocar a questão do que seja mais próprio do cristianismo, após quase dois
milénios de história, sem recusar o diálogo com outras tradições antigas de
sabedoria, susceptíveis não só de fazer sobressair como de diluir o sentido
desse próprio.
Outrora, também Orígenes partilhou a busca da filosofia própria do
cristianismo. Ele considerou com justeza que a Bíblia não demitia a filosofia,
antes a solicitava, porque, para além do que ela diz explicitamente, há também
o que ela diz implicitamente e aquilo que ela permite dizer; à filosofia, cabia
tornar explícito o implícito e discernir os possíveis que a letra dos textos
bíblicos autoriza. A filosofia do cristianismo era, para Orígenes, um
desenvolvimento natural da exegese bíblica. E que filosofia do cristianismo
veio ele a apurar? Uma mundividência que incluía uma criação eterna, em virtude
da eternidade do atributo divino de criador, e os seres humanos, como seres
espirituais criados, que, por negligência na contemplação do eterno, caíram em
corpos do mundo material, destinado a acolhê‑los. Estes indícios convêm mais a
uma filosofia própria do cristianismo ou a uma forma derivada de platonismo? A
análise comparativa de conteúdos permite discernir melhor em questões como
esta.
A consideração dos conteúdos tornou‑se a mediação possível no
restabelecimento da relação entre filosofia e cristianismo, para os defensores
da noção de filosofia cristã, no passado recente. Eles já não podiam fazer
apelo a uma fonte comum de sabedoria; eles tornaram‑se inelutavelmente reféns
de uma separação extremada entre filosofia e religião. A relação crítica entre
filosofia e cristianismo, em particular, tendeu a confinar‑se habitualmente à
dualidade entre razão e fé, como se a razão fosse isenta de crenças e a fé
fosse desprovida de razões. A dualidade de razão e fé procede da distinção
escolástica entre ambas, que promovia a aplicação da razão à fé; na medida em
que essa aplicação se foi transformando numa instrumentalização, ela
desencadeou um processo de emancipação da razão, que parece ter conduzido a
dissociá‑la irremediavelmente da fé.
Essa dualidade tornou‑se de certo modo
intransponível: se nos perguntarem pela fé, não nos pedem razões; se nos perguntarem
pela razão, não nos pedem crenças ou convicções. Essa dualidade tornou‑se de
certo modo opaca: se não nos perguntarem o que é a fé, nós julgamos saber do
que se trata, mas, se nos perguntarem, nós teremos grande dificuldade em
explicar; e a razão, saberemos nós explicar melhor o que seja? Numa fase pós‑kantiana
da filosofia, já não podemos, através da razão, nem participar numa fonte
superior de sabedoria nem intuir inteligíveis, resta‑nos analisar conceitos.
Neste contexto, dificilmente poderia vingar alguma noção de filosofia
determinada pela religião. De facto, a controvérsia recente em torno da noção
de filosofia cristã passou à história e os esforços de implementar essa noção
não tiveram continuidade. A noção de filosofia do cristianismo tornou‑se
demasiado híbrida, para poder ser consistente.
A teologia e a tradição filosófica: influências recíprocas
Importa, no entanto, reconhecer que a controvérsia recente, sobre a questão
do cristianismo como filosofia, não foi totalmente inconsequente. Se ela não
chegou a causar o renascimento do cristianismo como filosofia, ela foi
responsável pelo relançar de renovado olhar e interesse sobre a história
interactiva da filosofia e do cristianismo no Ocidente. Como parte relevante
desta história se dá ao longo da Idade Média, aquela controvérsia acabou por
dar um enorme incremento aos estudos medievalistas, no âmbito dos quais, Gilson
se tornou mestre incontestado. Um dos principais motivos da sua obra, tanto em
estudos de síntese como de especialidade, foi defender que o cristianismo
exerceu uma influência decisiva na história da filosofia da Idade Média e que
essa influência foi um fator de diferenciação específica da filosofia medieval.
Também por obra do ilustre medievalista, tornou‑se impossível contornar a
filosofia da Idade Média, como se de uma excrescência obscura e inconsequente
se tratasse, sem repercussão na história posterior da filosofia. O
reconhecimento de linhas de continuidade entre o pensamento medieval e o
moderno, na tradição da filosofia ocidental, é hoje um dado adquirido e
incontroverso nos meios informados.
Não é, pois, nosso intuito aqui reavivar uma controvérsia, que julgamos
ultrapassada. Pretendemos, sim, evidenciar que o cristianismo exerceu, de
diversos modos, uma influência de fundo e de longa duração no desenvolvimento
da filosofia ocidental, isto é, uma influência que não se esgotou nas épocas em
que se fez sentir mais explicitamente, como na Patrística e na Idade Média. A
fim de fazer sobressair essa influência de longo curso, convocaremos
esporadicamente uma ou outra referência patrística ou medieval, a título
meramente exemplificativo acerca de possibilidades que se expandem muito para
além delas.
Dado, porém, que a filosofia era já uma tradição multissecular, quando do advento
do cristianismo, não é de estranhar que o legado da filosofia clássica tenha
exercido, por sua vez, uma apreciável influência na história ocidental do
cristianismo, sobretudo, ao nível da elaboração teológica. Tal não é de
estranhar, atendendo ao próprio facto de muitos dos primeiros teólogos cristãos
terem sido filósofos convertidos ao cristianismo. Eles são, pois, capazes de
dar testumunho de influências recíprocas, não só do cristianismo na filosofia
como da filosofia no cristianismo. Não descuraremos esta reciprocidade de
influências.
A antropologia teológica
Um dos aspectos mais relevantes da influência do cristianismo na filosofia
parece‑nos ser a determinação de certas dominâncias temáticas, como sejam as
dominâncias correlativas do tema de Deus e do tema do ser humano. A filosofia,
sob influência da teologia, tendeu a centrar‑se quer em Deus quer no Ser
humano, oscilando pendularmente entre o teocentrismo e o antropocentrismo. Se
quisermos sintetizar, numa só palavra, esta dupla preferência temática, diremos
que a filosofia de influência cristã é teoantropocêntrica, e não poderia deixar
de o ser. Objectar‑nos‑ão, porventura, que isso não é uma novidade ou uma
diferença significativa, porquanto a tradição da filosofia grega não era alheia
nem ao divino nem ao humano. Sem dúvida que não, mas, na antiga filosofia
grega, o divino era necessário, sobretudo, à explicação da ordem do universo,
não correspondia directamente às solicitações humanas.
Daí a crítica dos
primeiros filósofos do cristianismo aos limites, senão mesmo à ausência do
sentido de providência na antiga teologia filosófica grega, crítica
especialmente dirigida a Aristóteles e a Epicuro. A relação entre o humano e o
divino só poderia dar‑se por via das mediações necessárias do processo de
conhecimento. Em contrapartida, o cristianismo transmite o sentido de uma
solicitude directa do divino para com o humano. É verdade que, por um lado, o
cristianismo não poderia deixar de estimular o teocentrismo, pois no princípio
era Deus. Mas Deus não ficou apenas no princípio, ele continuou velando
providentemente por toda a realidade decorrente, em especial, pelo ser humano,
cujas dimensões interior e histórica elegeu como domínios privilegiados de
intervenção e manifestação. Por essa razão, a teologia cristã não poderia
deixar de estimular, por outro lado, o antropocentrismo.
Entretanto, como se verifica, na filosofia marcada por assumida influência
do cristianismo, esse duplo centrismo que damos pelo nome de
teoantropocentrismo? Verifica‑se na correlação entre a compreensibilidade de
Deus e a do Ser humano: Deus é pensável através da compreensão do Ser humano e
o Ser humano é compreensível através do que sobre Deus é possível pensar. Esta
correlação era autorizada pela afirmação bíblica de que o Ser humano fora feito
à imagem e semelhança de Deus (Gn. 1, 26‑27), embora a afirmação da semelhança
entre o humano e o divino não seja um legado exclusivo da tradição judaico‑cristã.
Sob influência desta tradição, aquela afirmação obteve, porém, relevância
especial e apreciável elaboração filosófica.
Agostinho de Hipona foi um dos filósofos que melhor soube explorar
filosoficamente o sentido da relação de imagem e semelhança entre Deus e Ser
humano. Num extenso tratado, intitulado De Trinitate, Agostinho tenta
compreender como é possível pensar a unitrindade divina, ou seja, como é
possível pensar que Deus, sendo uno e único, seja concomitantemente a Trindade
constituída pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo, postulada a partir da menção
destes três nomes divinos nos textos do Novo Testamento. Pensar a unitrindade
divina desde cedo revelou ser um dos maiores desafios teológicos do
cristianismo. Agostinho procurou responder a esse desafio, recorrendo à
compreensão do Ser humano, posto que fora feito à imagem e semelhança de Deus.
Apreendendo no ser humano uma ordem de trindades com distintos graus de
semelhança à Trindade divina, Agostinho construíu um processo de mediações para
pensá‑la; discernindo diversos níveis de vida trinitária no ser humano exterior
e, sobretudo, na unidade essencial do ser humano interior, Agostinho tornou
analogicamente pensável a unitrindade divina. Deste modo, Deus tornava‑se
pensável através da compreensão do Ser humano.
Pensar Deus interessava, por sua vez, também ao aprofundamento da
compreensão do Ser humano. A reflexão sobre o sentido da liberdade humana, por
Anselmo de Cantuária, é ilustrativa a esse propósito. Insatisfeito com a
acepção de uma liberdade igualmente disponível para o bem e para o mal, Anselmo
empenhou‑se em elaborar o sentido de uma liberdade reclamada como capacidade de
resistir ao mal. Esta liberdade define‑se, em De libertate arbitrii, como o
poder de guardar a rectitude da vontade pela própria rectitude. Assim definida,
a liberdade confina com a fidelidade desinteressada à rectitude. Todavia, esta
liberdade, ou esta fidelidade, é apenas um poder, por si só, insuficiente para
realizar a sua finalidade; para se exercer, esse poder supõe a satisfação de
algumas condições, como seja uma orientação prévia da vontade para a própria
rectitude. Quer isso dizer que o poder de resistir ao mal não se exerce sem uma
vontade previamente orientada para o bem. Insatisfeito com a sua própria
acepção de liberdade, como capacidade condicionada de resistir ao mal, Anselmo
prossegue a sua reflexão, tentando pensar, no anjo, uma liberdade mais eficaz:
a perseverança. Todavia, nem a liberdade humana, reunidas todas as condições
para o seu exercício, nem a perseverança angélica provaram ser infalíveis.
O
grande desafio de compreensão da liberdade, para Anselmo, era perceber como é
que tanto a liberdade humana quanto a perseverança angélica experimentaram a
falibilidade. Ambas tinham condições para serem infalíveis como Deus. Anselmo
não encontra razão ou explicação para a queda quer humana quer angélica. A
incompreensibilidade do mal pela liberdade acusa que a medida da liberdade,
para Anselmo, não era humana, mas divina. Deste modo, a compreensão da
liberdade humana aprofunda‑se através daquela que é pensável em Deus.
A liberdade era, aliás, um atributo cuja extensão divina, o cristianismo
não poderia deixar de favorecer. Uma das teses maiores da filosofia da criação,
elaborada por influência da tradição judaico‑cristã, é a afirmação de um
criador livre: Deus não criou por necessidade, mas por livre vontade. Deus
torna‑se, então, pensável independentemente do mundo da criação. A concepção de
uma criação livre permite pensar Deus absolutamente, isto é, abstraindo da
relação com a criação. Esta foi uma possibilidade desenvolvida pela teologia
negativa, que preconiza serem mais adequadas a Deus as negações do que as
afirmações dos atributos construídos por analogia com o mundo da criação, com o
ser humano inclusiva e privilegiadamente.
É certo que esta linha teológica não
se alimenta apenas na tradição judaico‑cristã, mas também na filosofia
neoplatónica, como se faz notar em Dionísio, o Pseudo‑Areopagita, um dos seus
mais influentes representantes. Contudo, os teólogos de confissão cristã, que
elaboraram abundantemente teologia afirmativa, sentiram por vezes a necessidade
de relativizá‑la através das negações. Porquê? Porventura, porque pensar Deus,
sobretudo, pela sua solicitude para com o Ser humano e por via de analogias com
o ser humano, conduzia a conceber um Deus para o Ser humano e à medida do Ser
humano.
Pensar Deus, sobretudo, em relação com o Ser humano, conduzia a
instrumentalizar Deus ao serviço dessa relação, e, desse modo, a diminuí‑lo.
Daí a necessidade de abstrair da relação privilegiada com o Ser humano, para
pensar Deus absolutamente, de modo conforme com a sua originária liberdade
criadora. Esta necessidade de aprofundamento do pensar teológico não deixou de
ter, a nosso ver, significativas repercussões filosóficas de longo prazo. A
possibilidade de pensar Deus fora da relação com o Ser humano, a fim de libertá‑lo
de uma concepção excessivamente condicionada por essa relação, terá dado lugar,
de forma mediata, à possibilidade simétrica: a de pensar o Ser humano fora da
relação com Deus, a fim de libertá‑lo de uma concepção excessivamente
condicionada por essa relação. Se não é necessário pensar Deus em relação com o
Ser humano, também se pode tornar desnecessário pensar o Ser humano em relação
com Deus. Deste modo, o cristianismo terá proporcionado, através da influência
que exerceu na filosofia por via da teologia, a experiência da morte de Deus na
história recente da filosofia ocidental. As modernas negações de Deus seriam,
para nós, incompreensíveis sem a influência directa e indirectamente exercida
pelo cristianismo na filosofia.
O lugar do mundo
Oportuno se torna perguntar, neste momento, que lugar pode ocupar o mundo,
no âmbito do duplo centrismo divino e humano, que caracteriza a filosofia
marcada pela influência do cristianismo? Uma vez que a tradição da filosofia de
influência cristã dá prioridade a uma teovidência, ou a uma antropovidência,
relativamente a uma mundividência propriamente dita, que lugar fica reservado a
esta última? Esta é uma questão inevitavelmente decorrente do
teoantropocentrismo, tal como acabámos de caracterizá‑lo. A questão do lugar do
mundo é, assim, uma questão pendente e em aberto, no âmbito da dupla tendência
teoantropocêntrica, que o cristianismo estimulou no pensamento filosófico. Não
estando o mundo no centro, ele dispõe‑se a ser tomado, quer em função da
relação com Deus, quer em função da relação com o Ser humano, quer em função da
relação entre o Ser humano e Deus.
Considerado em função da relação com Deus, o mundo surge como criação
divina, que o próprio criador se comprazeu em contemplar, ao concluí‑la (Gn 1.31).
À imagem e semelhança da contemplação divina da obra da criação, torna‑se
plausível também uma contemplação humana do mundo criado, através do
conhecimento. Deste modo, o cristianismo é capaz de estimular o conhecimento do
mundo, e da sua ordem própria, como obra inteligível da vontade de um criador
inteligente. Mas, não obstante assumir uma narrativa cosmogónica, como a do
Génesis, o cristianismo não é uma teoria sobre o mundo, pelo que a sua a
influência dificilmente poderia bastar‑se na determinação de uma mundiviência
filosófica. Em matéria de cosmologia, a influência do cristianismo solicitava
uma relação de complementaridade com outras heranças de saber. Essa relação,
todavia, nem sempre se processou sem dificuldades, como ilustram a suspeição e
as reacções suscitadas, nos sécs. XII e XIII, pelo renascimento filosófico de
Aristóteles, a cuja mundividência eram estranhas as relações directas de
criação e de providência entre Deus e o mundo.
O desenvolvimento da cosmologia
científica veio, posteriormente, a ocasionar novas dificuldades, senão mesmo
uma história de relacionamento conflituoso entre a religião e a ciência. O
conflito eclode sempre que a ciência ou prescinde de Deus ou descentra o Ser
humano ou prepara a superação deste, isto é, sempre que a ciência contraria o
teoantropocentrismo que o cristianismo comporta. Com efeito, num mundo sem Deus
e depois do Ser humano, que sentido poderá ainda ter o cristianismo?
A consideração do mundo em função, especialmente, da relação com o Ser
humano, não é, por seu turno, difícil de pensar no horizonte de influência do
cristianismo. Tanto a concepção bíblica da criação quanto o entendimento do
cristianismo como religião salvífica concorrem para uma mundividência
antropocêntrica.
É célebre, por um lado, o passo da narrativa do Génesis, que coloca sob o
domínio do Ser humano, todo o reino animal e vegetal da criação (Gn. 1.26‑30).
Assim submetido ao domínio do Ser humano, o mundo natural é um mundo para o Ser
humano. O domínio do Ser humano sobre o mundo natural pode, no entanto, receber
duas interpretações díspares entre si: pode ser um poder arbitrário, mas pode
ser também um cuidado responsável. O mundo terá sido sujeito ao arbítrio do Ser
humano ou entregue à sua responsabilidade? A constituição e o desenvolvimento
da ciência tecnológica, na civilização ocidental, têm‑se feito acompanhar de um
exercício nem sempre responsável do poder humano sobre a natureza, o que acusa
alguma preponderância da primeira sobre a segunda interpretação. Esse género de
ciência, porém, com todos os benefícios e malefícios, que traz consigo, com
todos os anseios e receios, que desperta, dificilmente teria cabimento fora de
uma mundivência antropocêntrica. Esta continua, aliás, presente em grande parte
do pensamento ecologicamente empenhado da actualidade, na medida em que aposta
na salvação do mundo para o Ser humano. Será, sem dúvida, excessivo imputar
exclusivamente à influência do cristianismo a visão antropcêntrica do mundo,
que acalenta a dimensão tecnológica da civilização ocidental, embora não nos
pareça possível compreender a génese desta dimensão abstraindo totalmente
daquela influência.
Importa reconhecer, entretanto, que uma tendência dominante não elimina os
contra‑exemplos. Se o cristianismo favorece uma visão antropocêntrica da
criação, ele não exclui perspectivas de moderação desse antropocentrismo. Uma
delas é‑nos legada por uma das figuras mais apelativas da história do
cristianismo, Francisco de Assis. À semelhança de Jesus Cristo, cuja condição
divina não o impede de chamar irmãos aos homens, a condição humana de Francisco
não o impede de considerar irmãos os outros animais e demais elementos do mundo
natural.
É certo, por outro lado, que o entendimento do cristianismo como religião
salvífica veio reforçar o antropocentrismo da criação. Jesus Cristo veio ao
mundo por causa do Ser humano, e, conforme tem vindo a ser dominantemente
entendido ao longo dos tempos, ele veio para redimir e salvar o Ser humano,
através do sacrifício da sua paixão e morte na cruz. Nessa medida, o fim da
salvação do Ser humano tende a absorver o próprio sentido da criação. Diante do
fim da salvação do Ser humano, o da conservação do mundo torna‑se um fim menor,
passível de ser neglicenciado ou, então, instrumentalizado ao serviço daquele.
Contudo, também a interpretação dominantemente soteriológica do
cristianismo, contribuindo para uma mundividência antropocêntrica, não exclui
perspectivas de correcção do antropocentrismo. Uma dessas perspectivas é a de
Anselmo de Cantuária, um dos grandes teólogos do cristianismo, como religião
salvífica e, concomitantemente, um vigilante crítico do antropocentrismo na sua
própria teologia. Essa vigilância crítica favorece antes de mais o
teocentrismo: não é a necessidade humana de salvação que obriga Deus a salvar o
Ser humano, mas, sim, a própria finalidade divina de conduzir a obra da criação
à sua perfeição máxima e última.
Nessa perfeição final, há lugar para o mundo
natural. Apesar dos homens estarem destinados a co‑habitar com os anjos na
cidade celeste, o mundo natural não fica por isso condenado a perecer; está,
também ele, destinado a renovar‑se e a persistir nesse estado renovado. Anselmo
não especula muito sobre esse estado final e renovado da natureza sensível,
mas, ao admiti‑lo, sugere que o mundo merece existir, mesmo que o Ser humano já
não necessite dele para existir. Deste modo, o cristianismo é também capaz de
integrar o sentido da existência do mundo por si.
Esta perspectiva é, todavia, muito mais um contra‑exemplo do que um exemplo
típico da influência do cristianismo na visão do mundo. Essa influência
fomenta, sobretudo, mundividências ou mais teocêntricas ou mais
antropocêntricas. Tendo em conta este duplo centrismo, resta considerar ainda o
sentido do mundo em função da relação entre o Ser humano e Deus. Esta relação
também pode inspirar atitudes distintas relativamente ao mundo: este pode ser
tomado quer por uma mediação, na relação entre o Ser humano e Deus, quer por
oposição a esta relação. O cristianismo foi capaz de propiciar estas duas
atitudes contrárias.
Por um lado, é verdade que se desenvolveu, sob a influência do
cristianismo, certo desprezo do mundo, atitude que encarava o mundo como
obstáculo à relação entre o Ser humano e Deus. Mas o que é que pode significar
esse desprezo do mundo? Ou que mundo era esse, hostil à aproximação humana de
Deus? É conhecido um episódio da vida de Cristo, que contribui para esclarecer
o sentido dessa atitude e desse mundo. Trata‑se do encontro de Jesus com um
jovem rico, que lhe pergunta o que fazer para obter a vida eterna. Depois de
propor‑lhe algumas condições principais, como sejam alguns dos mandamentos, que
o jovem assumia ter satisfeito, Jesus fez‑lhe uma proposta de mais radical
exigência, que era a de abandonar a sua fortuna material e segui‑lo. Incapaz de
o fazer, o jovem afasta‑se entristecido.
Jesus, então, comenta dizendo que é
mais fácil a um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que a um rico entrar
no reino dos céus (Mt. 19, 16‑24). Entrar neste reino exige, pois, certo
abandono do mundo, não do mundo natural, mas do mundo secular, onde abundam os
motivos de todos os apegos e paixões humanas desordenadas. Desprezo do mundo
será, então, desprendimento ou desapego de todos os motivos menores da paixão humana,
susceptíveis de escravizar o Ser humano. Ao cultivar o desprendimento dos
motivos menores de paixão, o cristianismo não está só, antes se aproxima de
múltiplas outras tradições religiosas e sapienciais.
Na própria história do cristianismo, as interpretações gnósticas terão sido
aquelas que mais dilataram o sentido do desprezo do mundo, sublinhando
correlativamente a dimensão soteriológica do cristianismo. Com efeito, de
acordo com uma orientação comum a diversas correntes de cristianismo gnóstico, a
necessidade de salvação não decorre de uma queda humana avulsa, mas da própria
natureza da criação, que não é obra de um deus bom. As cosmogonias gnósticas
negam a bondade da criação e do deus criador, que pode ser um deus menor, não o
Deus supremo e bom. A este cabe intervir para a salvação, não para a criação. A
salvação impõe‑se porque há criação, a qual inclui uma malignidade
constitutiva. O desprezo do mundo da criação torna‑se, assim, um imperativo de
salvação. Toda a matéria e natureza sensível caem debaixo do âmbito do mesmo
desprezo. É verdade que a tradição católica do cristianismo sempre combateu com
veemência os movimentos gnósticos, defendendo a bondade da criação e acentuando
a responsabilidade humana pelo aparecimento do mal no mundo. A divergência
entre a tradição católica e os movimentos gnósticos é uma das divisões mais
profundas e irredutíveis que a história do cristianismo conheceu no Ocidente.
Por outro lado, o cristianismo foi também capaz de propiciar uma atitude de
valorização do mundo criado em função da relação entre o Ser humano e Deus.
Nesta relação, o mundo pode desempenhar um papel mediador. É certo que Jesus
Cristo é o mediador por excelência entre Deus e o cristão (Jo. 14, 6), mas,
assim como Deus acedeu vir ao mundo por causa do Ser humano, assim também por
via do mundo, não contra o mundo, poderá o Ser humano aceder a Deus. E por via
de que mundo? Antes de mais, o mundo das relações humanas, dado que Jesus não
só privilegiou os mandamentos do amor como colocou o amor ao próximo no caminho
do amor a Deus. Mas também o mundo das perfeições naturais, entre as quais
sobressai a própria natureza humana. Como? A mediação de Jesus Cristo, na
relação entre Deus e o Ser humano, provê a um conhecimento de Deus pela fé, não
a uma visão directa de Deus (2 Cor. 5, 6‑7). Não obstante as perspectivas
ontologistas que emergiram no âmbito da tradição do cristianismo, este promoveu
mais o cepticismo do que o optimismo a respeito da visão de Deus.
O tema da visão de Deus obtém especial pertinência ao nível quer da mística
quer da escatologia. Todavia, a união mística do Ser humano com Deus supõe a
cessação de todas as mediações e relações diferenciadas de conhecimento, mesmo
que se trate de uma mística que exige percorrê‑las todas ordenadamente e exauri‑las,
como a de Dionísio, o Pseudo‑Areopagita, um dos modelos mais influentes da
história da mística ocidental. É, aliás, questionável que uma mística de
inspiração cristã vise conduzir a uma união indiferenciada do Ser humano com
Deus. Com efeito, ao revelar Deus com a máxima solicitude para com o Ser
humano, o cristianismo não favorece a anulação do Ser humano na sua relação com
Deus, mesmo que seja no fim do caminho ascendente do Ser humano para Deus. O
cristianismo é muito mais fortemente motivador de uma relação diferenciada
entre Deus e o Ser humano do que de uma união indiferenciada, que implique a
anulação de um dos termos da relação. Tal é o que nos sugerem, particularmente,
as palavras do apóstolo Paulo, que fazem esperar uma visão directa de Deus,
como uma visão face a face (1 Cor. 13, 12), isto é, sem anulação de uma das
faces, portanto, no âmbito de uma relação diferenciada, que não exclui a
componente do conhecimento.
Como no mundo que conhecemos, nós não podemos ver
senão indirectamente a Deus, como num espelho e em enigma, segundo as palavras
do mesmo apóstolo (ibid.), a possibilidade de uma visão face a face de Deus
tende a ficar diferida para o destino último do Ser humano. A escatologia é o
domínio onde se torna mais pertinente o tema da visão face a face de Deus,
sobretudo, na medida em que se desenvolve também escatologicamente o tema da
cidade celeste, que não é concebível sem relações diferenciadas.
Entretanto, o cristianismo provê, como dissemos, a um conhecimento de Deus
pela fé. Ora, o que é que pode constituir um conhecimento pela fé? Um
conhecimento por testemunho: pelo testemunho da vida de Cristo, e dos escritos
que a narram; e também pelo testemunho de toda a obra divina da criação, na
qual sobressai a perfeição da natureza humana. A influência do cristianismo na
filosofia assim nos permite pensar, conduzindo a valorizar o mundo como
testemunho da sua origem divina, e a natureza humana, como testemunho de maior
perfeição da obra divina. Deste modo, o conhecimento do mundo e do Ser humano é
mediação plausível do conhecimento indirecto de Deus. Retomando as palavras do
apóstolo, o mundo pode ser o enigma e o Ser humano pode ser o espelho, nos
quais Deus se adivinha.
Daí que a filosofia ocidental se tenha empenhado, sob
influência do cristianismo, em construir argumentos a favor da existência de
Deus a partir da ordem causal do mundo, e em inferir os atributos divinos por
analogia com as melhores faculdades humanas. Propiciando a consideração do
mundo e do Ser humano em função do conhecimento indirecto da existência e da
essência de Deus, o cristianismo não só influenciou como estimulou o
desenvolvimento da filosofia. De facto, os mais elaborados exercícios
especulativos da filosofia ocidental têm sido motivados por esse propósito,
entre os quais destacamos os múltiplos argumentos de vária índole a favor da
existência de Deus. Mesmo que outro alcance não tenham, esses argumentos têm
pelo menos o mérito de nos fazer pensar ao ponto de experimentarmos os limites
do próprio pensar. Deste modo, tais argumentos constituem momentos altos da
especulação filosófica, que não podem deixar de influir de forma ponderosa numa
avaliação de qualidade e de grau relativamente ao desenvolvimento da filosofia
no Ocidente.
Novos modelos de inteligibilidade
Mas, não só através do aprofundamento da reflexão sobre Deus e do
reconhecimento do Ser humano como mediação privilegiada da relação com Deus, o
cristianismo exerceu influência na filosofia. Essa influência fez‑se sentir
também de outro modo, a saber, através do provimento de novos modelos de
inteligibilidade, constituídos pelo esforço de elaboração teológica, que a
evolução cultural do próprio cristianismo suscitou. Esses modelos são, na
realidade, temas teológicos que se projectam como formas de organização de
outras matérias temáticas. Esses modelos são, por isso, formas de origem
teológica para a inteligibilidade de conteúdos não teológicos. Ora, há dois
temas nucleares da teologia tradicional do cristianismo que se constituíram
como modelos para a inteligibilidade de outros temas da compreensão filosófica:
a Trindade e a Incarnação. A conversão destes dois temas teológicos em modelos
de inteligibilidade de outros temas filosóficos deixa‑se verificar muito
expressivamente no pensamento de Agostinho de Hipona. Com este filósofo, o tema
da Trindade tornou‑se modelo de inteligibilidade de um dos temas clássicos da
filosofia grega: a alma. Concomitantemente, o tema da Incarnação tornou‑se
modelo de inteligibilidade de um tema incontornável para o antigo retórico: a
linguagem. Pertinente se torna, para nós, apreciar o alcance dessa aplicação
dos modelos teológicos da Trindade e da Incarnação à compreensão,
respectivamente, dos temas filosóficos da alma e da linguagem.
De acordo com a teologia augustiniana da Trindade, elaborada ao longo dos
primeiros sete livros da obra De Trinitate, cerca de três quartos de século
volvidos sobre o Concílio de Niceia (325), a unitrindade divina deixa‑se
traduzir conceptualmente do seguinte modo: a unidade divina pode ser tomada por
uma unidade de substância, ou de essência; a trindade pessoal corresponde, por
sua vez, a uma pluralidade de relações no interior de uma só substância ou
essência. Esta tradução conceptual da unitrindade divina, longe de esclarecer o
mistério da Trindade, conduziu Agostinho a procurar nas naturezas criadas
analogias possíveis com a unitrindade divina, a fim de aprofundar o grau de
compreensão da sua fé em Deus uno e trino. Entre as naturezas criadas,
Agostinho elegeu a alma humana, como lugar das melhores analogias com a
unitrindade divina. Ao fazê‑lo, Agostinho converteu a formulação conceptual da
unitrindade divina em modelo de inteligibilidade da alma humana: à luz do
modelo divino, constituído por uma substância e três relações, a alma humana
individual é substancialmente una e relacionalmente trina, ou seja, é uma só
substância, composta por três partes funcionalmente inter‑relativas e
interactivas. Trata‑se da trindade de faculdades comum aos níveis superiores de
conhecimento, a memória, a inteligência e vontade, que é a trindade da mente ou
do ser humano interior.
Todavia, esta trindade não significa tanto uma redução simplificadora do
número de faculdades da alma quanto uma afirmação da necessidade de inter‑relação
de, pelo menos, três faculdades, na constituição dos nossos actos mentais. É
isso mesmo que se pode comprovar através da análise augustiniana dos diversos
níveis de experiência trinitária da alma. E que níveis de experiência são
esses? São os níveis da experiência cognitiva, como a percepção sensitiva, a
lembrança, a consciência de si, a crença, o conhecimento racional e
intelectivo. Em qualquer destes níveis de conhecimento, há uma experiência
trinitária: na percepção sensitiva, há a forma da realidade sensível, a
apreensão sensitiva, e a vontade, que une o sentido àquela forma; na lembrança,
há a imagem guardada na memória, a visão interior, e a vontade, que une esta
visão àquela imagem; na consciência de si, há a presença imediata da mente a si
mesma, o olhar interior da mente, e a vontade, que une o olhar da mente à sua
própria presença; na crença, há a memória e o pensamento acerca do credível,
unidos pela vontade; no conhecimento racional, há a memória e a razão acerca do
mutável, unidas pela mesma vontade; no conhecimento intelectivo, há a memória e
a inteligência do imutável, unidas de novo pela vontade.
A intervenção da
vontade em todos os níveis da experiência cognitiva assegura, por um lado, a
intencionalidade de todo o acto de conhecimento, sem a qual não pode a haver apreensão
a nível algum, bem como a presença do mesmo suporte anímico em todos eles, e,
desse modo, a unidade da alma, que constitui o sujeito de conhecimento. A
constância de uma trindade funcional em todos os níveis analisados da
experiência cognitiva impede, por outro lado, a simplificação, ou a redução do
processo de conhecimento a uma relação bipolar, como a relação entre sujeito e
objecto. A teoria augustiniana da alma trinitária vislumbra assim a
complexidade dos processos mentais do conhecimento. Acrescente‑se que, apesar
de Agostinho aplicar o modelo trinitário, especialmente, à experiência
cognitiva, a sua teoria revela‑se versátil, não se esgotando na explicação do
conhecimento e adivinhando‑se aplicável a múltiplos outros processos mentais,
como as emoções e os sentimentos, que não dispensam conhecimento, mas que têm
outras tónicas. Virtualidades e vantagens, como estas não têm sido
suficientemente reconhecidas à teoria augustiniana da alma trinitária,
porventura devido à assumida dependência do modelo teológico.
O mesmo modelo trinitário estende‑se à filosofia augustiniana da linguagem,
no que concerne à noção de verbo mental, elaborada também em De Trinitate. Tal
noção de verbo é ainda uma parte componente da teoria da alma trinitária. De
que modo? Como expressão directa de conhecimento adquirido, que é, conforme
acabámos de descrever, um processo trinitário. Não é, entretanto,
arbtrariamente que a noção de verbo mental vem sancionar tão estreita relação
entre linguagem e conhecimento. No diálogo De Magistro, anterior àquele tratado
teológico, o autor efectua algumas finas análises da nossa experiência de
comunicação verbal, e, com base nelas, defende que o conhecimento é um fator
constituinte e condicionante da linguagem.
Ora, o modelo trinitário da alma
permite dar conta deste estreito vínculo da linguagem ao conhecimento: tal
como, na Trindade modelar, é gerado o Verbo, que exprime constitutivamente a
sabedoria divina, assim também, na alma trinitária, é gerado um verbo, que
exprime inerentemente o conhecimento adquirido, seja a que nível for. Tal é o
verbo mental, que se define, antes de mais, pelo seu conteúdo cognitivo. Sendo
um verbo cognitivo, quanto ao conteúdo, o verbo mental é também um verbo
cogitativo, quanto à sua índole ou natureza. Quer isso dizer que o verbo mental
é feito de cogitação, ou pensamento. Exprimir mentalmente dado conhecimento é,
então, o mesmo que pensá‑lo. Assim entendida, a noção augustiniana de verbo
mental permite conceber o pensamento como uma linguagem interior da mente, mas
não a torna comunicante, isto é, sensivelmente perceptível aos outros.
Para esse efeito, Agostinho convoca outro modelo teológico, intimamente
conexo com o da Trindade, que é o da Incarnação: tal como o Verbo se fez carne
(Jo. 1, 14), e nela se manifestou sensivelmente ao Ser humano, assim também o
verbo mental se fez voz, para que nela se manifestasse aos sentidos humanos. A
fala é, portanto, a incarnação do verbo mental. Cabe, então, perguntar: que
vantagens e virtualidades deste modelo incarnacional, para a filosofia da
linguagem? Por um lado, este modelo realça o papel do conhecimento na origem da
fala e, desse modo, permite aprofundar a questão clássica da origem da
linguagem verbal. Esta questão era tradicionalmente debatida entre duas possibilidades
opostas: a hipótese naturalista, segundo a qual as palavras são constituídas
por semelhança com a natureza das coisas; e a hipótese convencionalista,
segundo a qual as palavras não procedem senão de convenções humanas.
Agostinho
dá indícios de não prescindir, pelo menos em parte, de qualquer destas duas
hipóteses extremas. Todavia, a aplicação do modelo incarnacional à fala obriga
a considerar a mediação do conhecimento na mente, quer entre as palavras e as
coisas quer entre as palavras e as convenções: as palavras não são sinais
imediatos das coisas, mas sinais mediatos das coisas que são conhecidas; as
palavras não resultam de convenções arbitrárias, mas de convenções
fundamentadas no conhecimento da realidade. Por outro lado, o modelo incarnacional
da fala sublinha um aspecto da linguagem, que é porventura uma das principais
razões do seu valor: a capacidade de mediar entre o ser humano interior e o
mundo exterior, entre a mente invisível e a realidade sensível. Sem esta
capacidade, a linguagem verbal não poderia desempenhar a função de meio de
comunicação entre os homens. Por conseguinte, o modelo teológico da Incarnação
contribui significativamente para discernir as componentes do processo de
constituição da linguagem verbal. A proposta augustiniana de aplicação do
modelo incarnacional à fala não é, pois, desprovida de razões de pertinência
filosófica.
Bem mais próximo de nós do que Agostinho de Hipona, mas de assumida
influência augustiniana, Joaquim Cerqueira Gonçalves reabilita, hoje, os modelos
trinitário e incarnacional em filosofia, especialmente, em filosofia da
cultura, área privilegiada pela sua reflexão. Partindo de uma acepção larga e
funda de cultura, não adstrita à produção intelectual do saber, mas incluindo
todos os fatores da construção civilizacional, Cerqueira Gonçalves questiona‑se
sobre o sentido profundo da vida da cultura. A sua interpretação das principais
linhas orientadoras da cultura ocidental, no seu percurso histórico, oferece
uma hipótese de resposta no debate desta questão: a hipótese soteriológica,
segundo a qual toda a vida da cultura obedece a um propósito de salvação.
Cerqueira Gonçalves não se conforma com esta hipótese, que ele atribui a uma
inspiração gnóstica prevalecente sobre a influência cristã na história da
cultura ocidental.
Não obstante a irrupção de movimentos gnósticos na história
ocidental do cristianismo, as fontes da gnose excedem o horizonte da influência
cristã. A fim de encontrar e propor alternativa à resposta gnóstica no âmbito
da questão do sentido da vida da cultura, Cerqueira Gonçalves retoma, ora
explícita ora implicitamente, os modelos teológicos da Incarnação e da
Trindade. O modelo incarnacional para a vida da cultura permite, antes de mais,
descentrar o propósito de salvação, pois, a Incarnação é manifestação de Deus
independentemente de assumir ou não uma missão salvífica. O modelo trinitário,
por seu turno, permite antepor à necessidade de salvação o desejo de comunhão,
posto que, na Trindade, haverá comunhão, fora de toda e qualquer necessidade de
salvação. A própria concepção cerqueiriana da vida da cultura, como um duplo
processo de unificação e de diferenciação, deixa adivinhar o seu modelo
trinitário, pois não é fácil encontrar outro modelo que melhor compossibilite
aqueles dois processos.
Considerando as várias aplicações exemplificativas dos modelos trinitário e
incarnacional, podemos observar que esses modelos são particularmente eficazes
na superação de dualismos redutores em qualquer das áreas visadas, seja em
filosofia da mente, da linguagem, ou da cultura. Admitindo que a compreensão
filosófica aspira a essa eficácia, a adopção de modelos teológicos, que a
optimizem, pode ser um dos benefícios da interdisciplinaridade, com a qual a
filosofia nada tem a perder.
A força do Iluminismo
Houve um momento da história humana onde o mundo vivia ao redor da
religião. O mundo conhecido e desenvolvido era cristianizado. Deus era o
centro, ou pelo menos, considerado o centro do conhecimento humano. Esse
momento da história é conhecido como Idade Média. Descartes negou tudo isso, ao
afirmar que qualquer pensamento que não tenha base científica, não merece
confiança. Toda filosofia e teologia anteriores, a Escolástica
,
assim como o pensamento de Tomás de Aquino são negadas por Descartes (1596-1650).
Nega porque não tendo base científica, não pode levar a uma certeza absoluta.
Descartes escreveu um trabalho intitulado Discurso do Método, onde
traça o caminho para se chegar à certeza absoluta. Com Descartes há um retorno
a maneira de pensar dos gregos. O pensamento grego negava a revelação de Deus e
investigava a realidade do mundo à luz da razão. Dessa maneira, a partir de
Descartes, a filosofia substitui o tema Deus, invertendo a preocupação central
da filosofia medieval e conseqüentemente a teologia tomista ou escolástica.
Ele baseia seus estudos no pensamento rebelde e criativo de cientistas
que entraram em choque com a igreja católica, em especial no polonês Nicolau
Copérnico (1473-1543), no alemão Johann Kepler (1571-1630) e no italiano
Galilei Galileu (1564-1642), que eram astrônomos e matemáticos. Esses homens
entraram em choque com a igreja acerca de questões sobre a Terra ser redonda, o
movimento dos corpos no espaço, o Sol como centro do sistema solar, etc. Eles
mostraram que tudo em que se acreditava antes estava errado. Deus, então, vai
ser substituído pela razão.
Para fazer essa transição, Descartes faz uma reflexão sobre a
existência de Deus, sobre a relação entre filosofia, teologia e ciência.
Escreveu Regras para a direção do espírito coma finalidade de evidenciar a
única certeza absoluta que o homem pode ter: a certeza matemática. No seu
Discurso do Método encontra-se sua famosa frase: “Penso logo existo”. Disse
assim que a única certeza que alguém pode ter, de fato, é o próprio pensar.
“Notei que, enquanto assim
queria pensar que tudo era falso, era
necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta verdade,
penso, logo sou, era tão firme e tão segura que as mais extravagantes suposições
dos céticos não podiam abalá-la, julgava que podia aceitá-la, sem escrúpulo,
como primeiro princípio da filosofia que buscava”.
O primeiro princípio da filosofia de Descartes é: “eu penso”. Quando se está pensando,
agora, e tudo isso necessariamente não é verdade, ao menos o pensamento sobre
isso é. Partindo de uma desconfiança universal, transformou-a em dúvida
metódica. Ele não aceitava nada que não oferecesse garantia absoluta de
verdade. Definiu quatro regras:
- O critério geral da verdade. Tem de ter duas condições:
a clareza e a distinção.
- A regra de análise. Para se analisar alguma coisa,
qualquer que seja, é preciso dividir cada uma das dificuldades em tantas
parcelas quanto possíveis e necessárias forem. Soluciona-se um problema,
qualquer que seja, aos poucos e por partes.
- A regra de síntese. O pensamento deve ser ordenado pelo
mais simples e mais fácil de se conhecer, e subir aos poucos, como que por
degraus até o conhecimento dos compostos, até a ordem daqueles que não precedem
naturalmente uns aos outros. Por exemplo: H2O é a síntese, mas a
análise diz H H O.
- A regra de comprovação. Fazer enumerações tão completas
e revisões tão gerais até ter a certeza de não há erro. Todo o processo deve
ser revisto e enumerado.
Descartes definiu um método para chegar a verdade natural. Isso para a
Matemática. E Deus e a fé, onde ficam? Para encontrar Deus, ele não parte do
mundo, mas de si mesmo, parte da revelação geral no próprio homem. O penso logo
existo, tem um ponto de apoio: Deus. Ele é a causa de toda a perfeição, é uma
idéia inata ao homem. Ele não descarta Deus, coloca-o como início do processo.
Para Descartes, a fé é a exceção das regras gerais e evidentes, apresenta a
certeza maior, não é fruto do intelecto que conhece, mas da vontade. Por isso,
para ele a fé deve levar a ética.
O surgimento do pensamento científico vai influenciar os teólogos do
século 19. Descartes é o início do período chamado Iluminismo. Ou seja, tem
começo uma época que iluminará o mundo, antes imerso nas trevas da Idade Média.
O Iluminismo vai abrir o longo período de modernidade, que deságua nas
teologias dos séculos 19 e 20.
A revolução kantiana
Immanuel Kant, filho de pais pietistas, transformou os avanços da
astronomia de Copérnico em teoria do conhecimento. A partir de Kant, o conhecimento
não está preso aos objetos, mas os objetos acontecem dentro do processo de
conhecimento.
Na sua época, a filosofia estava dividida entre racionalistas, cuja
única fonte de conhecimento é a razão (Descartes), e empiristas, cuja fonte de
conhecimento é a experiência (os ingleses que desencadearam a chamada Revolução
Industrial). A palavra chave na filosofia de Kant será transcendental. Ele diz:
“Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa
menos dos objetos, que de nosso modo de os conhecer, enquanto este deve ser a
priori”.
Transcendente é todo o conhecimento que se ocupa pouco do objeto. O
objeto não é a fonte do conhecimento humano, mas está dentro dele. O
conhecimento é transcendente em relação ao objeto. Transcendente refere-se
aquilo que foi descoberto. Kant vai trabalhar com lógica, matemática e
analítica.
Traduzindo Kant para nossa linguagem, podemos dizer que, pensar
transcendentemente significa mostrar como os objetos percebidos pelos sentidos
são transformados mediante a razão em objetos do conhecimento. Por exemplo, ao
falarmos mesa, não estamos falando de uma mesa específica, mas de um
conhecimento transcendente que inclui todas as mesas.
Ou seja, mesa não é apenas uma representação ou reprodução mental de
algo que está no exterior, mas uma produção da razão humana. Há uma produção
racional na atividade criadora do homem que transforma mesa em conhecimento
universal. Quando se fala mesa, nessa transcendência, são mesas de todos os
tipos, formas e modelos.
Para Kant, o fundamento do conhecimento humano é a relação
sujeito/objeto. Caminha-se através de juízos e imprimem-se categorias aos
objetos. Sua abordagem é crítica porque questiona perspectivas racionalistas e
empiristas existentes até aquele momento. Sua teoria do conhecimento parte de
quatro perguntas:
1.
O que posso conhecer?
2.
O que devo fazer?
3.
O que posso esperar?
4.
Quem é o homem?
O que podemos conhecer? Podemos conhecer tudo? Deus? O juízo pode ser
analítico ou sintético. É analítico quando o predicado parte do sujeito. Por
exemplo: o triângulo tem três ângulos. Diante de qualquer análise está
implícito no sujeito, o predicado. O predicado é ângulo e é impossível falar
triângulo sem este predicado.
É sintético quando o predicado não está implícito. Por exemplo: o
calor dilata os corpos. Temos aqui uma síntese. Podemos ter calor e corpos, mas
quando dizemos, o calor dilata os corpos, unimos os dois através do conceito de
dilatação.
Kant está descobrindo como a cabeça do ser humano funciona, fornecendo
maneiras de chegar ao conhecimento comprovável. Ele descarta o racional porque
trabalha somente com a razão, esquecendo a realidade da existência de objetos.
Descarta o empírico porque só produzindo experiência não se transcende. Qual a
importância desses conceitos e dessa epistemologia para a vida humana?
Em primeiro lugar, Kant nos mostra, sempre partindo da razão, que os
juízos analíticos não tem por base a experiência, são independentes e por isso
só podem ser pensados. Faz uma crítica aos racionalistas, no sentido que
Descartes despreza os objetos. O homem pensa e existe, mas mesmo que não
existisse, o mundo existe. O mundo não existe porque o homem pensa.
Em segundo lugar, os juízos sintéticos baseiam-se na percepção
sensível, na experiência. Ou seja, o calor dilata os corpos, mas foi necessário
uma experiência para chegar à essa conclusão. Daí, Kant conclui: é impossível
fazer ciência a partir de juízos analíticos (a priori). A ciência não pode ser
apriorística.
Trabalhar apenas com os elementos que a razão pode fornecer produz uma
estagnação. Os juízos sintéticos não levam ao conhecimento porque são
particulares e contingentes. Não é possível fazer ciência usando só juízos
analíticos ou só juízos sintéticos. A ciência, na verdade, é constituída por
juízos sintéticos a priori. Kant está tentando resolver o grande problema
medieval.
Os juízos sintéticos a priori são aqueles que tem por base a
experiência, só que esta é a priori. Ou seja, são universais e necessários aos
quais se chega pela intuição evidente. Um exemplo matemático: a linha reta é
distância mais curta entre dois pontos.
Kant está dizendo que o cientista chega a experiência porque já teve
uma intuição antes. Assim, o conhecimento não é fruto nem do sujeito, nem do
objeto, mas é a síntese da ação combinada entre os dois. O sujeito dá a forma e
o objeto dá a matéria. O conhecimento é resultado de um elemento a priori, o
sujeito, e outro a posteriori, o objeto. Ou seja, o conhecimento é uma relação
entre sujeito e objeto.
Para Kant, é impossível haver uma ciência de Deus ou uma ciência das
realidades metafísicas. Ele traça como caminho alternativo a razão prática que
leva à consciência moral. Ele tira Deus do objeto do conhecimento. Pela razão
pura conhece-se o que é, e pela razão prática o que deve ser. Moralmente é
necessário aceitar a existência de Deus. Assim, o que não se pode provar pela
razão pura torna-se um postulado da razão prática.
Depois de eliminar Deus da ordem do pensamento e da realidade, postula
a existência de um Deus justo que fundamenta a relação entre a virtude e a
felicidade. A verdadeira religião é a moral. A religião revelada é imposta e
servil. Deus é a razão da moral prática. O cristianismo para Kant identifica-se
com a consciência, sem necessidade do conceito de Deus. Kant aprofunda o
ceticismo aberto por Descartes, que marcará o pensamento moderno.
Durante a modernidade, a ciência se desenvolve, produzindo frutos
comprováveis, o que fará com que a teologia do século 18 fique estagnada. No
século 19, os teólogos entram de cabeça no estudo dos filósofos modernos e vão
pesquisar história de Israel, arqueologia, etc., a fim de conseguir produzir
uma teologia a partir de objetos comprováveis. A teologia absorve o ceticismo.
A base da teologia é a cristologia, esse é nosso fundamento teológico.
Temos o Cristo da fé e o Jesus histórico. A base da teologia cristã sempre foi
uma cristologia correta, que entende a encarnação como Deus e homem juntos, uma
só pessoa e duas naturezas. A cristologia correta é saber que o Jesus histórico
e o Cristo da fé não podem ser separados.
Isso ficou claramente definido nos concílios Nicéia e Calcedônia. O
que acontece no século 19 é que o Cristo da fé será bombardeado. Jesus não era
um mito porque de fato existiu, mas não era Deus. Ele era o carpinteiro, o
profeta, mas não o Cristo da fé. Por causa do ceticismo, a cristologia se
divide. Indo mais além, o ceticismo acaba por colocar em xeque até o Jesus
histórico. O que sobra é a moral e a fé. Só que a fé cristã está baseada na
integridade do Jesus histórico, que ressuscitou. O apóstolo Paulo diz: “E, se
Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos
pecados”. I Coríntios 15.17.
O século 20 vai produzir grandes teólogos que vão defender a fé,
dizendo que tudo isso é ideologia, e que a fé é fundamental para o conhecimento
de Deus. Por exemplo, Karl Barth defende o Jesus histórico defendendo o texto.
O que Barth faz é retornar ao texto e o faz de forma genial. O texto é a
revelação quando eu abro a Bíblia. É uma relação sujeito/objeto, conforme Kant,
que produz conhecimento. Se o texto estiver fechado não há revelação.
Análise do Projeto Iluminista
Base
filosófica > fornecida por Descartes.
Certeza
absoluta ou dúvida crítica e metódica?
1.
A existência do ser que pensa > a primeira verdade que não pode ser negada
pela dúvida.
2.
Natureza humana > a substância que pensa.
3.
O ser humano > sujeito racional e autônomo.
Base
científica > fornecida por Newton.
1.
O mundo físico é uma máquina.
2.
As leis e regularidades do mundo físico podem ser apreendidas pela mente
humana.
Método
> mediação entre o sujeito e a natureza.
1.
É objetivo > demonstra a correção das doutrinas científicas, morais e
filosóficas.
2.
Coloca a realidade sob o exame da razão > avalia a realidade com base nesse
critério.
3.
O método é racional e lógico.
Objetivo
1.
Revelar os segredos do universo.
2.
Pôr a natureza a serviço do homem...
2.
Criar um mundo melhor.
O
que produziu
1.
Um desenvolvimento espantoso das ciências objetivas.
2.
Elaborou bases universais de moralidade e de lei.
3.
Criou uma arte autônoma, dependente apenas de sua lógica interna.
O
conhecimento é
1.
Exato.
2.
Racional.
3.
Objetivo.
4.
Bom.
Declaração
de fé iluminista
O
desenvolvimento das artes e das ciências leva:
1.
Ao controle das forças da natureza.
2.
À compreensão do ser e do mundo.
3.
Ao progresso moral e à justiça nas instituições sociais.
4.
À felicidade humana.
O
projeto iluminista é otimista. Trabalha dentro de um ciclo: ciência >
educação > progresso. Com uma finalidade: o fim de toda escravidão social e
da vulnerabilidade à natureza.
Problemas
Descartes
e Newton provocam uma separação entre Deus e o mundo físico > alma e corpo.
Isso
produziu ceticismo (dúvida) em relação a Deus e à alma e, a partir da revolução
industrial, uma cosmovisão ateísta/materialista.
Exemplo
de argumento clássico do pensamento moderno: a alma = mente > epifenômeno ou
subproduto do cérebro > não existe nenhum espírito (algo desprovido de
substância) dentro da máquina > c.q.d. não há alma.
Projeto
iluminista e teologia
A
teologia reformada é filha da primeira fase da modernidade. Defende:
1.
O pensamento científico.
2.
A abordagem empírica.
3.
O senso comum.
Hoje
vivemos uma transição da modernidade em direção à alta modernidade. O desafio
feito à fé cristã é:
1.
Não dá para voltar à modernidade primitiva.
2.
A alta modernidade apresenta avanços em relação à
modernidade, mas também perigos. É preciso conhecê-lo.
3. Devemos assumir a teologia
segundo critérios compreensíveis às novas gerações da alta modernidade.
A proposição
fundamental da teologia, numa leitura a partir da filosofia
A Filosofia cristã estabelece uma proposição
fundamental: um princípio atemporal e não espacial, onipresente, eterno, sem
limites e imutável, sobre o qual qualquer especulação é impossível, uma vez que
transcende o poder da concepção humana e seria diminuído por qualquer expressão
humana ou similitude. Está além do âmbito e alcance do pensamento e da razão, é
impensável e impronunciável.
Para tornar essas idéias mais claras,
pode-se partir do postulado de que há uma realidade absoluta que antecede todo
ser manifestado. Esta causa infinita e eterna – na psicologia moderna formulada
como inconsciente - é a raiz sem raiz de tudo que foi e é. Despido de atributos
não tem, essencialmente, nenhuma relação com o ser finito, condicionado. É “o
que é” e está além de todo pensamento ou especulação.
Este "o que é" é simbolizado, na
Filosofia cristã, sob dois aspectos: por um lado, é o anti-espaço absoluto que
representa a subjetividade, aquilo que nenhuma mente humana pode excluir de
nenhuma concepção ou conceber por si mesma. Por outro lado, é movimento eterno
absoluto, que na psicologia seria a consciência incondicionada. Mas a
consciência é inconcebível se a separamos da mudança, e o movimento é o que
melhor simboliza a mudança, sendo esta a sua característica essencial. Este
último aspecto da realidade una, na linguagem hegeliana, também é simbolizado
pela expressão "o primeiro sopro", um símbolo gráfico. Este primeiro
axioma fundamental da Filosofia cristã – “o que é” –, metafísico, remete àquilo
que a inteligência finita simboliza com a Trindade teológica.
A natureza da primeira causa, derivada da
causa sem causa, do eterno e do incognoscível, aflora dento do finito como
consciência, realidade impessoal que permeia a natureza, enquanto noumeno. Esta
realidade una, o absoluto, é o campo da consciência absoluta, essência que
transcende toda relação com a existência condicionada e da qual a existência
consciente é um símbolo condicionado. Mas, ao atravessar pela negação a
dualidade, sobrevém o espírito/ consciência e a matéria/ sujeito e objeto.
O espírito/ consciência e a matéria/ sujeito
e objeto devem, portanto, ser considerados, não como realidades independentes,
mas como correlações do absoluto, que constituem a base do ser condicionado
subjetivo/ objetivo. Considerada esta tríade da metafísica cristã como a raiz
da qual procedem toda manifestação, o sopro assume o caráter de ideação
pré-natureza. Ele é a fons et origo
da força de toda consciência individual e fornece à inteligência guia no vasto
esquema da natureza. Tal raiz pré-natureza é aquele aspecto do absoluto que é a
base de todos os planos objetivos do cosmos. Tal ideação pré-natureza é também a raiz da consciência individual, já que a
substância pré-natureza é o substrato da matéria nos vários graus de sua
diferenciação.
A correlação desses dois aspectos do absoluto é essencial para a
existência do universo manifestado. A ideação da natureza, separada de sua substância,
não pode ainda se manifestar como consciência individual, uma vez que é somente
através de um veículo, a alienação da ideação, que a consciência aflora como
"eu sou eu", como alienado que necessitou de base física para
focar-se enquanto estágio da complexidade. Da mesma forma, a substância da
natureza, separada da ideação da natureza, permaneceria como uma abstração
vazia da qual a consciência não poderia emergir. O universo manifestado,
portanto, é permeado pela correlação que é, por assim dizer, a própria essência
de sua existência como manifestação.
Mas, assim como as correlações sujeito/
objeto, espírito/ matéria são símbolos da realidade una, também no universo
manifestado se dão as correlações que possibilitam espírito e matéria, sujeito
e objeto. Essa correlação é a
alienação existencial, é a ponte através da qual as idéias são impressas
enquanto substância da natureza na forma de leis da natureza. A alienação,
portanto, é dinâmica da ideação da natureza, é meio inteligente que guia a
manifestação. Assim, do espírito ou ideação da natureza procede a consciência,
e os meios que possibilitam à consciência individualizar-se procedem da
substância da natureza, chegando à consciência reflexiva. A alienação em suas
várias manifestações é o elo entre a mente e matéria, o princípio que
possibilita a vida.
Pesquisa
Sávio Laet de Barros
Campos, O Cristianismo e a filosofia
grega.
WEB http://br.geocities.com/webfilosofante/files_pdf/cristianismo_versos_filosofia_grega.pdf.
Site: O mundo dos filósofos. WEB http://www.mundodosfilosofos.com.br/pencristao.htm
Site: Consciencia.org. WEB http://www.mundodosfilosofos.com.br/pencristao.htm
Anexo
Credere Oggi n 121 gen/feb 2001Credere Oggi n 121 gen/feb 2001
Filosofia e teologia
La teologia di fronte alla filosofia nella storia recente delle
tradizioni-chiese cristiane
di G. Cereti
Il rapporto fra filosofia e teologia è un rapporto che è sempre
stato molto stretto e insieme delicato, essendo entrambe discipline generali e
fondanti una visione complessiva dell’esistenza, intimamente collegate l’una
all’altra[1]. Fra le due discipline si sono pertanto determinate
soprattutto nel corso di questi ultimi secoli alcune tensioni, per la
preoccupazione che ciascuna delle due minacci l’altra di una limitazione della
sua libera autonomia. Dalla parte della filosofia c’è il sospetto, espresso o
no, che la teologia si aspetti da essa un aiuto per provare o almeno rendere
verosimili con l’aiuto della ragione naturale affermazioni che alla fede son
note per altra via… Dalla parte della teologia c’è il sospetto che la filosofia
nei suoi disegni sistematici assuma i contenuti del messaggio della fede come
nuovi «casi» soggetti alle vecchie regole, scoperte per altra via, della sua
logica, metafisica e antropologia, e che perciò ponga lo spirito dell’uomo come
giudice della parola divina e intromettendosi nella teologia sottoponga la
libera Parola di Dio alle leggi della sapienza umana[2].
Il
teologo d’altra parte non può fare a meno di un metodo scientifico, che si
appoggia quindi su un sistema filosofico, anche se non può più parlare della
filosofia come ancilla theologiae. La difficoltà di questo compito ha portato
alcuni teologi ad affermare che non intendono ricorrere a nessuna filosofia nel
proprio teologare per evitare di sottomettere la parola di Dio in qualsiasi
modo alla parola umana. In realtà questa pretesa non fa che utilizzare una
forma di filosofia contro altre forme di filosofia, fornendo un alibi per
evitare di riflettere sui fondamenti critici del proprio pensiero.
Infatti,
in quanto il teologo non può rinunciare a mettere le singole enunciazioni
bibliche in rapporto fra loro (per collegarle ad esempio con un «centro della
Scrittura»), egli dovrà far propria l’esigenza di mantenersi in armonia con se
stesso (symphonein àutò) pur nella varietà delle sue affermazioni, e se in ciò
egli polemizza con la logica classica o dialettica, è costretto a porre come
base – in modo espresso o no – un’altra logica (come regola del symphonein). In
quanto inoltre la teologia non può rinunciare a rendere comprensibile il
messaggio agli uditori, essa andrà sempre a cercare l’uomo nel suo modo di
comprendersi, per convincerlo dell’inadeguatezza di questa autocomprensione da
lui avuta finora… In breve: anche nel tentativo di una critica di principio
alla filosofia il teologo de facto è inevitabilmente anche filosofo e si
introduce proprio in quella discussione interna della filosofia nella quale
egli, secondo il suo programma, non avrebbe voluto esser coinvolto.
A ciò
corrisponde l’osservazione che il rifiuto della filosofia in nome del messaggio
della fede (come vorrebbero soprattutto i seguaci della «teologia dialettica»)
de facto rappresenta di solito uno scendere in campo contro determinate
filosofie in nome di altre (per esempio contro quella aristotelica in nome di
quella esistenzialista) e con l’asserita libertà da premesse filosofiche non fa
altro che sottrarsi al dovere di riflessione critica sui princìpi filosofici de
facto impiegati[3].
Tutto
questo non toglie che «inserire una filosofia, realmente e puramente tale, fu e
sarà sempre l’ostacolo più forte che il teologo incontra nel suo lavoro»[4] e
che quindi la teologia ha cercato strade diverse nelle diverse chiese e
tradizioni cristiane per risolvere il problema anche nel corso di quest’ultimo
secolo.
1. Teologia e
filosofia nella riflessione dell’ortodossia
L’inculturazione
del messaggio evangelico nelle categorie della cultura ellenistica, avvenuta
sin dalle prime generazioni cristiane, ha come conseguenza che «l’ambito
ecclesiale dell’Ortodossia è rimasto quello più vicino, non solo e non tanto
dal punto di vista linguistico, ma più latamente culturale, al contesto
originario»[5]. «Secondo l’autocoscienza dell’Ortodossia, da questa prima
sintesi non è scaturita in verità un’interpretazione della rivelazione
cristiana secondo le categorie culturali dell’ellenismo antico, dunque una
“ellenizzazione” del cristianesimo, ma un nuovo ellenismo, quello cristiano
appunto, incomparabilmente diverso dall’antico»[6]. A questa eredità la riflessione teologica
dell’ortodossia ha voluto restare fedele fino ad oggi, a costo di un’apparente
ripetitività e di una relativa estraneità all’evoluzione del pensiero quale si
è realizzata soprattutto in Occidente nel corso degli ultimi secoli. Nell’impossibilità in questa sede di seguire
il pensiero sviluppatosi nelle diverse chiese dell’ortodossia bizantina, ci
limitiamo a qualche riferimento ai maggiori esponenti del pensiero della chiesa
russa, la quale a partire dall’Ottocento conobbe un risveglio e una fioritura
culturale quasi miracolosa.
Come
tutto il cristianesimo ortodosso, anche la teologia russa si vuole fedele agli
insegnamenti dei Padri, riscoperti in particolare sotto l’influenza del monaco
ucraino Paisji Velickovskij (1722-1794) e più tardi del metropolita Filarete di
Mosca († 1867), che favorisce gli studi teologici e fa tradurre e pubblicare la
Bibbia in russo. È nel corso di quest’epoca che si sviluppa il movimento
cosiddetto degli slavofili, il cui massimo esponente può essere considerato
Aleksej Chomjakov (1804-1860), il quale, in piena polemica con il cristianesimo
occidentale, considerato degradato e razionalista, vuole richiamarsi all’anima
nazionale russa, al suo sentire comunitario e solidale (espresso nella
Sobornost’), e valorizza la tradizione della chiesa ortodossa, considerata più
vicina al cristianesimo primitivo per la sua spiritualità, per la sua fedeltà
ai Padri e per la sua vocazione universalista.
Questa corrente risveglia l’attenzione degli ambienti intellettuali
russi sulla fede della chiesa ortodossa, anche grazie agli scritti di
Dostoevskij e di Tolstoi, le cui visioni, ancorché non allineate con
l’insegnamento ufficiale della chiesa ortodossa, conducono molti ad
interrogarsi sulla religione e sulla fede cristiana. Vladimir S. Solov’ëv (1853-1900) esercita in
questo ambito una straordinaria influenza, anche per il fatto che in lui una
solida cultura scientifica e filosofica si accompagna a profonde intuizioni
teologiche e mistiche. L’idea centrale del suo pensiero è quella della
«Tutt’unità», della «unitotalità». Partendo dal sentimento del fallimento
dell’uomo nel suo realizzarsi nella storia, per il fatto che si limita alle
dimensioni limitate e fenomeniche, egli apre il cuore e la mente alle
dimensioni spirituali e religiose. La «Teandria» realizza l’unità dei principi divino e umano; essa
si è realizzata pienamente in Gesù Cristo, ma deve realizzarsi anche nella
storia. In Gesù Cristo, il Logos divino si è unito alla Sofia, principio
dell’umanità, uomo ideale, il secondo Adamo, causa finale di tutto il processo
cosmico e storico. L’umanità riunita al suo principio divino attraverso la
mediazione di Gesù Cristo è la chiesa, corpo di Cristo destinato ad abbracciare
tutta l’umanità e tutto il cosmo. Sarà
la piena riunione della chiesa d’Oriente, che nella sua contemplazione ha
conservato maggiormente il principio divino, e della chiesa d’Occidente, che
con la sua razionalità ha sviluppato il principio umano, che consentirà
all’umanità di realizzare questo disegno universalistico che è nel progetto di
Dio e che si deve estendere a tutti i settori dell’esistenza, grazie all’azione
trasformante della bellezza e dell’amore, portando l’umanità alla pace e alla
libertà. Il suo universalismo lo porta a simpatizzare con il cattolicesimo a
cui aderirà formalmente considerandosi così in piena comunione con tutta
l’unica chiesa di Cristo, che vive nel cattolicesimo come nell’ortodossia. Il risveglio del pensiero filosofico e teologico
russo porterà i suoi frutti all’inizio del Novecento, anche grazie alla
creazione di accademie teologiche di rilievo, e non sarà soffocato dallo
scoppio della rivoluzione bolscevica: i grandi pensatori e teologi
dell’ortodossia russa saranno costretti a lasciare il paese ma determineranno una
nuova splendente fioritura negli ambienti dell’emigrazione, grazie alla
fecondazione dovuta all’incontro con il pensiero occidentale, sia filosofico
che teologico. In essa incontriamo pensatori e teologi di notevole valore. Tra
di essi vanno ricordati, oltre ai due grandi convertiti Nikolaj Berdjaev e
Sergej Bulgakov, almeno Florovskij, Florenskij ed Evdokimov.
Di Nikolaj Berdjaev (1874-1948), attivo anche nel movimento
ecumenico ai suoi inizi e definito un «umanista cristiano» per la molteplicità
dei suoi interessi, si può ricordare per il tema di cui ci occupiamo la sua
diffidenza verso la ragione, incapace di cogliere il mistero più profondo
dell’uomo, dell’universo e di Dio.
In
evidente polemica contro quanti in Occidente sembravano deplorare la «ellenizzazione»
del cristianesimo, George Florovskij (1893-1973) ripropone la tradizione dei
Padri e della chiesa ortodossa, secondo la quale la rivelazione cristiana si è
incontrata con le categorie filosofiche del pensiero greco, che restano lo
strumento sempre valido per esprimere in pienezza il messaggio cristiano. Si
tratta del «sacro ellenismo», «un patrimonio definitivamente acquisito alla
chiesa in virtù della geniale metodologia dei Padri… Convinto che solo in tal
modo il pensiero cristiano possa essere preservato dall’assumere in toto
categorie filosofiche mondane (non solo quelle elleno-pagane classiche, quali
il platonismo e l’aristotelismo, ma anche e soprattutto, quelle moderne, quali
l’idealismo, l’esistenzialismo, il personalismo, e persino il neopositivismo e
il materialismo), egli propone alla teologia quella che lui stesso chiama la
“sintesi neopatristica”, tutt’altra cosa rispetto ad un ripetitivo
appiattimento sull’insegnamento dei Padri. Si tratterebbe invece di una ripresa
vitale delle categorie di pensiero e della struttura del linguaggio da questi
elaborate, in un contesto estremamente creativo»[7].
Pavel
Florenskij (1882-1937), un ingegno talmente duttile e universale da poter
essere considerato come un autentico “Leonardo russo”, affrontò nella sua opera
«La colonna e il fondamento della verità. Saggio di teodicea ortodossa in 12 lettere» il tema dei rapporti
fra filosofia e teologia. Nonostante la straordinaria ricchezza del suo lavoro,
egli si mostra alquanto incoerente nel tracciare i rapporti fra un razionalismo
teologico-filosofico e un fideismo che si affida soprattutto all’esperienza
della bellezza estetica e spirituale della vita e della liturgia della chiesa
ortodossa. La conoscenza logico-astratta infatti è in grado
solo di raggiungere una realtà fenomenica piena di antinomie e incapace di
generare certezza, mentre solo l’esperienza spirituale attraverso il «cuore»
consente di raggiungere la verità, in una piena comunione con Dio raggiunta
grazie a una vita vissuta nella comunione ecclesiale.
Sergej N.
Bulgakov (1871-1944), forse il massimo esponente della teologia russa
nell’esilio di Parigi, riprende la sofiologia di Solov’ëv e di Florenskij, e la
sviluppa cercando di proporla come la filosofia propria della chiesa d’Oriente.
Egli afferma l’esistenza di una Santa Sofia, la Sapienza divina, che
costituisce il vincolo che tiene unite fra loro tutte le cose, che è presente
nel mondo rendendo possibile l’incarnazione e che conduce a un impegno di
divinizzazione del cosmo e della vita terrena.
Compito della teologia è proprio quello di proporre il dogma
esprimendolo nelle categorie culturali e filosofiche delle diverse epoche. Alla loro scuola, Pavel N. Evdokimov
(1901-1970) ha cercato di presentare la tradizione ortodossa in una prospettiva
fortemente rinnovata, tanto nella sua tensione escatologica, quanto nella sua
dimensione teandrica e comunionale, legando alla grande tradizione patristica
il pensiero filosofico dei suoi maestri. Caratteristica specifica di Evdokimov
è comunque la sottolineatura dell’apofatismo: la fede ha la priorità sulla
ragione, la mistica sulla teologia e sulla filosofia, la contemplazione del
mistero divino sulla speculazione intellettuale. Ciò che conta è la visione di
fede, la sua intelaiatura intellettuale viene solo in un secondo momento[8].
Dei
teologi più propriamente greci, merita di essere ricordato l’interesse che
alcuni di essi hanno portato alla filosofia, anche con la riscoperta di Tommaso
d’Aquino (Yoannis Karmiris, 1903-1993) e con gli studi su Kierkegaard e
l’esistenzialismo (Nikos Nissiotis, 1925-1986). Quest’ultimo ha aperto la
chiesa greca a nuove prospettive ecumeniche ed ha sviluppato particolarmente la
pneumatologia. Una posizione a parte ha il più recente Ch. Yannaras, nato nel
1935, che ha assunto posizione sempre più nettamente antioccidentali, sino a
una condanna totale della scolastica e del pensiero dell’Occidente latino.
Riprendendo la tradizione dell’apofatismo, distingue l’essenza divina, non
conoscibile e non comunicabile, dalle energie divine, le quali consentono di
entrare in comunione con Dio, non a livello razionale, ma grazie a una
relazione d’amore.
2. Teologia e
filosofia nella riflessione della teologia protestante
La teologia protestante in linea di principio è piuttosto
diffidente nei confronti della filosofia, anche se grandi filosofi sono
cresciuti proprio in seno alle comunità luterane e riformate. Per esempio,
nello stesso Kant appare evidente l’influsso della tradizione pietista nel suo
rifiuto della metafisica e nella preferenza accordata alla ragion pratica. Nel
corso del Novecento, il pensiero protestante è rimasto in continuità con la
grande tradizione del secolo precedente, che aveva visto i pensatori e le
università tedesche egemoni sia per quanto riguarda il pensiero filosofico e
teologico sia per ciò che attiene alle scienze storiche e alle scienze
bibliche. All’aprirsi del secolo, la teologia dominante era ancora la teologia
liberale, fortemente legata al pensiero positivistico dell’epoca, e che aveva
messo in guardia dall’ellenizzazione del cristianesimo, andando alla ricerca
dell’essenza originaria del cristianesimo.
Contro la teologia liberale, e a seguito
dell’esperienza drammatica della prima guerra mondiale, si afferma la teologia
della crisi e la teologia dialettica. Karl Barth (1886-1968) ne costituisce
l’esponente principale. Egli ha inteso
rifondare tutto il discorso teologico a partire unicamente dalla testimonianza
biblica, cioè dalle Scritture dell’Antico e del Nuovo Testamento, rifiutando la
tradizione della filosofia protestante tedesca e rivendicando il primato
assoluto della parola di Dio contro ogni altra parola umana, e quindi il
primato della fede sulla ragione, sulla scienza, sulla filosofia, e su ogni
forma di religione. Né la religione nei limiti della ragione di stampo
kantiano, né la religione come frutto dell’esperienza e del sentimento
religioso, nella linea di Schleiermacher e degli autori della teologia
risvegliata e liberale, ma piuttosto un atteggiamento che potrebbe richiamarsi
a Kierkegaard. La teologia, riflessione sulla Parola, è al cuore della chiesa,
al servizio della chiesa, e deve in qualche modo coinvolgere tutti i credenti.
Per penetrare nella parola di Dio, la teologia deve servirsi dell’analogia. Non
però della analogia entis, che costituisce una categoria filosofica umana, e
che viene rifiutata in modo assoluto, insieme ad ogni teologia naturale, ma
della analogia fidei, che parte da Dio stesso e consente di illuminare con la
luce della Rivelazione ogni aspetto della nostra esistenza. È grazie al dono
dell’analogia fidei che noi riceviamo i concetti e le parole che ci abilitano a
parlare di Dio. L’egemonia di Barth
sulla teologia protestante si attenua progressivamente, con l’imporsi di altri
pensatori e teologi. Emil Brunner (1889-1966), pur inserendosi nello stesso
filone della «teologia dialettica», riconosce che la natura e la ragione umana
costituiscono un punto di aggancio indispensabile sia per la fede che per la
grazia, e mantiene questa posizione nonostante il forte contrasto con
Barth. Una testimonianza che ha avuto
particolare risonanza anche in ragione della coerenza del suo pensiero e della
sua vita, conclusasi con il martirio, è quella di Dietrich Bonhoeffer
(1906-1945), con il suo progetto di un «cristianesimo non religioso», adatto
all’uomo secolarizzato in un mondo diventato adulto. Sul piano dei rapporti fra
teologia e filosofia si può ricordare il suo pensiero intorno al «Dio
tappabuchi» e la sua concezione di un Dio debole, che salva nella sua impotenza
e nella sua vicinanza all’uomo sofferente; di Gesù come uomo per gli altri e la
scoperta della necessaria fedeltà alla terra perché Dio è presente nel mondo.
Su molti punti Bonhoeffer resta ancora attuale e fecondo nella vita della
chiesa di oggi.
Gerhard
Ebeling (nato nel 1912) appare uno dei migliori rappresentanti della teologia
ermeneutica. La rivelazione costituisce un evento linguistico a partire dal
quale occorre interpretare l’esistenza umana e la sua autocomprensione.
Tuttavia la riflessione sul linguaggio umano non è sufficiente; occorre
accogliere la parola di Dio come parola che trasforma il dire dell’uomo e fonda
il suo stesso esistere. Compito della teologia è quella di rendere attuale ed
udibile oggi la parola di Dio. Per la sua
riflessione sul senso della rivelazione e del tempo ha particolare rilievo
Oscar Cullmann (1902-1999). La rivelazione avviene nella storia, come un
susseguirsi di eventi, i quali vengono interpretati sotto l’azione dello
Spirito: fatti e parole intimamente congiunti.
L’evento centrale della storia resta Cristo e il mistero pasquale, ma la
storia continua sino al compimento finale.
Nel corso di questo secolo anche il primato della Germania non è
comunque restato più così indiscusso, e le facoltà di teologia presenti nelle
grandi università americane hanno svolto un grande ruolo nella ricerca
scientifica, filosofica e teologica. Fra i nomi che possono essere fatti possiamo ricordare
innanzitutto Alfred N. Whitehead (1861-1947), da cui ha origine la «teologia
del processo», che teorizza il cambiamento e la storicità in Dio stesso, il cui
essere deve essere compreso come divenire.
Paul M. Van Buren (nato nel 1924), in una prima fase
del suo pensiero, accettando la radicale contestazione del positivismo logico,
riconosce che le proposizioni di fede non hanno un senso conoscitivo in quanto
difettano del requisito epistemologico della verificabilità empirica, e riduce
il senso del messaggio cristiano all’annuncio di Gesù Cristo, modello di amore
e di vita per gli altri. In un secondo momento tuttavia, accogliendo le nuove
prospettive relative alla pluralità dei giochi linguistici, riconosce come la
teologia si pone alle frontiere ultime del linguaggio, come linguaggio
simbolico, capace di attingere il mistero.
Il pensatore più significativo resta comunque Paul Tillich (1886-1965),
un tedesco emigrato negli Stati Uniti dopo l’avvento del nazismo. Come altri
pensatori che negli Stati Uniti avevano sviluppato una forte critica
relativamente ai rapporti fra chiesa e società, anche il suo pensiero si pone
su questo crinale dei rapporti fra chiesa e società, ma anche sulla frontiera
fra fede e ragione, fra un mondo che tramonta e un mondo nuovo che nasce. Da
questa linea di frontiera egli intende dialogare con tutti, rispondere alle
questioni di tutti. Egli aveva già vissuto in maniera militante il suo impegno
nel socialismo religioso prima di lasciare la Germania. Afferma inoltre la
centralità del «principio protestante», come protesta profetica contro ogni
potere religioso o laico che si voglia assoluto; questa lotta è una lotta
contro l’idolatria in tutte le sue forme. Cuore del suo pensiero è tuttavia lo
sforzo di una riconciliazione fra la fede cristiana e il mondo dell’uomo in
tutte le sue espressioni: filosofia, arti, scienza. Per lui esiste una profonda
correlazione nell’ambito di tutta la realtà, e tutto in ultima istanza è
correlato alla realtà ultima. La religione costituisce la dimensione più
profonda dello spirito umano e il contenuto ultimo di ogni cultura. Anche le
grandi religioni non cristiane sono spazi nei quali si è manifestata la
rivelazione generale di Dio. I simboli religiosi costituiscono il ponte fra la
religione e la cultura. È infatti il simbolo che costituisce il linguaggio
proprio dell’esperienza religiosa, ed è attraverso il simbolo che il relativo
può esprimere l’assoluto: di Dio si può parlare solo per simboli, anche se
occorre forse oggi ritrovare nuovi simboli per parlare di lui e se in ogni caso
egli sta al di là di ogni simbolo. Tuttavia, per la fede cristiana Cristo è
l’assoluto di Dio nella storia, il luogo in cui ogni cosa ed ogni persona
raggiunge la sua verità più profonda. In questo senso, Tillich è l’autore che
maggiormente ha cercato e affermato le correlazioni fra teologia e filosofia,
fra rivelazione e ragione, tra religione e cultura, fra teoria e prassi, fra
idealismo e marxismo. Fra gli autori più recenti, il più
significativo appare Wolfhart Pannenberg (nato nel 1928), che ha dato
all’impostazione dei rapporti fra teologia e filosofia una svolta radicale,
differenziandosi da Barth e da Bultmann proprio sulla questione dei rapporti
fra fede e ragione, fra rivelazione e storia. «La
verità della fede non può esistere se è solo soggettiva, se è solo la decisione
casuale o il sentimento di un singolo individuo. La verità della fede può
esistere solamente se può essere universalmente valida ed è per questo che la
teologia deve porsi il problema del suo rapporto con le altre scienze»[9]. È
nella totalità di un percorso rivelativo comprendente eventi di salvezza e
conoscibile da tutti gli uomini che possiamo riconoscere la rivelazione divina
ed è alla fine di tale percorso che la possiamo intendere pienamente, alla luce
dell’evento Cristo e della sua risurrezione. Ribaltando la tradizione teologica
protestante, per Pannenberg la teologia è chiamata a rendere conto della fede
all’uomo di oggi ma questo deve essere fatto a partire dal basso, dalle
conoscenze che l’uomo ha acquisito in tutti i campi, compresa la filosofia, per
giungere a illuminare poi queste conclusioni con la luce della fede e della
parola di Dio. Alla fine del secolo, il
grande sviluppo e rilievo che hanno assunto anche nel mondo protestante le
giovani chiese e i problemi sorti con il loro incontro con le grandi culture e
religioni non cristiane ha portato allo sviluppo delle «teologie della
liberazione» e delle «teologie contestuali». Le «teologie contestuali» cercano di ricontestualizzare il
messaggio cristiano nei quadri concettuali e linguistici propri dei diversi continenti
e delle diverse culture. Fra le creazioni più originali la «teologia nera» e la
«teologia femminista». Al di là della
teologia della Parola di Dio e del metodo ermeneutico, per il quale
bisognerebbe ricordare ancora Paul Ricoeur (nato nel 1913), alla frontiera fra
la fenomenologia e l’ermeneutica, con il rilievo che egli ha dato al conflitto
fra interpretazioni parimenti fondate, oggi si sono affermati nuovi
orientamenti. Essi sono volti a interpretare i temi centrali del cristianesimo,
cercando nello stesso tempo di rispondere alle critiche radicali delle scienze
sociali e umane, delle teorie delle scienze e della filosofia analitica del
linguaggio, riconoscendo il contenuto simbolico del linguaggio, il rapporto fra
parola e azione, il ruolo delle metafore, ma rimettendo in evidenza il
«principio protestante», che invita non solo alla protesta contro ogni autorità
ma anche a un’incessante reinterpretazione del dato rivelato e ad una
accettazione profetica del nuovo suscitato nella storia dallo Spirito.
3. Teologia e
filosofia nella riflessione nella chiesa cattolica
Il rapporto fra filosofia e teologia ha sempre interessato in modo
particolare il pensiero cattolico. A chiarimento del problema, c’è anzitutto da
tener presente che la teologia cattolica pone una differenza essenziale fra
natura e grazia, e quindi fra conoscenza naturale di Dio (conoscibilità di Dio)
e rivelazione, e perciò, di per se stessa, non solo tollera, ma esige la
filosofia, e quindi non costruisce la rivelazione e la fede sul fallimento
assoluto dell’uomo pensante (quale peccatore). La storia mostra, inoltre, che
la teologia ha sempre pensato anche con mezzi filosofici, e la teologia
cattolica tiene per fermo, contro il modernismo ed ogni religione del
sentimento, che questo fatto storico è giustificato: rivelazione e grazia
hanno, fin dall’inizio, come destinatario, l’uomo completo, quindi anche in
quanto pensante; e questa rivendicazione non è secondaria nei riguardi
dell’essenza della religione[10].
Il punto di partenza di questa nostra rapida panoramica può essere
offerto dal concilio Vaticano I, con le sue affermazioni relativamente alle
possibilità della ragione umana: non vi è contrapposizione fra fede e ragione,
esiste una capacità strutturale nella ragione umana di conoscere Dio, principio
e fine di ogni cosa, la ragione opera nell’ambito della fede rispondendo e
riflettendo sulla rivelazione divina. Queste
affermazioni, unite alla condanna di una serie di posizioni considerate erronee
(razionalismo, fideismo, tradizionalismo, ateismo..) sembravano in consonanza
con l’insegnamento filosofico divenuto corrente nella chiesa con la filosofia
scolastica. Il neotomismo tendeva a valorizzare una filosofia speculativa, anzi
una filosofia e una teologia ispirata a san Tommaso, ma mediata poi da
un’interpretazione ecclesiastica, al fine di difendere meglio la verità della
rivelazione e della Scrittura contro quelli che apparivano gli attacchi della
cultura moderna e dello storicismo. L’adozione della filosofia scolastica veniva
di fatto imposta all’inizio del pontificato di Leone XIII con l’enciclica
Aeterni Patris (1879) come dottrina normativa nell’insegnamento dei seminari e
degli istituti di formazione. Negli stessi anni tuttavia anche in campo
cattolico cominciavano a fiorire le ricerche storiche, tanto in campo
patristico, quanto nel settore della teologia medievale. Lo stesso Leone XIII
apriva successivamente agli studiosi gli archivi vaticani, anche se con intenti
in allora prevalentemente apologetici, e quindi incoraggiava gli studi biblici,
sia pure con molte limitazioni (Providentissimus Deus, 1893).
L’esigenza
di un profondo rinnovamento degli studi e della riflessione filosofica e
teologica nell’ambito del cattolicesimo, sotto l’influenza dello sviluppo
contemporaneo delle scienze storiche e delle scienze umane, soprattutto nel
mondo protestante e laico, si fece sentire al volgere del secolo dando origine
a quel fenomeno che venne poi indicato come modernismo. Sotto questo termine
sono stati raggruppati, in maniera approssimativa, i tentativi di pensatori
cattolici dell’inizio del secolo XX di contribuire a superare lo stacco che
esisteva fra il pensiero cattolico e la cultura contemporanea, e di favorire
quindi anche il dialogo fra la teologia cattolica e il pensiero filosofico
contemporaneo, così come l’applicazione del metodo storico-critico
all’interpretazione dei testi della Scrittura e la rivendicazione
dell’autonomia degli studi storico-religiosi, anche in campo di storia dei
dogmi. In questa riflessione sul rapporto fra fede e storia, i pensatori
che sono stati classificati come «modernisti» sono stati spesso influenzati dal
sorgere e dall’affermarsi di dottrine di tipo evoluzionista. Alfred Loisy
(1857-1940) partiva dalla convinzione che il vangelo avrebbe potuto essere
accettato anche nella nuova situazione culturale a condizione di un cambiamento
nel modo di intenderlo e di spiegarlo. In questa
prospettiva, l’evoluzione comporta un adattamento alle mutate condizioni della
società e della cultura. Da parte sua, George Tyrrell (1861-1909) mette in
evidenza il rapporto fra la rivelazione e la sua trasmissione, operando una
distinzione: la rivelazione è l’esperienza fatta da testimoni, e in quanto
tale, unica e non superabile. La teologia è il modo in cui la rivelazione viene
trasmessa attraverso i tempi, grazie alla riflessione razionale sulla
testimonianza originaria, e in quanto tale è sempre provvisoria e modificabile.
In questa distinzione occorre tuttavia non dimenticare mai che anche il
testimone traduce la propria esperienza originaria in categorie e concetti che
sono propri del suo tempo. Queste
proposte si fondavano forse su un’inadeguata riflessione filosofica, e in ogni
caso erano molto diversificate fra loro, e solo in alcuni casi estremi avevano
esiti di relativismo religioso. Il fatto è stato comunque che la teologia e la
chiesa hanno rifiutato tali soluzioni.
L’enciclica Pascendi dominici gregis (1907) semplifica le formulazioni
affermando che «dall’unione di una falsa filosofia con la fede è sorto questo
sistema, zeppo di gravi errori»[11]. Per evitare tali errori, occorre ritornare
al sistema già richiamato da Leone XIII della neoscolastica. Il tentativo di
dialogo con la filosofia contemporanea viene così troncato e il mondo cattolico
si chiude nella propria fortezza, la «filosofia cristiana», la «filosofia
perenne». Il periodo dell’antimodernismo
è stato uno dei più dolorosi nella storia della chiesa cattolica. Dominava la
convinzione che la realtà fosse statica, immobile e sempre eguale, e che quindi
la storia non fosse soggetta a variazioni ed evoluzione. Dio veniva presentato
come un vertice lontano, una realtà che sussiste al di sopra di ogni altra
realtà, anziché come Signore e redentore, secondo la Scrittura, in rapporto
personale con gli uomini e operante nella storia della salvezza. L’accettazione
del mutamento in atto, per cui a una visione statica del mondo veniva
sostituendosi una visione dinamica ed evolutiva, verrà rinviata al concilio
Vaticano II (Gaudium et spes 5). È in
questo contesto culturale comunque che Henry Bergson (1859-1941) propone il
tema dello «slancio vitale», come forza interiore che guida l’evoluzione delle
specie e l’evoluzione delle società. L’evoluzione a livello umano viene guidata
dalla ragione; nella società, in modo particolare, l’intelletto umano tende
alla società aperta; in campo religioso sono i mistici che aiutano questa
crescita dell’uomo verso una religione liberante, una religione della speranza
e un Dio dell’amore. Ed è sempre nello
stesso contesto che Maurice Blondel (1861-1949) sostiene che una indagine sui
bisogni profondi dell’uomo mostra l’insufficienza dell’ordine naturale e la
necessità di attingere a un ordine soprannaturale, che in sostanza è quello
offerto come dono nella rivelazione cristiana. Egli cerca di integrare
un’ermeneutica della soggettività, quale si era affermata soprattutto nel
pensiero protestante del diciannovesimo secolo, mediante un «metodo
dell’immanenza» che conduce a un «pancristismo»: solo in Cristo e nel mistero
dell’Incarnazione il mondo della nostra esperienza diventa intelligibile e
acquista consistenza effettiva.
Nonostante
le forti conseguenze negative dell’antimodernismo, che soffocarono a lungo lo
sviluppo di un pensiero originale, specie in Italia, il rapporto fede-storia fu
ripreso anche nell’ambito del neotomismo da alcuni studiosi e teologi che
cercarono di andare più in profondità nella conoscenza di Tommaso e del suo
metodo, che era un metodo dialogico, capace di confrontarsi con la Scrittura,
con i Padri, con i propri contemporanei. Questo metodo fu applicato in grandi
iniziative editoriali che caratterizzarono la prima metà del secolo,
soprattutto in Francia ma anche in Germania, e poi in scuole come quella
domenicana di Le Saulchoir. In questa scuola si distinse particolarmente
Marie-Dominique Chenu (1895-1990), che da una formazione neoscolastica passò
gradatamente a una maggiore coscienza della rilevanza della storia, e che stese
il programma della scuola stessa, pubblicato nel 1937[12], aperto non solo all’accettazione
del metodo storico-critico nella lettura della Bibbia e della storia della
teologia, ma anche a una riflessione sui problemi posti dalla cultura e dalla
società contemporanea. Negli stessi
decenni un tentativo di dialogo con la teologia veniva avviato in modo
particolare con la fenomenologia delle religioni e la filosofia dei valori
(Heiler e Scheler), che cercavano di comprendere «la logica del senso dell’atto
religioso». È in questo quadro che dobbiamo collocare la «teologia trascendentale»,
rappresentata da Joseph Maréchal (1878-1944), che tentò una sintesi tra la
posizione kantiana e la ontologia scolastica. Nella sua scia si è mosso
soprattutto Henrì de Lubac (1896-1991), il quale meditò sulla condizione umana,
protesa al di là di sé verso un trascendimento, il cui termine è Dio stesso,
che infine gli si rivela e comunica in Gesù Cristo. La scelta dell’approccio
storico come metodo per fare teologia si fonda sulla convinzione che Dio si
rivela nella dinamica della storia. Le sue riflessioni sul cattolicesimo
fondano una prospettiva assolutamente universale: solidarietà universale nella
storia, universalità della salvezza, apertura a ogni valore umano autentico: la
fede in Dio, e non l’ateismo, possono salvare l’uomo. Nella sua riflessione sul
soprannaturale, egli lo intende come un dinamismo positivo, che si manifesta
nell’apertura della creatura a un termine irraggiungibile dal basso.
Molto
vicino a De Lubac può essere considerato Karl Rahner (1904-1984), forse il
maggiore teologo cattolico del Novecento, che partendo da una rigorosa
formazione neoscolastica, si aprì alla filosofia trascendentale, cercando di
superare i limiti del formalismo kantiano, con un’apertura all’esperienza
trascendentale, l’apertura cioè di tutto lo spirito dell’uomo alla verità e
alla libertà, il che rende l’uomo disponibile alla rivelazione, che resta
autocomunicazione gratuita di Dio, ma che trova l’uomo capace di riceverla.
È nel corso degli stessi anni in cui emergono queste grandi figure
di teologi che sempre più chiaramente venivano delineandosi due orientamenti
nella teologia, che vennero definiti come escatologista e incarnazionista. Sarà soprattutto Jean Daniélou (1905-1974) a
mettere in evidenza questa dialettica fra i due orientamenti[13]. Merito del
Daniélou è anche quello di anticipare tematiche che saranno sviluppate in
seguito, dalla teologia della storia, intesa come storia della salvezza, nella
quale l’evento dell’incarnazione aiuta a comprendere il tempo nella sua
linearità, al valore salvifico delle religioni non cristiane, alla necessaria
inculturazione del cristianesimo nel mondo di oggi così come avvenne nella
chiesa primitiva.
È forse a questo punto che merita di essere ricordato Bernard
Lonergan (1904-1984), che ha esercitato un notevole influsso soprattutto sulla
teologia americana più recente. La rilevanza del suo insegnamento è legata
soprattutto alla proposta di un profondo rinnovamento del metodo teologico,
alla luce della nuova centralità assunta dalla coscienza e dall’interiorità personale
nel pensiero contemporaneo; ciò porta il Lonergan a insistere sulla necessità
di una conversione personale (intellettuale, morale, religiosa), che fonda
l’autenticità del teologo. Gli
sviluppi realizzati nel pensiero cattolico fra gli anni Trenta e Quaranta del
XX secolo erano comunque tornati a impensierire la curia romana, che riprese e
accentuò le posizioni dell’antimodernismo soprattutto con la seconda parte del
pontificato di papa Pio XII, in particolare con la enciclica Humani Generis del
1950 e con le condanne di singoli teologi. Gli orientamenti presi di mira erano
soprattutto quelli della cosiddetta nouvelle théologie, che più che una
corrente di pensiero era costituita da quell’insieme di teologi, che si erano
riproposti un rinnovamento della teologia a partire da un ritorno radicale alle
fonti bibliche e patristiche e all’adozione dei metodi della critica
contemporanea, insieme a un dialogo rinnovato con la cultura contemporanea.
Essa nasceva anche dalla presa di coscienza dello stacco drammatico che si
veniva operando fra il pensiero contemporaneo e la teologia neoscolastica, che
rendeva irrilevante per l’uomo di oggi una fede imprigionata in quelle
categorie del passato, con gli esiti di scristianizzazione che erano sotto gli
occhi di tutti. Significativa fu anche
la condizione particolare fatta al gesuita Pierre Teilhard de Chardin
(1881-1955), uno studioso che ha riflettuto sul rapporto fra teologia e
scienza, sviluppando prospettive originali che proponevano una nuova sintesi
fra le prospettive delle scienze evoluzionistiche e la fede cristiana ma che
vide per tutta la vita un sostanziale divieto di pubblicazione per le sue
ricerche, divieto ripetuto ancora dopo la sua morte.
Una
sostanziale rottura con le tesi più intransigenti si ha con il pontificato di
Giovanni XXIII, soprattutto con alcuni suoi interventi, redatti da lui
personalmente, come l’allocuzione Gaudet mater ecclesia, con la quale apriva il
concilio Vaticano II l’11 ottobre 1962 e con la quale affermava la necessità di
distinguere la sostanza del deposito della fede dal modo della sua
enunciazione. Questa affermazione fondamentale, che consentiva una rilettura
storica del dogma e una sua riespressione nei termini contemporanei, venne
ripresa dal concilio (Unitatis redintegratio 6 e Gaudium et spes 62) e
costituisce uno dei fondamenti del dialogo ecumenico contemporaneo.
Elemento
centrale del concilio appare la ricomprensione della parola di Dio e della
Rivelazione, quale viene espressa nella Dei Verbum, ricomprensione che a sua
volta fonda le altre novità conciliari e soprattutto la nuova visione dinamica
della chiesa e della stessa storia della salvezza. Di fatto, nonostante lacune
e compromessi testuali, l’insieme dei documenti del concilio condurrà al
superamento di certi atteggiamenti che si erano affermati nel cattolicesimo più
recente sotto l’influenza delle posizioni più intransigenti, aprendo la via a
un autentico rinnovamento nella chiesa, che si realizzò concretamente in più
campi, compreso quello del superamento di un legame con una cultura legata
all’eredità aristotelico-tomista, per consentire una nuova inculturazione del
cattolicesimo e del cristianesimo nelle diverse culture del mondo (decreto
missionario Ad gentes). Lo stesso riconoscimento dei valori e del patrimonio di
fede presente nelle altre chiese cristiane contribuiva all’abbandono di quel
legame con una determinata filosofia che era presente soprattutto nella
tradizione cattolica: il decreto Optatam totius sulla formazione sacerdotale
non farà più riferimento se non indirettamente alla filosofia scolastica, ed
esorterà a tenere conto delle correnti filosofiche moderne ed ad insegnare a
«cercare rigorosamente la verità», mentre occorre formare a «cogliere il nesso
fra gli argomenti filosofici e i misteri della salvezza che vengono studiati in
teologia alla luce superiore della fede» (Optatam totius 15). Preceduto dalla riflessione di precursori che
avevano già cercato di dialogare con il marxismo e con le scienze umane, quali
Emmanuel Mounier (1905-1950) con la sua rivista Esprit, o lo stesso Jacques
Maritain (1882-1973) con il suo «Umanesimo integrale», un nuovo interesse per i
rapporti fra cristianesimo e società moderna portò ad elaborare nuove
prospettive intorno ai rapporti fra la chiesa e la società civile, così come
fra la chiesa e gli stati.
Un
particolare rilievo assume in questo contesto il tema della speranza. È stato
Ernst Bloch (1885-1977) che aveva posto il tema della speranza, come sogno
utopico che anticipa la trasformazione del mondo presente attraverso il
desiderio, il quale prepara il superamento della situazione attuale del mondo.
Questo superamento è nelle potenzialità della materia stessa, e consente di
sognare l’esodo dall’Egitto; essa non si fonda per Bloch sulla fiducia in Dio, ma
conta sull’autorealizzazione dell’uomo. Ed è questa per lui la sostanza più
profonda dello stesso messaggio biblico, un messaggio di liberazione per
l’uomo, un uomo chiamato a prendere le proprie responsabilità.
Questa
prospettiva fu accolta coma una sfida da una parte della teologia cristiana, e
soprattutto da Johann Baptist Metz, e al suo seguito da una parte della
teologia tedesca, e della teologia della liberazione latino-americana. La
radicalità della speranza ateistica espressa da Bloch viene inserita in una
prospettiva di fede, e fonda una prassi politica motivata a partire da una
convinzione di fede cristiana, e insieme fonda una coscienza politica sulla
base dell’evangelo. Per Johann Baptist
Metz (nato nel 1928) occorre prendere atto del fatto che in un mondo adulto gli
uomini prendono le loro responsabilità e sembra esserci sempre meno spazio per
Dio, ma anche riconoscere che questa crescita del mondo è avvenuta non contro
ma grazie al cristianesimo. In questa nuova situazione del mondo, la chiesa
deve ricordarsi della propria vocazione ad esistere non per se stessa ma per
gli altri; e questa pro-esistenza si manifesta nell’ortoprassia di una teologia
politica. In reazione contro quella che considera la «privatizzazione» della
teologia, la teologia politica ci richiama all’essenza escatologica del
messaggio cristiano e alla necessità di contribuire positivamente alla crescita
e al progresso dell’umanità.
Riprendendo
il tema della speranza, teologia politica e teologia della liberazione
ricordano che la storia dell’emancipazione dell’uomo deve essere insieme una
storia di redenzione. Contro la teoria liberale che dà via libera a coloro che
sono capaci, ma crea nuove dipendenze per coloro che soccombono nella corsa, e
contro la teoria marxista che divide gli uomini in fronti contrapposti,
condannando quindi alla lotta fra le classi, occorre proclamare la speranza che
si fonda sulla fede in un Dio che è Dio della speranza, accettando di
riconoscere le proprie colpe e le proprie mancanze, ma anche valorizzando le
grandi riserve spirituali e morali insite nella fede verso i grandi compiti di
liberazione dell’umanità.
In ogni
caso, la teologia della liberazione come si è espressa in America Latina, ha
costituito quanto meno una forma originale di incarnare il cristianesimo nella
cultura locale e nella realtà popolare, assumendo almeno in sede di analisi
istanze critiche da una filosofia di stampo marxista e riconoscendo nella
liberazione degli oppressi il compito fondamentale della teologia e della chiesa. Un ultimo riferimento possiamo ancora fare,
quello alla filosofia linguistico-analitica, che ha posto problemi che non sono
ancora stati adeguatamente affrontati e risolti. Anche per la teologia, la
riflessione sui testi deve essere significativa, in modo da poter essere
recepita dalla comunità credente, condizione e criterio di riconoscimento di
una riflessione teologica fedele alla rivelazione cristiana. Inoltre essa deve
essere capace di orientare a una prassi conforme al vangelo. Della filosofia del
linguaggio vengono prese in considerazione soprattutto le obiezioni alle
interpretazioni teologiche non riferite all’esperienza e non utilizzabili come
guida alla prassi, e ad esse si risponde mostrando come la riflessione
teologica aiuta l’uomo a dare un senso alla propria vita e al proprio impegno
affrontando con fiducia un mondo nel quale è presente il male ed è difficile
dare un significato all’esistenza.
Riferendosi poi all’ultimo Wittgenstein e alla sua riflessione sui
diversi «giochi linguistici», all’interno dei quali valgono criteri diversi per
definire ciò che è giusto o sbagliato, la teologia più recente ha fondato su
questa teoria il riconoscimento della legittimità del linguaggio religioso come
linguaggio in sé autonomo. E sulla base
della teoria di Austin relativa agli «atti linguistici», altri teologi hanno
ritrovato in questa riflessione un principio che aiuta a comprendere tanto la
parola sacramentale, quanto l’annuncio della predicazione, quanto infine la
preghiera stessa, via che consente all’uomo di entrare in una «relazione» con
Dio. E questa dottrina degli «atti linguistici» sembra atta a fondare il valore
veritativo anche di affermazioni che essi presuppongono e che li rendono
possibili. Una posizione più
indipendente è quella di Hans Urs von Balthasar (1905-1988), la cui
straordinaria ricchezza di pensiero, aperta a una concezione dinamica della
Rivelazione e a una teologia della storia, richiama almeno una nuova
valorizzazione dell’estetica come via per accogliere la rivelazione, e della
rivelazione come via per aprirsi alla bellezza.
Anche in
campo cattolico gli sviluppi più recenti dell’inculturazione o piena
incarnazione del cristianesimo nelle diverse culture con cui esso viene in
contatto, inculturazione accettata in linea di principio dal Vaticano II e
nuovamente riconosciuta nel sinodo dei vescovi del 1974 sull’evangelizzazione,
hanno portato allo sviluppo di una teologia contestuale, chiamata cioè a tenere
presente il contesto umano in cui essa si esprime. Tale teologia contestuale portava
non solo ad assumere le culture locali e i loro modi di espressione, ma anche a
fare proprie le istanze di libertà e di giustizia delle singole popolazioni, ed
a rispettare il contesto religioso nel quale esse vivono. La parola più recente nella chiesa cattolica
è offerta dall’enciclica Fides et Ratio, della quale è sufficiente riprendere a
conclusione della nostra carrellata un passo significativo a proposito proprio
dei rapporti fra la teologia e la filosofia. Dopo avere riconosciuto come la
teologia non può non entrare in contatto con le diverse filosofie, senza
doverne fare propria nessuna in modo particolare, e dopo avere ricordato come
la filosofia apporti il proprio particolare contributo tanto per l’auditus
fidei quanto per l’intellectus fidei, essa affronta il rapporto della filosofia
con la teologia a proposito della teologia fondamentale, della teologia
dogmatica, e della teologia morale e conclude con la necessaria circolarità fra
filosofia e teologia. «Alla luce di queste considerazioni, il rapporto che deve
opportunamente instaurarsi tra la teologia e la filosofia sarà all’insegna
della circolarità. Per la teologia, punto di partenza e fonte originaria dovrà
essere sempre la parola di Dio rivelata nella storia, mentre obiettivo finale
non potrà che essere l’intelligenza di essa via via approfondita nel
susseguirsi delle generazioni. Poiché, d’altra parte, la parola di Dio è Verità
(cf. Gv 17,17), alla sua migliore comprensione non può non giovare la ricerca
umana della verità ossia il filosofare, sviluppato nel rispetto delle leggi che
gli sono proprie. Non si tratta semplicemente di
utilizzare, nel discorso teologico, l’uno o l’altro concetto o frammento di un
impianto filosofico; decisivo è che la ragione del credente eserciti le sue
capacità di riflessione nella ricerca del vero all’interno di un movimento che,
partendo dalla parola di Dio, si sforza di raggiungere una migliore
comprensione di essa. È chiaro, peraltro, che, muovendosi entro questi due poli
– parola di Dio e migliore sua conoscenza –, la ragione è come avvertita, e in
qualche modo guidata, ad evitare sentieri che la porterebbero fuori della
Verità rivelata e, in definitiva, fuori della verità pura e semplice; essa
viene anzi stimolata ad esplorare vie che da sola non avrebbe nemmeno
sospettato di poter percorrere. Da questo rapporto di circolarità con la parola
di Dio la filosofia esce arricchita, perché la ragione scopre nuovi e
insospettati orizzonti» (n. 73).
Giovanni Cereti docente presso l’Istituto di Studi Ecumenici
(Venezia) e Pontificia Università San Tommaso (Roma)
Sommario
Il rapporto fra filosofia e teologia è un rapporto che è sempre
stato molto stretto e insieme delicato, essendo entrambe discipline generali e
fondanti una visione complessiva dell’esistenza, intimamente collegate l’una
all’altra. Il presente contributo intende esporre una breve rassegna dei
principali teologi delle tradizioni-chiese cristiane (ortodossa, protestante,
cattolica), mettendo in luce i diversi cammini percorsi in quest’ultimo secolo.
Anche se alcuni teologi affermano di non voler ricorrere a nessuna filosofia
nel proprio teologare per evitare di sottomettere la parola di Dio in qualsiasi
modo alla parola umana (in realtà questa pretesa non fa che utilizzare una
forma di filosofia contro altre forme di filosofia, fornendo un alibi per
evitare di riflettere sui fondamenti critici del proprio pensiero), ne risulta
che il teologo non può fare a meno di un metodo scientifico, che si appoggia
quindi su un sistema filosofico, anche se non può più parlare della filosofia
come ancilla theologiae.
Notas
[1] Cf. «Filosofia e teologia», in K. Rahner - H. Vorgrimler,
Dizionario di Teologia, Herder-Morcelliana, Roma-Brescia 1968, pp. 265 ss.
[2] R. Schaeffler, Filosofia, in Sacramentum Mundi, III, pp.
828-829.
[3] Schaeffler, Filosofia..., cit., pp. 824-825. [4] G. Soehngen, «Filosofia e teologia», in
Dizionario Teologico, diretto da H. Fries, I, Queriniana, Brescia 1966, p.
671. [5] E. Morini, La chiesa ortodossa,
Edizioni Studio Domenicano, Bologna 1996, p. 24.
[6] Morini, La chiesa ortodossa..., cit., p. 25.
[7] Morini, La chiesa ortodossa..., cit., p. 26.
[8] Meriterebbero anche di essere ricordati Nikolaj O. Losskij
(1870-1965), che si occupò in diversi modi di gnoseologia («intuitivismo») e di
ontologia («ideal-realismo», una dottrina fondata sul platonismo), oltre che di
filosofia della religione, e il figlio Vladimir Losskij (1903-1958), che ha
insistito anch’egli sulla teologia apofatica.
[9] B. Mondin,
Intervista con W. Pannenberg, in Dove va la teologia?, Roma 1982, p. 90.
[10] «Filosofia e teologia», cit., pp. 265-266.
[11] Cf. ASS 40 (1907), p. 636.
[12] Il programma venne condannato; una
traduzione italiana è apparsa nel 1982. M.D. Chenu, Le Saulchoir. Una scuola di
teologia, Marietti, Casale Monferrato 1982.
[13] J. Daniélou, Les orientations présentes
de la pensée religieuse, in «Etudes» 29 (1946), pp. 13ss.
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