Odós, aletheia, zoé
λέγει αὐτῷ Ἰησοῦς· ἐγὼ εἰμι ἡ ὁδὸς καὶ ἡ ἀλήθεια καὶ ἡ ζωή· οὐδεὶς ἔρχεται πρὸς τὸν πατέρα εἰ μὴ δι’ ἐμοῦ. ΚΑΤΑ ΙΩΑΝΝΗΝ 14:6
NT Grego: Westcott/Hort. Veja a análise lingüística no final do texto.
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o
caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por
mim.”
Odós
Tomé expressou sua
dificuldade e Jesus disse a ele: "Eu
sou o caminho, e a verdade, e a vida".
Uma das linhas-força desta
correlação de idéias teológicas -- caminho, verdade e vida --presente na afirmação de Deus, nos remetem a conceitos presentes nas escrituras hebraico-judaicas, na filosofia e mitologia gregas e pensar latino. Mas vamos começar pela ideia de halakha, que trata das obrigações religiosas às quais devem se submeter os judeus em suas relações com o
próximo e com o Eterno. Ela engloba todos os aspectos da existência. Mas
halakha tem em sentido mais amplo, o de caminho.
Assim, a partir da halakha,
mais do que propor uma adoração estática ao eterno, as Escrituras nos falam de
andar com ele. Daí a idéia de caminho. O ser
humano é colocado a cada momento e a cada dia diante da exigência de exercer sua
liberdade e escolher entre o bem e o mal, ou, como diz Deuteronômio
30.15: “Vejam
que hoje ponho diante de vocês vida e prosperidade, ou morte e
destruição”.
A linha-força do caminho
da lei ou halakha é extensa e profunda nas Escrituras. E se antes repousava na
lei, agora é o próprio Cristo. E é a partir desse conceito teológico
que estrutura o pensamento hebraico-judaico, e depois cristão, que podemos
entender a afirmação de Jesus.
Os hebreus falaram sobre o
caminho que deviam tomar as pessoas. Deus disse a Moisés: “Cuidareis em
fazerdes como vos mandou o Senhor, vosso Deus; não vos desviareis, nem para a
direita, nem para a esquerda. Andareis em todo o caminho que vos manda o seu
Senhor, vosso Deus” (Deuteronômio 5:32-33). Moisés disse ao povo: “Sei que,
depois da minha morte, por certo, procedereis corruptamente e vos desviareis do
caminho que vos tenho ordenado” (Deuteronômio
31:29). Isaías
havia dito: “Os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele.”
(Isaías 30:21). No mundo novo haveria uma estrada chamada o
Caminho de Santidade. Nela, os caminhantes, por simples que fossem,
não se perderiam (Isaías 35:8). O salmista orou: “Ensina-me, Senhor, o teu
caminho” (Salmos 27:11). Os judeus sabiam muito sobre o caminho do Eterno que deviam seguir. E Jesus
disse: "Eu sou o caminho".
Em grego, halakha
se transforma em hodós, o caminho mais curto. E uma outra ideia se
agrega, meta. μετά, μέt-, nos remete a depois ou que segue e quando se
une a οδός, caminho, temos a ideia de seguir um caminho, para
chegar a um fim. Assim, na filosofia, o método define um caminho para se chegar ao conhecimento.
Aletheia
Jesus afirmou: eu sou a verdade. O autor dos Provérbios disse: “Porque
o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e as repreensões da
disciplina são o caminho da vida” (Provérbios
6:23). “O
caminho para a vida é de quem guarda o ensino” (Provérbios
10:17). “Tu
me farás ver os caminhos da vida”, disse o salmista (Salmos 16:11). O ser
humano quer conhecer a verdade.
E Jesus responde este
anseio ao dizer, “ninguém vem ao Pai, senão por
mim”.
Aletheia, em grego ἀλήθεια, tem o sentido de desvelamento: de a-, negação; e lethe, esquecimento. Para os
gregos, designava a essência, aquilo que é, e por isso tinha correlação com a arché,
com a origem, quer em relação à auto-manifestação da realidade, quer em relação
à manifestação dos seres humanos.
Em latim temos veritas,
que corresponde a maneira de narrar os fatos acontecidos, e a
maneira de narrar determinará a verdade dos fatos.
Então, lhe disse Pilatos:
Logo tu és rei? Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e
para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve minha voz.
Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? Tendo dito voltou aos
judeus e lhe disse: Eu não acho crime algum nele (João 18: 37-38)
Sobre o diálogo entre
Jesus e Pilatos vemos que Jesus não tem dúvida sobre quem é a
verdade e Pilatos não sabe o que é a verdade.
É importante compreender
que filosoficamente construímos no Ocidente a ideia de verdade a partir de três
concepções
diferentes, vindas da filosofia grega, do latim, e do judaísmo em correlação com a mitologia grega e o cristianismo.
Na concepção grega, aletheia
é o que não mais está oculto, e como tal é verdadeiro, pois se manifesta aos olhos e ao espírito. O
falso é pseudos, o encoberto, o que parece mas não é. De acordo com essa concepção aletheia está na essência,
sendo idêntica a realidade e acessível apenas ao pensamento, e verdade aos
sentidos. Assim um elemento necessário é a visão inteligível, em outras palavras o
ato de revelar, o próprio desvelamento.
Na concepção pragmática latina
veritas significa exatidão, rigor do que se refere à linguagem como expressão de fatos
acontecidos. A concepção latina afirma a capacidade dos seres humanos em
descrever com precisão um acontecimento. Essa concepção depende da forma como os
fatos são narrados. Nesse ponto a veritas trata de descrever com
detalhes o ocorrido no passado.
Observam-se diferenças nas
concepções grega e latina. Para a filosofia grega, a verdade faz parte da essência
que foi desvelada. Na latina é a precisão dos fatos que são contados que
vai determinar se esse fato e verdadeiro ou falso.
Na leitura hebraica, a expressão emunah significa posicionamento, mas também
confiança. Nessa expressão há o sentido de comprometimento, mas quando correlacionado com a
pistis essa confiança se transforma numa verdade que chamamos fé. Ora,
na mitologia grega, Πίστις pistis era a personificação da boa-fé, da confiança e da confiabilidade. Ela
aparece sempre ao lado de outras virtudes como a esperança, a prudência e as
graças, todas associadas à honestidade e à harmonia entre às pessoas. Mas, equivale sobretudo à fides latina. E a carta neo-testamentária aos hebreus nos vai dizer que é certeza e prova do que não podemos ver. Assim, nota-se que a confiança/fé é a base do conceito. A verdade passa então
a ser expressão deste posicionamento e desta confiança/fé, embora pareça
absurdo para quem se coloca fora de tal confiança.
Aletheia, então, se refere ao que as
coisas são ao serem desveladas, veritas de refere aos fatos que foram
relatados, e emunah/pistis se refere àquilo que virá a ser, porque assim
foi prometido. Ou seja, aletheia é, tal como se manifesta
agora ao nosso espírito, veritas mostra os fatos conforme foram
relatados, e emunah/pistis aponta para aquilo que será e que foram
prometidas.
Zoé
No hebraico temos a palavra
hayah, que traduz a ideia de respirar. O substantivo hayah,
no entanto, significa viver, ter vida, sustentar a vida. Se estiver na forma
gramatical hifil, que expressa uma ação causativa, tem o sentido de reanimar, reviver, restaurar à vida, o que aponta para o
conceito de levantar da morte, ressuscitar.
Zoé traduz a ideia de vida
comum a todos os seres vivos. E nesse sentido, a vida animal seria o momento mais simples da
vida Bios. A vida animal está lá embaixo, quando comparada a Bios.
Afinal, o ser humano é escravo de suas necessidades de sobrevivência. Sua servidão remete
a um moto sem fim para atender tais necessidades básicas.
A vida Zoé
retrata a
simplicidade da vida não qualificada, que por não ser inferior têm como
destino ficar oculta. Mas ficar oculta significava ter hábitos moderados no comer, beber, na sexualidade e na não violência. Não havia punições para
quem não fosse moderado, mas a moderação na vida Zoé mostrava que a pessoa
poderia exercer o Bios político.
Na vida Zoé dos
gregos há assim uma desqualificação do corpo (soma) na definição da
vida, sem representação política, como no caso dos escravos.
A vida Bios é a vida racional, própria de pessoas ou comunidades. A vida política é a Bios política
como uma vida qualificada. Um tipo de vida de pessoa que é admirada por suas ações
e condutas. Por sua práxis, pelo que ele faz, e por sua léxis, pelo que ele
diz. Práxis e léxis nas pessoas e comunidades possibilitam a existência da polis
democrática,
e por extensão da liberdade.
Mas quando compreendida a
partir do hayah, da vida que ressurge, os cristãos vão além da compreensão
grega. Veem Zoé, que tem nela o hayah bíblico, como a vida eterna, dom do Deus Eterno entregue àqueles que aceitam Iesous, como
senhor. E a vida Bios passa de fato a ser a vida terrena, que renasce no
permanente ciclo de nascimento e morte.
Por isso, Jesus
respondeu a
Tomé: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão através de
mim.”
Análise linguística-gramatical
λεγει verbo - presente ativo indicativo – terceira pessoa do singular lego [leg'-o]: dizer, clamar.
αυτω pronome pessoal – dativo singular masculino autos [ou-tos’]: pronome reflexivo
ο artigo indefinido - nominativo singular masculino ho [ho]: o, esse, aquele, ele, ela [geralmente omitido, havendo a necessidade de acrescentar em português].
ιησους substantivo - nominativo singular masculino Iesous [i-ei-sue’]: Jesus (i.e. Jehoshua), o nome do Senhor e de três outros personagens bíblicos.
εγω pronome pessoal – primeira pessoa nominativo singular ego [eg-o’]: Eu, me.
ειμι verbo - presente indicativo – primeira pessoa do singular eimi [i-mi’]: Uma forma prolongada de um verbo primário e defectivo; Eu existo (usado apenas quando enfático) sou, tenho sido, era.
οδος substantivo - nominativo singular feminino hodos [hod-os’]: Um caminho; por implicação, um progresso; fig. Um modo ou meio.
και conjunção kai [kái]: e.
αληθεια substantivo - nominativo singular feminino aletheia [al-ei’-thi-a]: verdade, verdadeiro.
ζωη substantivo - nominativo singular feminino zoe [dzo-ei’]: vida.
ουδεις adjectivo - nominativo singular masculino oudeis [oo-dice’]: ninguém.
ερχεται verbo - presente médio ou passivo depondente indicativo – terceira pessoa do singular erchomai [er’-kom-ahee]: vir, entrar.
προς preposição pros [pros]: uma preposição de direção; para.
πατερα substantivo - acusativo singular masculino pater [pat-er’]: um pai, fig. lit. parente.
ει conditional ei [i]: se.
μη partícula - nominativo me [mei]: ninguém exceto, sem.
δι preposição dia [dee-a’]: através.
εμου pronome pessoal – primeira pessoa do genitivo singular emou [em-oo’]: de mim.
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