mercredi 29 juillet 2009

O PRÍNCIPE DO RANCHO

Jorge Pinheiro, O príncipe do rancho, São Paulo, Versus no 33, junho de 1979, pp. 28-32.

A política e a ficção se confundem. Certa vez, eu dizia para meu amigo Alejandro Arizcún Cela – um dirigente socialista espanhol – na cidade de Vigo, que a política é um aramo da ficção científica. Ele concordou. Afinal, se a primeira trabalha com hipóteses e procura dar respostas ao futuro imediato, a segunda trabalha com a especulação e pensa o futuro. E mais do que isso, ambas trabalham com a realidade, com a vida. Assim, o que às vezes parece distante, um sonho, pode ser a resposta metafórica para nossos problemas do hoje ou do amanhã. É exatamente por isso, que nesta análise da situação nacional e dos caminhos da reorganização partidária, “Ratos e Homens” de John Steinbeck se confunde com os planos de Figueiredo e a consciência de nosso proletariado. São por incrível que pareça um mesmo mundo. Afinal, na política sempre teremos um magro das mulas, aquele que procura “matar com o chicote uma mosca pousada na anca da mula da carroça sem tocar a pele do animal”.
“Há um sendeiro através dos salgueiros e dos sicômoros, um caminho batido pelos mesmos que descem das fazendas para vir nadar no poço e trilhado pelos vagabundos que, à noitinha, deixam fatigados a estrada real para vir acampar à beira d’água. Diante do ramo horizontal e baixo dum sicômoro gigante vê-se um monte de cinza feito por muitas fogueiras: o tronco está gasto e polido de tantas foram as pessoas que se sentaram nele.
O anoitecer dum dia cálido pôs em movimento a brisa por entre as folhas. A sombra subiu as colinas na direção dos topos. Os coelhos estavam sentados imóveis nas margens arenosas como pequenas esculturas de pedra cinzenta. E depois, das bandas da estrada estadual, veio o som de passos sobre as folhas secas de sicômoro. Os coelhos correram furtivos para seus esconderijos. Uma garça empertigada se ergueu pesadamente no ar e sobrevoou o rio, corrente abaixo. Por um momento a vida como que cessou naquele recanto...”

Recordemos um pouco a época de Geisel
De certa forma, por razões de método de análise, podemos dividir o período Geisel em três etapas.
A primeira fase vai de 15 de março a 15 de novembro de 1974. Nessa primeira etapa, o governo vivia o fim do milagre econômico e, embora apresentasse um projeto diferente ao de Médici, tinha de fato muitas semelhanças com o governo anterior.
De 15 de novembro de 1974 a maio de 1977 vivemos, realmente, uma segunda etapa do governo Geisel. Antes de mais nada, Geisel sofreu uma violenta derrota eleitoral em 1974, embora esta tenha se dado ao nível da superestrutura e da democracia formal. E foi, contraditoriamente, esta derrota que afirmou as características bonapartistas de Geisel, que começou a tentar uma tímida abertura. Tímida porque as pressões que sofria eram, fundamentalmente, superestruturais, ao nível do regime, já que o movimento de massas não tinha se lançado à luta. Assim, o bonapartismo de Geisel vai se delinear durante todo o período por esses elementos. Ele apresentava força, e de fato a tinha, embora sua base social não fosse muito ampla. Em última instância, sua força surgia do fato de que a oposição existia apenas com superestrutura, dentro do regime.
A terceira fase, que começa a partir das grandes mobilizações de maio de 1977, vai se consolidar com as greves operárias de maio de 1978, que golpeiam o governo, fazendo estremecer o bonapartismo. E aí se dá um fenômeno interessante: ele começa a receber mais apoio da burguesia. Há um voto de confiança burguês e anti-operário no governo que, contraditoriamente, aumenta sua base social, mas como resultado do confronte de forças na sociedade se torna mais fraco porque começa a enfrentar-se com setores do movimento de massas que se mobilizam. A partir da ofensiva das massas delineam-se dois projetos, o “realista” e o “desenvolvimentista”, que se enfrentarão mais claramente no governo Figueiredo..
É esta terceira fase de Geisel que nos dá a chave para entender Figueiredo. É exatamente neste último período de Geisel que a etapa deixa de ser contra-revolucionária e passa a não-revolucionária, já que como as mobilizações estudantis de 1977 e com as greves de 1978 surge uma nova correlação de forças ao nível social. Há uma clara medição de forças entre os proletariados e as camadas assalariada médias e a burguesia, sem grandes derrotas para as classes trabalhadoras, mas ao contrário, com vitórias ainda pequenas, mas que aumentam o ânimo de luta e vão conscientizando uma ampla vanguarda do movimento de massa.
Aqui há um problema de dialética que podemos tentar explicar através de um exemplo da física, que é o do paralelogramo de forças. Antes, na segunda fase do governo Geisel, as forças burguesas embora não estivessem aglutinadas ao redor do governo (desde os imperialismos até a Igreja), formavam um vetor muito maior do que as forças do movimento de massas (que não estava mobilizadas), o que dava uma direcionante favorável ao governo. A partir da terceira fase de Geisel aumenta o vetor das forças que apóiam o governo, mas aumenta o vetor do movimento de massas, que inclui setores mobilizados, como os do proletariado e das classes médias assalariadas, donde o direcionamento passa a ser maior.
Assim, podemos dizer em relação a Figueiredo – nesses primeiros 100 dias de governo – que ele tem maior apoio burguês e imperialista que Geisel, embora como dinâmica seja mais fraco. E mais: a etapa continua sendo não-revolucionária, mas diferente inclusive da terceira fase de Geisel, já que os dois vetores aumentam, mas com sentido inverso. Donde a dinâmica está determinada pelo movimento de massas, pela sua dinâmica.

...havia remédios, pequenos frascos
“A casa dos peões era um comprido edifício retangular. Por dentro as paredes estavam caiadas e o piso não tinha pintura. Em três dessas paredes havia pequenas janelas quadradas e na quarta uma sólida porta com trinco de madeira. Contra as paredes se alinhavam oito tarimbas, cinco delas feitas já com mantas, e as outras três com a serapilheira de riscado dos colchões à mostra. Por cima de cada tarimba estava pregada uma caixa de maçãs vazia com a abertura para a frente, de modo a formar duas estantes para guardar coisas de uso pessoal do ocupante da cama. Estas estantes se achavam cheias de pequenos artigos: sabão e pó de talco, navalhas e números dessas revistas do Oeste que os trabalhadores das fazendas costuma ler, com ar de pouco caso, mas nas quais acreditam secretamente. E havia também remédios, pequenos frascos e pentes; e nos pregos de ambos os lados estavam penduradas algumas gravatas. Perto de uma parede via-se uma estufa negra de ferro fundido cuja chaminé subia reta através do teto. No meio do compartimento se erguia uma grande mesa quadrada coberta de cartas de baralho, ao redor da qual se agrupavam as caixas que serviam de cadeira aos jogadores”.
É necessário levar em conta que o movimento de massas está começando a fazer suas experiências. Essas greves fazem parte de um primeiro ensaio e, além disso, em relação ao conjunto das massas proletárias e das classes médias assalariadas, ainda é muito pequeno o setor mobilizado.
Além disso, o enfrentamento está se dando contra a burguesia mais forte da América Latina, que não está em crise (embora enfrente sérios problemas de redirecionamento do modelo) e está muito unida contra o ascenso operário e popular. E por fim existe um outro fato que é o da relação entre as questões sindical, democrática e política.
Está claro (já no governo Figueiredo) que a ascensão começa a partir de questões salariais, mas não podemos esquecer que vivemos há quinze anos sob o arbítrio e a repressão, e que exatamente por isso as lutas dos trabalhadores tendem a caminhar a solução das questões democráticas.
Lutar por melhores salários significa cada vez mais lutar também por sindicatos fortes e independentes, contra as intervenções e os pelegos, contra a polícia e em certa medida contra o governo. Num primeiro momento, a alternativa para lutar por melhores condições de vida foi votar no MDB, mas isso não ajudou muito. Contraditoriamente, o fortalecimento do MDB nas eleições e sua passividade real após 15 de novembro de 1978 acabou por fortalecer as greves. E se com as greves se deram as intervenções, a resposta foi o fabuloso 1º de Maio em São Bernardo e as assembléias multitudinárias. E essa relação está se dando cada vez mais: salário-democracia-salário, em espiral que chega aos recantos do país.
E se esse processo não se transforma claramente numa luta política contra o autoritarismo é exatamente porque não existem organismos políticos que canalizem essas insatisfações salariais e democráticas.
O MDB não serviu para isso. Daí a defasagem entre a questão salarial/democrática e a questão política. E aqui a relação é a seguinte: quanto mais o fator político for se fortalecendo, mas se fortalece a questão democrática. Mas como falta o elemento político, se fortalece a questão salarial.
Essa relação entre esses elementos (a questão salarial e a democrática) vai nos permitir entender a atual vanguarda que surgiu com as mobilizações, a partir de maio de 1978. Esta vanguarda classista surge mais como necessidade do que como consciência. É a passagem da questão democrática à política, só que fica no meio. Explicando: a necessidade de unificar as lutas, de dar respostas democráticas, de conseguir vitórias salariais, está levando um setor da vanguarda a tentar uma resposta política para o país, mas esta resposta não está surgindo da consciência de que o problema do país é político e de que só um partido dos trabalhadores é a solução. Para a maioria dos trabalhadores esta situação não está clara, nem mesmo para um setor da vanguarda. Eles entendem, empiricamente, que é necessário criar algo que permita o avançar das lutas, e que este algo não é o MDB. Assim, a vanguarda classista é de fato a meditação entre a questão salarial/democrática e a questão política.
Dessa maneira, em relação à etapa, dizemos que ela é não-revolucionária e que seu ritmo é determinado pela ascensão. Este movimento tende a se manter, mas não é explosivo. Ele parte das questões salariais e se combina rapidamente com as questões democráticas. Mas pela falta de organismos políticos de classe e pela unidade burguesa se transforma numa ascensão mediada.

As mãos, de dançarina de templo
“... entrou na sala, movendo-se com uma majestade que só têm os reis e os mestres artífices. Era um condutor de mulas, o príncipe do rancho; podia conduzir dez, dezesseis e até vinte mulas com uma só rédea simples presa às dianteiras. Era capaz de matar com o chicote uma mosca pousada na anca da mula da carroça sem tocar a pele do animal. Havia em suas maneiras uma gravidade e uma quietude tão profundas que toda a conversa cessava quando ele estava a falar. Era tão grande que a sua autoridade, que sua palavra era aceita como definitiva sobre qualquer tema, fosse ele de política ou de amor. Era o Magro das mulas. A cara delgada não tinha idade. O homem tanto poderia ter trinta e cinco como cinqüenta anos. Seu ouvido escutava mais do que lhe diziam e sua fala lenta tinha tons ocultos, não de pensamento, mas sim de uma compreensão que ia além dos pensamentos. Suas mãos grandes e descarnadas eram na ação tão delicadas como as de uma dançarina de templo”.
O governo Figueiredo pretende, em seus seis anos de mandato, conseguir a transição de um regime bonapartista, vivido até Geisel, a um democrático-burguês, controlado, entregando –- então -– a presidência do país a um civil eleito através do voto indireto e que conte com a aprovação das Forças Armadas. Assim, depois de 21 anos de autoritarismo, o novo/futuro governo garantiria a continuidade do anterior. Se esta é a estratégia, a tática é chegar gradualmente à democracia controlada. Nesse processo iria desmontando os elementos institucionais característicos do bonapartismo,e incorporando os da democracia formal burguesa.
Esse plano de alguma maneira parece seguir as pegadas do modelo espanhol. No entanto, na equação política há várias incógnitas para as quais ainda não vemos respostas. Quem cumpriria o papel de Juan Carlos e/ou de Suárez? Poderia a Arena, readaptada e com novo nome, representar o papel da UCD espanhola? Por enquanto não temos respostas.
Mas, mesmo assim existe outro problema sério a resolver, que é o de criar os canais sindicais e políticos que enquadrem o movimento operário e de massas. Este é o ponto mais difícil. Quais serão as organizações que se candidatarão a cumprir o papel que cumprem na Espanha o PCE e o PSOE. Afinal, o próprio Petrônio Portella já disse que “é preciso novos partidos para impedir que a política seja feita através dos grupos de pressão”.
Bem, como hipótese geral podemos dizer que o projeto de abertura tem características espanholas, mas não podemos dizer que a institucionalização desta abertura seja exatamente a do modelo espanhol.
Até agora parece que o projeto do governo em relação aos partidos, e à reestruturação do sistema eleitoral, se aproxima mais do modelo francês, ou seja, da existência de dois partidos fortes ligados ao movimento de massas, com peso eleitoral, e mais dois, muito possivelmente ambos de centro-direita. Este projeto tem como finalidade fazer com que do choque entre os dois maiores partidos governe sempre um terceiro, de centro-direita. Aliás, sinteticamente, essa foi a grande descoberta de De Gaulle para neutralizar a força crescente das esquerdas francesas.
Assim, a Arena renovada e o partido de Magalhães Pinto tendem a cumprir o papel dos partidos de centro-direita, e o MDB (com nova sigla, muito possivelmente) e o PTB seriam de fato os dois grandes partidos que dividiriam o eleitorado. Aliás, a partir dessa elaboração, o governo necessitaria da cor vermelho/Moscou dentro do MDB, o que lhe daria –- unido à burguesia liberal -– um conteúdo específico e ideológico diferente do PTB social-democratizado. Assim, esses dois partidos funcionariam como pólos opostos dentro de uma mesma unidade, o movimento de massas.
Mas essas são hipóteses que levantamos a partir das propostas e manobras do governo. Inclusive, é bom entender que o governo está menos interessado em acabar realmente com o MDB, do que infiltrá-lo de liberais com Severo Gomes, Teotônio Vilela e outros, os quais não fortalecem o MDB de fato, mas acentuam e definem o seu caráter de partido da burguesia liberal, isolando cada vez mais os autênticos. É exatamente dentro desse processo que o governo necessita do PTB, como partido que aglutine os descontentes à esquerda, que não comungam com as idéias do Partido Comunista.

E a democracia-cristã?
Bem, até agora os cardeais e bispos brasileiros têm se pronunciado contra a formação de um partido ligado à Igreja. E há razões para isso. Primeiro porque a Igreja no Brasil não está coesa ideologicamente A corrente democrata-cristã vai desde um Franco Montoro até a um Nei Braga, desde um dom Paulo Arns ou um dom Hélder Câmara até um dom Sigaud. E juntar tudo isso num único partido seria problemático. Além disso, há a experiência internacional naqueles lugares onde a Igreja lançou partidos políticos e estes fracassaram, caiu também, o prestígio da Igreja. O exemplo mais complicado dessa situação é a própria Itália, onde a Santa Sé não sabe como se livrar do peso que é o Partido Democrata Cristão. Por isso, a tendência maior é que a Igreja jogue no seu papel atemporal, e tenha elementos nos mais diferentes partidos. Aliás, é o que tem feito desde 1945: apresentar uma cara antiditatorial e democrática, sem lançar-se como opção política definida.

Temos que encontrar ele
“Depois o Magro se aproximou, lento, da mulher e apalpou-lhe o pulso. Um dedo débil tocou-lhe a face e depois a mão baixou à nuca lentamente torcida e os dedos exploraram o pescoço. Quando o Magro se ergueu os homens se aproximaram e o encanto se quebrou.
O Magro se voltou vagarosamente para George.
– Acho que foi o Lennie -– afirmou.
– Ela está com o pescoço quebrado. Lennie podia ter feito isso.
George não respondeu, mas fez um lento sinal de assentimento com a cabeça. O chapéu estava tão enterrado na cabeça, que lhe cobria os olhos.
– Talvez -– prosseguiu o Magro -– tenha sido o mesmo que aconteceu em Weed, como você me contou.
George tornou a fazer um gesto afirmativo. O Magro suspirou:
-- Bem, acho que temos que encontrar ele. Para onde achas que ele foi?
George deu a impressão de que necessitava de algum tempo para soltar as palavras
-- Decerto... decerto foi para o Sul. Nós vimos do Norte, de modo que talvez ele tenha ido para ao Sul.
-- Acho que temos que encontrar ele – repetiu o Magro”

Que fenômeno é este, o do tal Partido dos Trabalhadores?
Antes que nada ele parte de um elemento, o desenvolvimento econômico e social dos últimos vinte anos, que geraram duas novas classes, uma classe operária industrial, altamente concentrada nos grandes centros urbanos, e uma classe média assalariada moderna. Desde 1978, tanto os operários como esta classe média estão num processo de mobilização.
Essa combinação de fatores, o surgimento de estratos novos na sociedade e o conjuntural -– um ano de mobilização –- levam ao surgimento (ou condicionam o surgimento) de fenômenos novos na sociedade.
Falamos que o centro das lutas é o salarial, mas dissemos também que se chocam freqüentemente com o governo da mão estendida e com o MDB, que não apresentam soluções para a questão do nível de vida. Outra coisa que deve ser levada em conta é que o Partido Comunista, neste momento, não aparece ao nível das lutas com um grande peso específico, o mesmo acontecendo com outros setores menores da esquerda.
O PTB, que é outro elemento, deve ser entendido da seguinte maneira: antes de mais nada as direções sindicais do movimento operário brasileiro não estão hoje ligadas umbilicalmente ao populismo, já que estes novos estratos de classe surgem praticamente quando o populismo começava a dar seu últimos suspiros. Assim, estas direções não surgem a partir do PTB,e não tiveram relações mais profundas com o populismo. E mais: durante os últimos 15 anos, o populismo não apresentou alternativas, nem esteve ligado às lutas dos trabalhadores. E agora, de um ano para cá, a proposta de ressurgimento do PTB não está passando pelas lutas que se deram nas fábricas e nos sindicatos. Tanto a proposta de Brizola, como a de Ivete Vargas não levaram em conta de forma concreta as reivindicações e mobilizações dos trabalhadores. Na verdade, ambos projetos passam pelo MDB, e isso só serve para confundir mais a situação... E por fim, para que surja o PTB é necessário que Brizola esteja no Brasil. Dessa maneira, a realidade do PTB existe mais como possível do que como concreto imediato.
Todo esse processo é o que faz com que os trabalhadores, que enfrentam duras lutas salariais, misturadas com problemas democráticos e políticos, tenham como necessidade alguma expressão de tipo político. É aí que começa a brotar, de forma superestrutural e vacilante, entre alguns dirigentes sindicais, a idéia de um partido dos trabalhadores. Um pouco mais trabalhada pela Convergência Socialista esta proposta começou a ser discutida como possibilidade de superação da necessidade concreta do momento.
A idéia do PT surge então de quatro fatores: (1) de uma nova realidade social; (2) das mobilizações e lutas que estão se dando há mais de um ano e que geram uma nova experiência, não somente sindical, mas democráticas e política; (3) a não existência de alternativas para esta nova vanguarda, que necessita expressar-se politicamente; e (4) de que esta necessidade se expressou através de algumas direções sindicais e através da Convergência Socialista, que cumpriu um papel mais ideológico.
De toda a maneira, o Partido dos Trabalhadores não estava nos planos do governo. Sua intenção é de que todos os dirigentes sindicais classistas e autênticos, assim com o ativismo, estejam controlados pelo PTB ou o MDB. Esta é a única garantia para a burguesia, enquadrá-los e vencer o movimento de massas através de uma saída democrática controlada, entrilhando seu descontentamento para a luta estritamente parlamentar.
Na verdade, a construção do PT passa por grandes dificuldades. Como os dirigentes sindicais chegaram à questão do PT através do classismo, como mediação entre a questão democrática e política, por uma necessidade, e não exatamente por um salto de consciência, o Partido dos Trabalhadores passa a ser de difícil concretização. Os dirigentes sindicais estão procurando um partido, algo que possa cumprir uma necessidade que têm. Como antes o projeto do PTB estava distante, eles começaram a baralhar a hipótese do PT, mas na medida em que o PTB venha a concretizar-se, aumenta a possibilidade de que os classistas aceitem esta alternativa. Já que é mais fácil entrar num partido do que construir um.

Mais um detalhe importante
Todo o processo novo que se dá a partir de mais de 1978 é muito rico porque combina e interliga muitas coisas, como o fato de que setores do movimento de massas se mobilizem a partir do sindical, mas também combinam o democrático e o político e geram uma importante vanguarda, mas se dá de forma desigual e combinada, mais ainda, não é um fenômeno ideológico, mas concreto.
Assim, diríamos que se dão, misturados, três níveis de consciência. Um primeiro mais amplo, que é o sindical-classista e que se traduz no surgimento de uma nova vanguarda classista, em sindicatos autênticos, chapas classistas de oposição, vencedoras, etc.
O segundo nível de consciência é o classista-político, o mais heterogêneo, que se traduz na compreensão empírica, vacilante e não claramente definida ainda, da necessidade de um partido sem patrões, que expresse as necessidades mais gerais da classe trabalhadora. Isto é laborismo.
E o terceiro nível de consciência seria o da consciência revolucionária, daqueles que entendem a necessidade de um partido socialista para a transformação da sociedade.
Sem entender que existem níveis diferentes de consciência e desigualdades não entenderemos o processo vivido pelo PT. A construção do Partido dos Trabalhadores depende dos próprios trabalhadores. A participação dos socialistas nesta construção pode ser fundamental, mas ainda assim é secundária. De todas as maneiras, caso se concretize o PT será talvez o maior salto que a classe operária brasileira já deu no processo de consolidação de sua consciência-para-si. E, um rombo efetivo nos planos de Figueiredo. Dezesseis de junho de mil novecentos e setenta e nove. Anno domini.

“A funda bacia verde do rio Salina estava muito parada naquele fim de tarde. O sol já havia deixado o vale para ir trepando pelas encostas das montanhas Gabilan e os cumes dos outeiros estavam tocados duma luz rosada. Junto do poço, porém, entre os sicômoros mosqueados, havia caído uma sombra agradável.
Uma cobra d’água deslizou tersamente pela laguna, torcendo dum lado para outro a cabeça de periscópio; e nadou toda a largura da bacia, chegou até as pernas de uma garça imóvel que se achava nos baixios. Uma cabeça silenciosa e um bico projetaram-se para baixo, como uma lança, e seguraram a cobra pela cabeça: e o bico engoliu a pequena cobra, enquanto seu rabo coleava freneticamente”.

Fonte
Jorge Pinheiro, O príncipe do rancho, São Paulo, Versus no 33, junho de 1979, pp. 28-32.

mardi 14 juillet 2009

A paridade entre o cristianismo e a consciência social crítica e militante

Conforme explica Paul Tillich em artigo publicado em Das neue Deutschland, de 1919, a consciência e a militância social são produtos do desenvolvimento econômico e espiritual, que surgiu lentamente e se impôs com a Renascença, a Reforma e o capitalismo. A consciência e a militância social surgiram em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média e sedimentaram suas bases nas criações culturais dos últimos séculos.

A práxis socialista só pode ser compreendida a partir desse desenvolvimento e sua permanência está ligada diretamente a ele. Foi do interior do cristianismo que brotou a consciência e a militância social e, por isso, um socialismo sem pressupostos cristãos se mostra capenga. Ou seja, aqueles que defendem o socialismo devem defender também os princípios sobre os quais ele repousa.

A organização econômica e espiritual da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que, ancorado no sobrenatural, associava a natureza e a sobrenatureza numa unidade poderosa, à qual os povos se encontravam sujeitos.

A Reforma, sustentada pela visão humanista que surgiu com a Renascença, golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o plano formal ao recorrer à autoridade dos textos escriturísticos judaico-cristãos e, no plano material, valorizou a subjetividade da consciência pessoal.

Apoiada formalmente sobre os textos escriturísticos judaico-cristãos, o protestantismo eclesiástico engendrou novas contradições. Mas o sistema centralizado de autoridade já estava em frangalhos: as autoridades anularam a autoridade. Agora cabia ao indivíduo decidir a que grupo ele queria ligar-se.

Por causa das guerras religiosas, essa realidade viveu um processo lento transmitindo a cada lado a esperança de que poderia chegar a uma vitória exclusiva. Mas com o fim dos combates o que se viu é que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou o espírito autônomo e crítico nos mais variados campos. A consciência européia ocidental atacou as muralhas autoritárias das confissões e não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que destroços do constrangimento autoritário.

Descartes deu o golpe decisivo. A certeza que eu tenho de mim mesmo é o princípio de toda certeza objetiva. Embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, somente, que se enraiza a certeza. E o Iluminismo tirou suas conclusões: toda tradição deve ser submetida à crítica.

No domínio econômico, espiritual e político nada ficou de positivo que não fosse pensado, confrontado com a consciência, medido e negado. Os sistemas de fé, as formas de Estado, as definições econômicas sofreram o assalto da autonomia, que não livraram nada, que não tiveram nenhum respeito pelas autoridades humanas e divinas.

Lamentou-se a perda do sistema de autoridade ou festejou-se tal acontecimento como um passo em direção à maturidade cultural. De todas as maneiras, houve o reconhecimento de que a vida cultural não podia ser pensada sem autonomia e que a consciência e a práxis social estão presentes em todos os lugares. Líderes e camponeses tiveram o mesmo sentimento, conquistaram a liberdade das mãos do autoritarismo irracional, fosse ele imanente ou transcendente. Este foi o primeiro fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Do lado positivo, a autonomia significou o reinado da razão. Pela primeira vez, depois de um milênio e meio, a razão humana não via limites para seu poder. Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural e social, simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos apresentou um sistema novo, racional. Depois de séculos de arbítrio, as pessoas foram possuídas por uma vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.

E a vida econômica também foi formulada racionalmente. Não era o prazer de certos indivíduos ou povos que deveriam fazer a lei, mas era a humanidade inteira, que é sujeito e objeto dos processos econômicos, quem deveria fazê-lo a partir de critérios racionais. A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a partir da razão precisava construir um mundo sem arbítrio. Eis o segundo fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Sem dúvida, foi Marx quem introduziu o pensamento histórico objetivo no socialismo, a partir do idealismo alemão, ao dizer que a razão precisa ser separada da decisão humana e colocada ao nível das necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é uma fé na razão: uma fé que adquiriu uma força enorme graças à sua amarração metafísica objetiva e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas.

Foi o processo da própria história que fez o mundo conformar-se à razão e levou este combate à vitória. E foi essa vitória que deu cara ao mundo que conhecemos como moderno.

A fé na razão estava fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da natureza. Mas atrás da ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de várias maneiras a partir do fim da Idade Média, ela surgiu com uma força irresistível na Renascença e conduziu a uma afirmação alegre deste mundo, que durante muito tempo foi negado, desdenhado e rebaixado por um outro onírico e místico.

Os outros mundos empalideceram diante da astronomia, diante da validade universal das leis da natureza, diante da redescoberta da beleza do real na arte, diante da consciência de unidade do finito e do infinito na filosofia da natureza. Foi assim que a imanência ressoou no humanismo e na filosofia das Luzes, com Goethe e no idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se uniu à consciência da autonomia e à fé do poder formador da razão na construção de um sentimento unitário da vida e do mundo. Este foi o terceiro fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Se o socialismo é, nesse sentido, uma herança da cultura universal, ele teve, no entanto, uma originalidade que não se restringiu aos conceitos, mas à experiência vivida. O conceito de humanidade, que manifestou a vitória da idéia de tolerância, não teve no desenvolvimento da práxis burguesa mais que uma realização acidental. A consciência de humanidade foi neutralizada pela consciência de classe burguesa, pela educação e pela dependência nacional.

A humanidade se colocou antes de tudo no campo das confissões religiosas, sob formas absolutamente contrárias a idéia de uma transformação racional do mundo. E foi pela pressão econômica e política sobre os trabalhadores, nos primeiros decênios do capitalismo, que nasceu uma consciência solidária, no coração do qual estava presente o sentimento universal de humanidade, que se opõe àquele que vê as pessoas como meios e não como fim.

O combate contra o feudalismo, o capitalismo, o nacionalismo e o confessionalismo religioso constituiu a expressão negativa da consciência de humanidade, que derruba barreiras e reconhece a pessoalidade de cada ser humano. Este foi o quarto fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Esses elementos formadores da consciência social crítica e militante são fundamentais para a compreensão das relações entre cristianismo e socialismo. Eles possibilitam entender até que ponto o cristianismo pode ter uma atitude positiva em relação à essa consciência social crítica e militante.

Um sistema como o catolicismo pré-Vaticano II, que foi erigido sobre o princípio da autoridade centralizada, só poderia se opor a um movimento autônomo como o socialismo. Esse tipo de catolicismo e o socialismo são opostos na medida em que tal catolicismo se afirma enquanto sistema de autoridade.

Eles se colocam como opostos mesmo quando o catolicismo aceita as exigências do socialismo em matéria de economia política. Entre os católicos continua a ser determinante a ética social do tomismo, estabelecida de maneira autoritária, em estreita relação com a dogmática. Ela permite uma ampla margem de manobra, mas a unidade do sistema católico impõe limites bem definidos, que uma doutrina econômica autônoma não pode jamais reconhecer.

O protestantismo quebrou o sistema de autoridade em seu princípio-base e deu voz à autonomia. Por isso, é um erro considerar de forma heterônoma os evangelhos ou dizer que o comportamento da comunidade de Jerusalém em Atos dos Apóstolos conduz a uma política econômica socialista.

Do ponto de vista histórico, os fatos não são assim tão simples, porque os evangelhos não apresentam um programa de reforma social radical, embora Jesus, convencido da irrupção iminente do reino de Deus, tenha apresentado aos seus discípulos as conseqüências éticas do mandato do amor.

Fazendo uma abstração histórica, deve-se reconhecer que no terreno da autonomia, a justiça de uma ética social ou a verdade de uma doutrina não depende de sua conformidade às escrituras judaico-cristãs. Por isso, a consciência social crítica e militante pode ter por base, num determinado contexto, um sólido apoio psicológico a seu favor, enquanto convicção pessoal, que não nasce da autoridade imposta.

Quando os laços do cristianismo com a consciência social crítica e militante estão fundamentados de maneira heterônoma sobre as escrituras judaico-cristãs não há um protestantismo autêntico, mas uma legalidade sectária. Isto porque o protestantismo como essência é autônomo. Mas, sem dúvida, as fórmulas “pela graça somente” e “pela fé somente” transportaram vida ao domínio do conhecimento ao rejeitarem o legalismo, o farisaísmo da posse da verdade e o desejo de querer impor a verdade aos outros.

A religião e o espírito autônomo podem ser entendidos como paritários quando se chega a essa união através da autonomia, que livra do arbítrio. Diante da decomposição da cultura burguesa, o socialismo propôs a criação uma nova vida cultural e social unidas sobre a base de uma economia planejada. Mas tal proposta só é possível quando a autonomia caminha em direção à teonomia. Ou seja, é necessário uma práxis que permita à incondicionalidade apoderar-se de todas as realidades. Este é um ponto sobre o qual cristianismo e socialismo precisam se colocar de acordo.

A idéia de dar forma racional do mundo fez oposição à concepção do cristianismo que via o mundo como contra-divino e a razão como caída, e que via a redenção não como ação que dá feitio ao mundo, e o conhecimento não como razão, mas como revelação. Por isso, nesses últimos séculos, a teologia protestante propôs-se a superar a oposição entre razão e revelação, através da idéia de uma história universal da revelação, humana e imanente ao espírito, que nada mais é que a história do espírito em geral e do cristianismo em particular.

Essa concepção ética elaborada pela cultura protestante considerou que a pessoalidade livre é impossível sem o fundamento natural de sua individualidade psíquica e corporal, com suas inevitáveis particularidades lógicas, fisiológicas e biológicas e que o valor da pessoalidade consiste em ir além, elevar-se acima dessa naturalidade.

Tal concepção de mundo, que repousa sobre o absoluto, que aprofunda esta contradição entre o ser e o mérito, fundamento de toda liberdade moral, não é um estado ideal, pois seria onírico, desprovido de liberdade e de mérito inferior. Assim, o protestantismo traduziu uma vontade de dar forma ao mundo de maneira imanente: o reino de Deus vem ao mundo. Mas, ao mesmo tempo, tal concepção apresentou limitações: o dar feitio está situado no âmbito da técnica, não no da ética, no âmbito da categoria de meio e de fim e não dos juízos e do mérito.

Fazer é técnica, mas a técnica não é o fim em si, não é um fim último. Mesmo que toda economia fosse uma produção racional, a organização jurídica englobasse todos os povos, a vida material estivesse livre do imprevisível, restaria ainda o mérito da pessoalidade, a revelação do espírito e a idéia criativa que traduzem graça e brotam das profundezas do fazer.

Por isso, e essa será uma das sacadas de Tillich, é importante que o olhar lançado nas profundezas da existência não seja turvado, que a fé enquanto experiência da incondicionalidade apóie a vontade de dar forma ao mundo e a livre do vazio e do nada de uma simples tecnificação do mundo. Esta é outra questão sobre a qual cristianismo e socialismo devem se colocar em acordo, pois é com a experiência do imanente que surge claramente a oposição entre o socialismo e o cristianismo, já que o cristianismo está comprometido, enquanto fé, com o lá em cima, e o socialismo voltado para o aqui embaixo. Mas esta oposição não é correta.

Lá onde se vive a profundidade última da experiência humana, onde a experiência da incondicionalidade é pronunciada sobre todas as coisas e sobre todos os méritos, é onde acontece a supressão da oposição entre o em cima absoluto, perfeito, e o embaixo relativo. Sim e não são pronunciados sobre o aqui embaixo, que afinal é a única realidade conhecida. É no coração das pessoas que acontece a separação entre céu e terra, o julgamento paradoxal que confronta absoluto e relativo, perfeito e vão, eterno e terrestre. É assim que devemos entender a teologia do “somente pela fé”, que não admite nem perfeição, nem conhecimento, nem estado absolutos, mas que vê brotar o absoluto em todo relativo.

Temos aqui o fundamento da compreensão positiva que cristianismo nos dá sobre a questão da imanência. Mas aqui também o cristianismo deve oferecer ao socialismo alguma coisa sem a qual ele não pode existir: a experiência vitoriosa da incondicionalidade em tudo que está condicionado, imanente, na totalidade do real.

Existe uma atitude profana e uma atitude religiosa no olhar o mundo: essas atitudes se tornam nulas num estado puro, exclusivo. Num, a primeira predomina fortemente, noutra, a segunda. Pode-se conceber a arte, a ciência, a moralidade, a vida econômica e jurídica, a política exterior e nacional como fazeres profanos e se pode concebê-las de maneira religiosa.

Pode-se vê-las como atividades úteis e agradáveis, necessárias e desagradáveis, mas pode-se ver o espírito agir nelas e ver a vida nelas se revelar e, por isso, aproximar-se de tais coisas com respeito.

O espírito cristão está vivo no movimento socialista: é uma vibração religiosa que circula através das massas. Mas há também presenças profanas no movimento, mesmo entre seus ‘padres’ e ‘bispos’. A santificação da vida cultural no geral e no socialismo em particular é a marca deixada pelo cristianismo no socialismo. Esta é a terceira questão sobre a qual cristianismo e socialismo devem entrar em acordo.

A santificação da vida cultural não será possível sem uma concentração dos elementos religiosos mais expressivos da cultura e da sociedade, sem a constituição de comunidades que estejam imbuídas em aprofundar e transmitir a experiência da fé às gerações futuras. É para isso que servem idéias expressivas e as instituições, que existem com toda a sua riqueza e sua vitalidade no seio das confissões religiosas, e que a partir da força de uma tradição provada apresentam um vigor popular em oposição a uma interconfessionalidade racionalista e artificial.

Sem desejar apresentar uma nova forma de confessionalismo, com verdades e formas absolutas, devemos insistir na necessidade de falar sobre um quarto ponto: a experiência humana universal.

Esta experiência tem seu fundamento nada menos que no próprio cristianismo. Nós podemos ver na cruz de Cristo não somente a negação do judaísmo, mas também do cristianismo, no sentido de que se absolutiza enquanto confissão.

As comunidades cristãs não podem deixar essa consciência tomar-se efetiva, pois é sobre este terreno que se deram as condições para as guerras religiosas. Em relação a isso o espírito deve ser autônomo. O caminho da cultura cristã é entender esta consciência como elemento agregador de todas as culturas e todas as confissões, sem aboli-las, inspirando um sentimento de comunhão mais profundo que todas as barreiras concebíveis.

O cristianismo confere assim conteúdo à experiência humana. A solidariedade nascida da pressão exterior deixa de existir quando a pressão cessa. Os fatos confirmam isso. O socialismo falha em relação ao sentimento de comunidade que suscita a unidade a partir das profundezas últimas do humano, lá onde o incondicionado desperta a alma.

Não devemos entender o cristianismo como confissão exclusiva, mas como irrupção da fé, incondicionalidade que vê uma só humanidade, sem as barreiras internas e externas que caracterizam as comunidades. Esta fé não se mostra hostil a não ser com os domínios econômicos, políticos e religiosos, que se colocam eles próprios contra os outros.

Estes são os fundamentos da paridade entre o cristianismo e a consciência social crítica e militante que deve ser mais que uma associação, que traduz um desenvolvimento de ambos através de uma nova forma de fé e vida. E qual é o papel dos cristãos e dos militantes da consciência social crítica neste desenvolvimento? Essa questão deverá ser respondida no futuro próximo, já que exige uma postura diferente daquela que cristãos e socialistas tiveram até agora.

Fonte
Paul Tillich, Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, Christianisme et Socialisme I, pp.24-30.

mercredi 8 juillet 2009

Che cos’è l’analogia? [Apologética e Filosofia II]

Analogia
Alberto Strumìa

Concilio Lateranense IV, DH 806; Concilio Vaticano I, DH 3016; Providentissimus Deus, DH 3283; Divino afflante Spiritu, DH 3826; Humani generis, DH 3887; Dei Verbum, 12; Fides et ratio, 19.

I. Che cos’è l’analogia? - II. L’analogia nella logica e metafisica aristotelico-tomista - III. Analogia e teologia

1. Significato comune del termine analogia. Il termine «analogia», nell’accezione comune della lingua italiana odierna, sta ad indicare un «rapporto di somiglianza tra alcuni elementi costitutivi di due fatti od oggetti, tale da far dedurre mentalmente un certo grado di somiglianza tra i fatti e gli oggetti stessi» (G. Devoto, G.C. Oli, Il dizionario della lingua italiana, Firenze 1990). Recentemente è divenuto, poi, di uso assai frequente, con un significato tecnico, l’aggettivo “analogico”, contrapposto a “digitale”, o “numerico” in riferimento a due diversi modi di operare delle apparecchiature elettroniche. L’origine del termine «analogia», come suggerisce la sua radice greca (analoghía), è però molto più antica e si fonda sul concetto matematico di “proporzione” (a : b = c : d) che stabilisce una similitudine dovuta ad una uguaglianza di rapporti. Si pensi, per esempio, alla similitudine di due triangoli i cui lati stanno in un rapporto prefissato. Il suo trasporto dalla matematica alla logica e alla filosofia risale a Platone (427-347 a.C.) che tuttavia non ne elabora una teoria. Sarà Aristotele (384-322 a.C.) a darne una formulazione sistematica nell’ambito della logica. Nel medio evo Tommaso d’Aquino porterà a compimento l’opera aristotelica con un intento nel contempo filosofico e teologico. Nelle epoche successive l’analogia sarà sempre meno compresa, a partire dai nominalisti, e via via abbandonata nella logica e nella filosofia, e ridotta nella sua portata fino ad essere identificata come una semplice “metafora” letteraria. Ed è in questo senso che oggi, là dove se ne parla, essa viene fatta normalmente rientrare nel contesto disciplinare dell’ermeneutica.

2. Analogia e logica. L’esigenza di introdurre l’analogia, nel quadro del pensiero greco, sembra nascere simultaneamente da due ordini di problemi: l’uno strettamente “logico-linguistico”, l’altro più propriamente “metafisico”. Dal punto di vista logico-linguistico Aristotele, come più tardi Tommaso, partono dalla constatazione che nel linguaggio comune — che esprime e quindi riflette all’esterno la struttura del procedimento del pensiero — uno stesso termine (“predicato”) può essere attribuito a diversi soggetti in modo “univoco”, “equivoco” o “analogo”. Nel primo caso il predicato ha esattamente lo stesso significato per l’intera classe dei soggetti ai quali viene attribuito: ad esempio quando si dice «Tizio è un uomo», «Caio è un uomo», il termine “uomo” corrisponde alla stessa definizione “animale razionale” in entrambi gli esempi. Nel secondo caso, al contrario, lo stesso termine viene impiegato con significati completamente differenti e tra loro non realmente correlati: come quando si dice «questo animale è un toro», «questa superficie geometrica è un toro». In questo secondo caso il termine “toro” corrisponde a definizioni diverse in ciascuno dei due esempi: nel primo si tratta di un “bovino maschio adulto”, nel secondo di una “superficie di equazioni parametriche x = (R + r cos u) cos v, y = (R + r cos u) sin v, z = r sin u riferita ad una terna cartesiana ortogonale Oxyz di assi di simmetria”. Di conseguenza l’impiego della stessa parola per designare oggetti diversi è puramente convenzionale, tanto che l’equivocità può essere legata alla lingua nella quale ci si esprime e scomparire se si usa un’altra lingua. Nel terzo caso, infine, lo stesso termine viene impiegato con significati differenti tra loro, ma in qualche modo realmente correlati, per cui l’uso dello stesso termine denota una somiglianza reale e non una mera scelta convenzionale: ad esempio, come quando si dice «Einstein è stato geniale», «la teoria della relatività generale è geniale». Propriamente parlando solo un uomo può essere geniale, ma una teoria può essere detta tale in quanto espressione, “effetto reale” dalla genialità del suo autore (e non per pura convenzione!).

3. Analogia e metafisica. Il secondo ordine di problemi che hanno condotto all’analogia non è puramente logico o linguistico, ma è propriamente metafisico, in quanto è insito nelle cose e si trasferisce successivamente al pensiero e al linguaggio che cercano di cogliere la realtà ( REALISMO). I pensatori greci si sono trovati di fronte al problema di conciliare due dati dell’ esperienza che apparivano contraddittori: l’“essere” delle cose e il loro “divenire”, o in termini fisici il “moto”. Una soluzione “monistica” del problema — cioè fondata sull’assunzione che la realtà si regga su di un solo principio costitutivo (sia esso materiale o immateriale) — richiede di accettare che uno dei due dati dell’esperienza sia apparente: se si ammette la realtà solo dell’essere, come un unico stato indifferenziato, questo non potrà mai essere che se stesso, non potendo mutare in qualcos’altro da sé, e non si riesce a dare una spiegazione dell’esperienza del moto che ci si presenta, al contrario, come il passaggio da uno stato ad un altro e si deve dire che questo passaggio non è reale, ma pura apparenza (è la soluzione proposta da Parmenide, VI-V sec. a.C.). E rimane comunque il problema di capire che cosa produce in noi questa apparenza. Se, viceversa, si ammette solo la realtà del divenire bisogna ammettere la contraddizione che il divenire, per il solo fatto che è, coincide con l’essere, che la molteplicità coincide con l’uno, che il nulla, cioè il non essere è uno stato dell’essere e il divenire è il continuo alternarsi di questi due stati contraddittori. Ma ammettere la contraddizione comporta, in ultima analisi, l’impossibilità della conoscenza (è la conclusione estrema alla quale perviene Cratilo, seguendo la via aperta da Eraclito, VI-V sec. a.C.). Per spiegare compiutamente l’esperienza che l’uomo fa delle cose occorre, perciò, ipotizzare che l’essere si possa dare in più “stati differenziati” che costituiscono una gamma di modi di esistenza, che si interpongono tra l’essere nella sua pienezza assoluta (Dio, Atto puro) e la sua totale assenza (il nulla). Al dato metafisico che suppone l’essere come attuato (partecipato) in gradi e modi differenziati nelle cose che sono, corrisponde dal punto di vista logico e nel linguaggio una nozione analogica di “ente” — “ente” è ciò che ha l’“essere” e “essere” è il principio per cui l’ente è — termine che si predica in modo differenziato, ma non equivoco, dei diversi soggetti: così alla teoria metafisica della partecipazione corrisponde la teoria dell’analogia sul piano della logica.

II. L’analogia nella logica e metafisica aristotelico-tomista
Nella logica aristotelico-tomista si danno, in origine, tre tipi principali di analogia (anche se ulteriori distinzioni sono state introdotte dalle scuole successive): l’analogia di “attribuzione”, o di “proporzione semplice”, l’analogia di “proporzionalità propria”, o “intrinseca” e l’analogia di “proporzionalità impropria”, o “estrinseca ”, o “metaforica”.

1. L’analogia di attribuzione o di proporzione semplice. L’analogia di attribuzione viene presentata solitamente con un esempio classico: «Tizio è “sano”, il suo colorito è “sano”, il cibo è “sano”, l’aria è “sana”». Osservando l’esempio notiamo che la caratteristica di essere “sano” è propria solo di Tizio che, essendo l’unico vivente, è l’unico soggetto di cui si possa dire che goda buona salute. Degli altri soggetti non si può dire questo propriamente perché non sono degli esseri viventi. Questi altri soggetti si possono dire in qualche modo “sani” solo in riferimento al buono stato di salute di Tizio, il quale solamente e propriamente è soggetto del predicato “sano”. Per questa ragione Tizio viene detto “primo analogato” o “sommo analogato” o “analogato superiore”.

Per quanto riguarda gli altri soggetti si può individuare la relazione che hanno con l’essere sano di Tizio: il colorito sano è indizio del suo buono stato di salute di Tizio, in quanto ne è un “effetto”. Il cibo sano è quello che favorisce la buona salute di Tizio come una delle sue “cause”. Va ben compreso che il riferimento al primo analogato non è convenzionale, o occasionale, ma è fondato sulla realtà e confermato dall’esperienza (dal fatto che realmente un cibo sano contribuisce alla buona salute di chi se ne nutre, realmente un colorito sano è il segno del buono stato di salute, e così via) e per questo il cibo, il colorito, il clima si dicono “analogati inferiori”. È questo riferimento, fondato sulla realtà, che permette all’attribuzione di non essere semplicemente “equivoca”. Le cose, le realtà sono e restano diverse, ma il nome comune del predicato esprime qualità che, pure in se stesse diverse, sotto un certo aspetto hanno un rapporto diretto con la medesima qualità che è quella del primo analogato (cfr. Summa theologiae, I, q. 13, a. 5 c).

2. L’analogia di proporzionalità propria o intrinseca. Anche questo secondo tipo di analogia, viene solitamente illustrata partendo da un esempio classico che consiste nel paragonare la vista con l’intelligenza. Noi utilizziamo spesso l’idea della “visione” sia in riferimento alla “vista dell’occhio” che al “capire della mente”. Così diciamo per esempio: «La luce della verità illumina la mente», «capire a prima vista», «una visione filosofica della realtà». Abbiamo, in questi esempi, un termine che esprime un’azione (vedere) che attribuiamo a due soggetti diversi (l’occhio e la mente). In questo tipo di analogia la somiglianza viene stabilita non più tra i significati dello stesso predicato attribuiti ai diversi soggetti, ma tra le “relazioni”, o “rapporti” che intercorrono tra il predicato e i soggetti. Questa somiglianza di relazioni, o di rapporti si può esprimere con una formula che ricorda quella di una proporzione matematica: «Il “vedere” sta all’“occhio” come il “capire” sta alla “mente”». Tuttavia, mentre in matematica, quando scriviamo una proporzione, stabiliamo che i due rapporti sono “uguali” (2:3 = 4:6), nel caso dell’analogia di proporzionalità affermiamo che i due rapporti soggetto-predicato non sono uguali ma “somiglianti” (cfr. De Veritate, q. 2, a. 11 c). Va sottolineato, poi, che l’azione che viene attribuita ai soggetti è realmente connessa con ciascuno di essi. La capacità di vedere è intrinseca all’occhio e la capacità di capire è intrinseca alla mente: per l’uno e per l’altra si tratta di una capacità naturale, di una facoltà propria, quindi posseduta realmente. Per questo si parla di analogia di proporzionalità “propria” o “intrinseca”. Notiamo che in questo tipo di analogia non si danno né un primo analogato, né degli analogati inferiori: abbiamo invece un rapporto soggetto-qualità che si verifica propriamente per un soggetto (l’occhio nel caso della visione) e in modo “simile” per l’altro soggetto (la mente). Il vedere conviene propriamente all’occhio, non alla mente. Si può dire, allora, che ciò che tiene, in certo modo, il posto di un primo analogato non è un soggetto a cui si attribuisce propriamente il predicato, ma una relazione tra un soggetto (l’occhio) e un predicato (capace di vedere).

3. L’analogia di proporzionalità impropria o estrinseca o metaforica. Il terzo tipo di analogia è la “metafora”. Si tratta di un’analogia che, a differenza delle due precedenti, non si basa su un vero e proprio fondamento reale della somiglianza che istituisce, ma si basa piuttosto su una somiglianza ravvisata dal soggetto conoscente, che non trova nella natura dei soggetti e del predicato alcuna relazione di causa-effetto, né una somiglianza reale nei loro rapporti. Propriamente parlando non è una vera analogia, ma possiamo considerarla tale in senso lato, o improprio. Un esempio tipico per illustrarla è il seguente: «Tizio ha un coraggio da leone». Anche in questo caso abbiamo implicitamente una sorta di proporzione: possiamo, infatti, riformulare l’esempio in questi termini: «Tizio è così coraggioso come il leone è coraggioso». Osserviamo subito che la qualità “coraggioso” per cui Tizio è paragonabile al leone è una qualità che viene riconosciuta al suo massimo grado nel leone: questo ricorda in un certo senso l’analogia di attribuzione. Tuttavia c’è una differenza fondamentale: non c’è alcun legame di causa-effetto tra il coraggio del leone e quello di Tizio, in quanto Tizio non è reso coraggioso da alcuna partecipazione al coraggio del leone. Non si può parlare quindi di analogia di proporzione. È piuttosto una somiglianza che il soggetto conoscente riconosce, come dall’esterno, tra il coraggio di Tizio e il coraggio del leone. In questo caso abbiamo, piuttosto, una somiglianza di relazioni, o di rapporti tra il soggetto e la sua qualità, come in un’analogia di proporzionalità. Tuttavia non si può parlare neppure di una vera analogia di proporzionalità propria. Infatti per avere un’analogia di proporzionalità “propria”, la proporzione da istituire dovrebbe essere: Tizio sta al coraggio (di Tizio) come il leone sta al coraggio (del leone), mentre nell’analogia di proporzionalità impropria, a Tizio viene attribuita la stessa qualità di coraggio propria del leone (coraggio leonino). Propriamente parlando Tizio ha un coraggio umano, mentre gli viene attribuito un “coraggio da leone”. Si tratta di una sorta di attribuzione “estrinseca”, in quanto si attribuisce alla dote naturale di Tizio un carattere che è naturale e proprio del leone (cfr. Summa theologiae I, q .13, a .3, ad 1um).

4. L’analogia entis. La scoperta fondamentale della metafisica antica è stata probabilmente proprio l’analogia dell’ente (analogia entis). A differenza dei “generi” che, dal punto di vista logico si formalizzano nei concetti “universali”, che si predicano in modo “univoco” dei diversi soggetti — come “uomo” che si dice con identico significato di Tizio, Caio e Sempronio — “ente” si predica in modo “analogo” dei diversi soggetti, collocandosi al di sopra dei generi e dei concetti universali che li descrivono (cfr. Aristotele, Metafisica, III, 998b, 22-27).

Notiamo qui due aspetti rilevanti: a) In particolare “ente” si dice secondo un’“analogia di proporzionalità propria” di un oggetto (sostanza) e delle sue proprietà (accidenti). Questo deriva dal fatto che una proprietà è sempre proprietà “di qualcosa”, può esistere solo “in altro” e non per se stessa. Un colore, un’estensione, una temperatura esistono sempre e solo in un oggetto, mentre un oggetto possiede un’esistenza autonoma. Così si deve dire che una proprietà sta al suo modo di essere in maniera simile a come un oggetto sta al suo modo di essere, ma i due modi non sono identici, pur avendo in comune il fatto di essere. b) Inoltre “ente” si dice di un oggetto limitato, che ha l’essere per partecipazione, e lo si dice secondo un’analogia di proporzione rispetto all’Atto puro che è l’essere per se stesso ed è la causa dell’essere dell’oggetto limitato. Un comportamento simile a quello di “ente” è cartatteristico anche delle nozioni superuniversali di “vero”, “uno”, “bene” che insieme ad “ente” vengono dette “trascendentali”.

5. Crisi dell’analogia. L’analogia che vede il suo massimo sviluppo e utilizzo con Tommaso d’Aquino, conosce, già con i suoi contemporanei, le premesse della sua futura crisi. Infatti, a partire proprio dal XIII secolo, le due grandi scuole del pensiero filosofico-teologico che hanno sede a Parigi, dove hanno operato prima Alberto Magno (1200 ca.-1280) e poi il suo discepolo Tommaso, e a Oxford, dove vediamo all’opera tra gli altri Ruggero Bacone (1214-1292) e Roberto Grossatesta (1175-1253), poi Giovanni Duns Scoto (1275-1308) e Guglielmo di Ockham (1280-1349), si trovano a confronto e di fatto seguiranno vie diverse senza comprendersi. La linea aristotelica, seguita da Alberto e Tommaso, acquisterà grande rilievo soprattutto per la teologia cattolica e, tre secoli dopo, sarà accolta ufficialmente, in buona parte, dalla Chiesa nel Concilio di Trento (1545-1563), mentre la linea platonica, prevalente ad Oxford, si concentrerà, a partire da Ruggero Bacone sul problema della matematizzazione delle scienze, creando le premesse remote metodologiche per lo sviluppo della scienza moderna.

Ha inizio, così, quel graduale allontanamento del pensiero scientifico sempre più univoco — in quanto matematizzato — da quello metafisico e teologico, analogico. Scoto risolverà l’analogia dell’ente in una molteplicità di univoci così come Ockham dissolverà la realtà dell’universale in un puro nome (nominalismo) negandogli un’esistenza reale extramentale. Questa operazione, otterrà poi, con il successo della scienza galileiana e newtoniana una ricaduta anche sul pensiero filosofico, attraverso Descartes (1596-1650) prima e Kant (1724-1804) poi, fino alla dissoluzione della possibilità stessa di una metafisica come scienza e di conseguenza di una teologia come scienza sistematica. Da qualche decennio, tuttavia, assistiamo ad una novità nel campo delle scienze che sembrano ricercare, in qualche modo di ritrovare l’analogia per poter adeguatamente affrontare nuovi problemi legati sia alla teoria dei fondamenti logici e matematici delle scienze, sia alla complessità delle strutture auto-organizzantesi. Anche se è ancora presto per pronunciarsi, si direbbe che l’analogia, inizialmente esclusa dal pensiero scientifico per timore dell’equivocità, chieda ora uno spazio ed una formulazione teorica il più possibile adeguata.

III. Analogia e teologia
Il ricorso all'analogia in teologia si rende necessario per molteplici ragioni. Non potrebbe essere diversamente, in quanto la ragione umana, di per sé creaturale, può accostarsi al mistero di Dio solo conservando la distanza fra creatura e Creatore, riconoscendo cioè che si può parlare di Lui non certo in modo univoco, ma neanche equivoco, bensì “analogo”. Nel contesto di una metafisica dell'essere, l'analogia entis consente di accedere all'esistenza di Dio come fondamento dell'essere delle cose e di poter predicare di Dio attributi e perfezioni che si riconoscono presenti, in modo partecipato, nelle sue opere. Ma è lo stesso linguaggio della rivelazione divina, così come presentato dalla Sacra Scrittura, a ricorrere all'analogia in varie delle sue forme sia proprie che improprie, come lo sono ad esempio la metafora, ma anche la “parabola”, per esprimere, servendosi di concetti umani, ciò che di per sé resterebbe trascendente ed inesprimibile. Il linguaggio analogico viene poi utilizzato dalla teologia nel suo tentativo di accostarsi, mediante il ricorso ad immagini e paragoni, ai misteri della fede, ma anche per collegarli fra di loro, cogliendone così l'intima coerenza nel piano salvifico di Dio.

1. La conoscenza di Dio e i nomi divini. Le applicazioni dell’analogia alla teologia si collocano dunque a diversi livelli. Il primo problema che si pone è quello della conoscenza di Dio, sia al livello della sola ragione umana ( DIO, IV.1) che al livello della fede che si fonda sulla conoscenza rivelata di Dio. La teologia ha percorso, tradizionalmente due vie a questo scopo: la prima è la via “apofatica” o “negativa”, tipica della tradizione dell’oriente cristiano, che pone l’accento sul fatto che di Dio possiamo conoscere con certezza ciò che “non è” piuttosto che quello che è. Seguendo questo approccio dalla nozione di Dio viene esclusa, ad esempio, la composizione e quindi la corporeità, la limitatezza, ogni forma di imperfezione, e così via. A questa teologia negativa l’occidente cristiano, trovando appoggio nel riferimento esplicito all'analogia contenuto nel Libro della Sapienza (cfr. Sap 13,5), ha affiancato una teologia “positiva” ( SAPIENZA, LIBRO DELLA, III.3). Basandosi sull’analogia di proporzione semplice, essa permette di riconoscere in Dio una somiglianza con le perfezioni che riscontriamo nelle creature, quali effetti il cui analogato principale è Dio stesso (cfr. Summa theologiae, I, q. 12). Si tratta di una approccio conoscitivo che certamente non dissolve il mistero in quanto, come ricorda il Concilio Lateranense IV, «fra il Creatore e la creatura, per quanto grande sia la somiglianza, maggiore è la differenza» (DH 806).

Un altro problema classico della teologia, strettamente legato a quello della conoscenza di Dio, è quello degli appellativi che si possono attribuire correttamente a Dio (“nomi divini”). Già trattata nel De divinis nominibus dallo pseudo-Dionigi, la tematica viene svolta compiutamente da Tommaso d’Aquino, il quale farà giocare ancora all'analogia un ruolo determinante. Anzitutto egli stabilisce che non vanno attribuiti a Dio i nomi che designano ciò che certamente Dio non è (imperfezioni e limiti ontologici e morali). Poi, dal momento che l’uomo si esprime necessariamente attraverso un linguaggio che denomina primariamente le creature, noi possiamo attribuire a Dio gli appellativi con i quali designiamo le perfezioni delle creature, ma solo analogicamente. Queste ultime, infatti, sono un effetto rispetto a Dio che ne è la causa, una causa che non è conosciuta da noi direttamente. Non possiamo parlarne univocamente perché Dio è una causa infinitamente superiore ai suoi effetti e trascende la loro natura, non rientrando in alcun genere; non equivocamente in quanto c’è un rapporto di causa-effetto, una relazione reale da parte delle creature nei confronti di Dio. Così i nomi delle perfezioni di Dio si dicono secondo un’analogia di proporzione essendo Dio l’analogato principale: quando si dice che Dio è “buono”, lo si dice più propriamente di Dio che è buono in se stesso, che delle creature che lo sono per partecipazione. Altri nomi vengono poi attribuiti a Dio solo metaforicamente: questo accade quando si designa una perfezione attraverso il nome della creatura che la possiede e si attribuisce a Dio il “nome della creatura” anziché quello della perfezione, intendendo riferirgli la perfezione. Ciò avviene ad esempio quando la Sacra Scrittura chiama Dio con gli appellativi di “roccia” o “leone” intendendo attribuirgli le perfezioni della roccia e del leone (cfr. Summa theologiae I, q. 13).

2. Esempi di analogia nella Scrittura. È proprio il linguaggio della Sacra Scrittura ad offrire, mediante i suoi diversi generi letterari, una notevole ricchezza di analogie e di metafore. Ciò è dovuto, come già segnalato, alla necessità di esprimere con parole umane che si rifanno all’uso di termini legati primariamente alle creature, dei contenuti che riguardano la realtà trascendente di Dio, che la sola ragione non potrebbe raggiungere e che non sono oggetto di esperienza comune. È Dio a comunicare il suo volere ed i suoi progetti mediante immagini che fanno appello all'analogia. Ad Abramo si chiede di capire l'estensione della discendenza di cui è chiamato ad essere padre fecendo, se può, un'analogia con l'immenso numero delle stelle del cielo e della sabbia del mare (cfr. Gen 15,5 e 22,17). Il profeta Geremia, un esempio fra i molti possibili, invitato da Dio a guardare come un vasaio modella e quindi distrugge l'opera delle sue mani, per rifarla poi nuovamente, deve così comprendere, per analogia, il rinnovamento che Dio compirà con la casa di Israele (Ger 18,1-4). Saranno poi i profeti stessi a parlare al popolo mediante numerose immagini ed analogie, servendosi di quanto accade nella natura, nella storia personale o nella storia dei popoli (Ez 31,1-14; Os 1,2-9; Dan 2,31-45).

Gesù impiegherà con frequenza il linguaggio delle “parabole” per descrivere, con immagini efficaci e coerenti, la realtà del Regno, al fine di renderlo comprensibile ai suoi ascoltatori. L’espressione «Il Regno dei Cieli [o di Dio] è simile a…» è di uso ricorrente nei Vangeli (cfr. Mt 13,1-51; Mc 4,1-34; Lc 8,4-18). Questo paragone si fonda su un’analogia di proporzionalità. L'impiego di immagini e di metafore istituisce una similitudine tra una realtà nota ed una ignota, o di più difficile comprensione, favorendo la trasposizione di proprietà o di relazioni dall'immagine più nota a quella meno nota. La parabola viene più spesso rappresentata sotto forma di un racconto la cui forza argomentativa consiste nel presentare la narrazione di un fatto — spesso non accaduto, ma verosimile — che l’ascoltatore può comprendere bene e a partire dal quale è indotto, dalla logica, a trarre certe conclusioni. Le conclusioni tratte, in forza dell’analogia, vengono poi applicate anche in questo caso alla realtà inizialmente ignota per farne comprendere alcuni aspetti fondamentali. Il linguaggio delle metafore e delle parabole, o se si preferisce della “narrazione”, è particolarmente confacente alla persona umana, immersa in una storia ove, al di là di molti elementi cangianti, è sempre possibile identificare una serie di relazioni stabili fra l'uomo e le cose, o degli uomini fra di loro, che possono essere utilizzate come coordinate logiche, cosmologiche ed antropologiche, per trasmettere un certo messaggio. Non sorprende pertanto che la Parola di Dio, che di tale struttura conoscitiva e comunicativa ne ha assunto, insieme all'umanità del Verbo, la storia e la logica, vi ricorra come ad una sorta di “linguaggio umano fondamentale”.

Da un punto di vista ermeneutico, il linguaggio analogico mostra nella Scrittura un utilizzo specifico, riconoscibile ad esempio da quello del linguaggio simbolico, pur largamente presente. Nel primo caso è sempre presente un analogato, mentre nel secondo siamo in presenza di un rimando operato oltre i limiti del linguaggio umano, di un segno che indica una realtà diversa da quella conosciuta, cui dirigersi con categorie nuove, non analoghe. Da un punto di vista più generale, va osservato che il simbolo resta incompleto senza l'ausilio dell'analogia. Sebbene più flessibile perché libero dal riferimento ad un analogato, esso corre il rischio di rimandare costantemente fuori di sé, verso altri simboli ancora, lasciando sempre sfuggire l'ultimo orizzonte di comprensione.

3. Utilizzi dell'analogia in teologia. Un uso frequente dell'analogia in teologia lo incontriamo in ecclesiologia, a proposito delle “figure della Chiesa” (cfr. ad es. l’impiego fattone dal Magistero nella Lumen gentium, 6). Il mistero della Chiesa, che trae la sua origine dal mistero della volontà salvifica di Dio Padre, rivelata e compiuta mediante le missioni del Figlio e dello Spirito Santo, partecipa della ricchezza e trascendenza di Dio. Per essere espressa, la realtà della Chiesa necessita anch'essa di analogie di proporzionalità intrinseca od estrinseca. Basandosi su un fondamento biblico e sulla predicazione dei Padri della Chiesa, la teologia propone una serie di immagini: la Chiesa è un gregge guidato da un pastore, la vigna del Signore, una casa edificata sulla pietra angolare che è Cristo, il regno, la famiglia e la dimora di Dio, ma soprattutto è il popolo di Dio e il Corpo di Cristo. Di quest'ultima analogia, verrà osservato, si deve però predicare in senso proprio e non solo metaforico (cfr. Lumen gentium, 7; Pio XII, Mystici corporis, 29.6.1943). Il rapporto fra Cristo e la sua Chiesa viene inoltre paragonato a quello dello sposo con la sua sposa, ma anche a quello del capo con il suo corpo. La particolarità di tali immagini analogiche sta nel fatto che nessuna di esse, da sola, risulterebbe adeguata ad esprimere il mistero della Chiesa (visibile ed invisibile; terrena ed eterna; una, eppure presente in molti luoghi; distinta dal suo sposo, eppure una sola cosa con il suo Capo...), mentre tutte insieme possono concorrere a delucidarne caratteri e proprietà.

Esempi classici di applicazioni dell’analogia sono quelli che si riferiscono alla dottrina sui sacramenti: essi vengono paragonati, quali tappe della “vita cristiana”, alle varie fasi della “vita naturale”, sia personale che sociale, secondo un’analogia di proporzionalità propria. Così il Battesimo è come la “nascita” nella vita cristiana, la Confermazione come il “farsi adulto” del battezzato, l’Eucaristia come il “cibarsi” per il cammino della vita spirituale, e così via (cfr. ad es. Summa theologiae, III, q. 65). Nella vita della grazia poi, il peccato è paragonato alla morte, perché ne vengano intesi gli effetti sull’ anima spirituale, in analogia con quanto la morte determina sul piano corporale. Pur con i limiti propri di qualsiasi paragone, si tratta di utilizzi che hanno senza dubbio favorito la comprensione dei misteri della fede e facilitato la loro trasmissione.

All'interno dei rapporti fra fede e pensiero scientifico, meritano interesse quelle analogie teologiche impiegate lungo la storia per comprendere il rapporto fra la fede e la ragione o, anche, fra la filosofia e la teologia. Nel pensiero medievale si è parlato della filosofia come ancella della teologia. Non di rado presentato in modo riduttivo e strumentale, tale paragone suscitò la reazione ironica di Kant, il quale osservò che l'ancella avrebbe dovuto in realtà precedere la sua signora, come una torcia, per illuminarle la strada. Ma il rapporto fra la fede e la ragione è stato anche visto come una relazione sponsale, sulla scorta di un'immagine già usuale per descrivere il rapporto fra natura e grazia, riservando tuttavia una maggiore dignità alla fede-sposo. La teologia contemporanea parla volentieri dell'analogia mariologica e di quella cristologica. Seguendo la prima analogia, la fede-parola-Spirito viene accolta dalla ragione-ascolto-Maria, generando il frutto della teologia, qui indicata in senso forte come sapienza che partecipa, in forza della Rivelazione, della Sapienza increata che è Cristo. Nella analogia cristologica, la ragione e la fede sono viste in rapporto come lo sono la natura umana e la natura divina nella persona del Verbo di Dio fatto uomo ( GESÙ CRISTO, RIVELAZIONE E INCARNAZIONE DEL LOGOS). Come l'umanità di Cristo offre espressione visibile e storica alla natura e alla Persona divine, così la filosofia e la ragione offrono alla teologia e alla fede il linguaggio necessario per esprimere, in modo evidentemente limitato ed incompleto, però vero, ciò che si conosce per fede, ed appartiene perciò alla trascendenza di Dio.

Dal punto di vista della storia della teologia e dei suoi rapporti col pensiero scientifico, va menzionato il saggio di Joseph Butler (1692-1752) L'Analogia della Religione, naturale e rivelata, con la costituzione e il corso della natura (1736), nel quale l'autore presenta il corso della natura e della storia umana come una grande analogia per comprendere il linguaggio ed il significato della Rivelazione cristiana. L'opera diverrà poi famosa per il grande influsso che eserciterà sul pensiero di John Henry Newman (1801-1890), che riserverà al lavoro del vescovo anglicano numerose citazioni in quasi tutti i suoi libri.

4. L’analogia fidei. Un significato diverso, almeno nella sua origine, da quello che interviene nella filosofia aristotelico-tomista, si rinviene nell’espressione analogia fidei o “analogia della fede”. Questa espressione è presente, originariamente, nella lettera ai Romani dell’apostolo Paolo («Chi ha il dono della profezia la eserciti secondo la misura della fede», Rm 12,6), ove il termine greco analoghía viene impiegato nel senso di “misura”, o “proporzione”. Nella tradizione cattolica questa espressione ha assunto carattere tecnico ad indicare l’adeguatezza e l’armoniosa proporzione tra le verità della fede che non possono entrare in conflitto fra loro. Il Catechismo della Chiesa Cattolica, la definisce oggi nel modo seguente: «Per “analogia della fede” intendiamo la coesione delle verità della fede tra loro e nella totalità del progetto della Rivelazione» (CCC 114). Essa guida nell’interpretazione dell’antico testamento alla luce del nuovo, nella comprensione organica e unitaria di tutto il Magistero, nell’elaborazione della teologia alla luce della tradizione. Essa è fondamentale per una corretta comprensione dello “sviluppo del dogma” che non va inteso come un mutamento del contenuto di verità, ma come un’approfondimento coerente della comprensione della medesima verità rivelata (fonti classiche della comprensione di tale sviluppo in Vincenzo di Lerins, Commonitorium, 53: PL 50, 668; per la teologia, esposizione ragionata in Newman, Lo sviluppo della dottrina cristiana, 1845).

La teologia dei riformatori, specie con Karl Barth (1886-1868) ha fatto uso dell’espressione analogia fidei per indicare nella divina rivelazione l’unica fonte di conoscenza di Dio, contrapponendola alla analogia entis intesa come fondamento della via percorsa dalla ragione naturale per una conoscenza non rivelata di Dio che, nella visione luterana, è negata in radice ( LUTERO). Rifiutando la possibilità di una conoscenza analogica di Dio partendo dal creato, tali autori cercano di fondare la possibilità e l'intelligibilità della Rivelazione unicamente sul dono della grazia: «I nostri concetti e i nostri termini umani — affema Barth —, in quanto nostri, sono totalmente incapaci di esprimere Dio e il suo mistero; la loro possibilità di essere veri viene loro soltanto dalla rivelazione». Per Barth, di Dio si può dire soltanto ciò che Dio stesso dice di Sé, cioè solo la sua Parola, il Cristo. Va tuttavia osservato che tale prospettiva non risolve in modo convincente il problema di fondare l'intelligibilità e la comprensione della parola rivelata, in quanto, sebbene aiutati dalla grazia, la nostra comprensione di Dio continuerà ad esprimersi con le parole del nostro linguaggio, perché le uniche disponibili. In definitiva, non si potrà mai prescindere dalla necessità dell'analogia dell'essere: «se il Cristo può utilizzare tutte le risorse dell'universo creato per farci conoscere Dio e i costumi divini, è perché la parola creatrice ha preceduto ed è il fondamento della parola rivelatrice, ed è perché l'una e l'altra hanno come principio la stessa Parola interiore di Dio. La rivelazione del Cristo suppone la verità dell'analogia» (R. Latourelle, Teologia della Rivelazione, Assisi 1986, p. 425).

Fonte
Alberto Strumìa, Analogia, Dizionario Interdisciplinare di Scienza e Fede
http://www.disf.org/voci/29.asp

mardi 23 juin 2009

A identidade batista

Nestes 400 anos de aniversário da origem do movimento batista na Inglaterra, muita gente nos pergunta o que é um batista, qual é sua origem e o que caracteriza seu pensamento teológico. Então, resolvi falar sobre nossa identidade, origem e teologia. (JP).

A identidade batista

1. Tem por base a reivindicação de uma história de séculos, de cristãos que serviram a Cristo com autonomia diante dos poderes dos reinos do mundo romano, oriental e europeu e das expressões religiosas cristianizadas que se atrelaram aos Estados e governos de cada época.
2. Tem por base a compreensão de que durante toda a sua história, homens e mulheres de fé deram suas vidas para viver segundo aquilo que a Bíblia apresenta como regra de fé e conduta.
3. Tem por base a compreensão de que, historicamente, os batistas se organizaram pela primeira vez, como igreja pública e instituída, em 1609. E que esses primeiros batistas denominados, entre os quais John Smyth e Thomas Helwys na Inglaterra e Holanda, sem serem os fundadores de nossa fé, nos mostraram o padrão batista: a autonomia em relação aos poderes do mundo e a Bíblia como regra de fé e conduta, ainda que isso signifique prisão ou morte por Cristo e pela doutrina dos apóstolos.
4. Tem por base a liberdade de pensamento e de expressão religiosa que os batistas ingleses e norte-americanos defenderam para as suas sociedades, ajudando a construir nações que foram impactadas pela fé cristã.
5. Tem por base a unidade eclesiológica e a unidade ao redor da doutrina dos apóstolos, sem impor uniformidade litúrgica ou cúltica. Tem por base a diversidade que nasce da pluralidade cultural.
6. Tem por base a origem missionária da fé batista no Brasil, através do trabalho de missionários norte-americanos que deram suas vidas pela evangelização desse país.
7. Tem por base o desafio que temos para, a partir de nossa história, reconhecendo nossa tradição, apresentar uma igreja batista que sem deixar de ser conservadora e histórica, apresentar o Cristo vivo e salvador aos brasileiros do século 21.

O que é ser batista?
1. É ter a Bíblia como única regra de fé e conduta. E entender que foi escrita por homens movidos pelo Espírito Santo, e que sua autoridade está acima da tradição, dos concílios e do magistério de qualquer igreja.
2. É professar Jesus Cristo como Salvador pessoal e dar testemunho dessa fé através do batismo bíblico em nome da Trindade de Deus.
3. É fazer parte de uma igreja local, autônoma em relação aos poderes desse mundo, religiosos e do Estado. É entender que a igreja local é assembléia que se reúne para adoração, proclamação, edificação, comunhão e serviço.

Os batistas ingleses
As comunidades cristãs traduzem formas específicas e históricas da igreja cristã no mundo. Por isso, no cristianismo, as denominações podem ser vistas como comunidades que integram conjuntos de tradições. E os batistas se apresentam no mundo através de suas diferentes igrejas locais. Mas, apesar das diferenças culturais e de tradições, há, como vimos acima, elementos nucleadores que formam a identidade batista.
As bases do pensamento teológico batista na modernidade devem ser compreendidas à luz do Iluminismo e das revoluções político-sociais do século XVII. A maneira de pensar formadora do movimento batista moderno teve por base um sistema de pensamento que priorizou a liberdade de expressão e o exercício dessa liberdade ao nível prático, tanto da pessoa como da sociedade.
Esse pensamento moderno bifurcou-se em diferentes caminhos, mas em especial no liberalismo político e econômico, e no liberalismo teológico, submetido à crítica da razão e da experiência.
Essa cosmovisão deu centralidade à razão e considerou-a capaz de compreender e desvendar todos os mistérios do cosmo. Portanto, os batistas ingleses organizaram-se como comunidade cristã diferenciada e plantada nos princípios democráticos e liberais do século XVII. O resultado dessa reflexão se traduziu num slogan: igrejas livres em sociedades livres.

A busca pela liberdade religiosa
A partir de 1603, a Inglaterra viveu momentos de transformação social e política, que levaram à troca de dinastias (Tudors por Stuarts), por mudanças de pensamento geradas pelo Renascimento, pela leitura das Escrituras Sagradas, pelo crescimento comercial e pela ação puritana contra a igreja oficial. Tais transformações levaram ao repúdio da submissão do clero à autoridade monárquica e à oposição ao totalitarismo oligárquico da igreja oficial.
Assim a igreja anglicana se dividiu. Em 1604, o rei James I começou a perseguir as igrejas protestantes e exigiu a uniformidade religiosa em nome da ordem social. E afirmou que ele era a autoridade máxima na igreja e no Estado.
Em 1625 deu-se a sucessão imperial e com Charles I uma nova esperança surgiu para os puritanos e dissidentes. Mas, em 1633, William Laud assumiu como arcebispo da Cantuária e se tornou a maior autoridade eclesiástica inglesa. Laud foi nomeado primeiro-ministro e apoiou a supremacia do rei sobre a igreja. Teve início, então, perseguições contra os puritanos. Em 1640, cresceram as tensões entre o Parlamento e o rei
A discórdia entre o rei e o Parlamento resultou numa revolução armada (1642). O rei teve o apoio do Exército Modelo, que se colocou contra o partido puritano. Mas, o partido puritano, com o apoio das comunidades separatistas, conquistou a vitória. Pouco tempo depois, porém, as igrejas separatistas decepcionaram-se, já que os princípios de liberdade religiosa não foram adotados. Em 1648, como a formação do protetorado de Oliver Cromwell, as igrejas batistas deram início às ações e manifestações a favor da liberdade religiosa.

Os princípios da igreja batista inglesa
A luta pela liberdade como bem humano teve início com as perseguições e injustiças cometidas pelo rei inglês contra as igrejas dissidentes. Isso porque o poder do Estado centralizado no rei e apoiado pela igreja oficial procuravam uniformizar a religião, com o objetivo de fortalecer a supremacia da autoridade.
As chamadas igrejas dissidentes opunham-se a esse intento, buscando o contrário: a liberdade religiosa. Por motivos político-econômicos -- detenção e monopolização dos meios de produção e organismos sociais -- tanto o rei quanto a igreja oficial não desejavam a alteração da ordem vigente.
Por essa época (1609-1612), John Smyth, primeiro pastor batista na Inglaterra, levantou a bandeira da liberdade de consciência absoluta. Era o início da trajetória batista de ação política engajada na busca pela liberdade religiosa. Assim, o princípio da liberdade religiosa foi parte integrante da vida e fé dos primeiros batistas ingleses.

O pensamento batista moderno
John Smyth, Thomas Helwys e Guilherme Dell lançaram na Inglaterra as bases históricas da reflexão teológica batista. Mas as dissidências no correr da Idade Média contra a igreja católica centralizada em Roma deixaram marcas que por fazer parte da tradição neotestamentária, como as bandeiras da autonomia da igreja diante dos poderes e da Bíblia como única base de regra de fé e conduta, foram reivindicadas como batistas. Depois da Reforma, compreensões teológicas expostas por Lutero, Calvino e Zwinglio, mas também pelos movimentos anabatistas, puritanos e metodistas foram tomados pelos batistas como corretos.
Tendo por base os princípios políticos da liberdade de pensamento e de expressão, que vão se refletir numa eclesiologia predominantemente congregacional, de autonomia da igreja local, e os princípios teológicos da salvação pela graça redentora de Cristo através da obediência na fé, e da Bíblia como normativa em questões de regra e fé, o pensamento batista se consolidou, apesar das diferenças culturais e históricas.
Assim, os batistas ingleses herdaram ênfases teológicas, que depois foram levadas às colônias norte-americanas. Entre elas podemos citar:
1. Dos anabatistas, a Palavra de Deus como fonte experimentada pela iluminação do Espírito Santo; a regeneração necessária para a vida nova; a igreja como associação voluntária de santos; e a completa separação entre a igreja e o estado.
2. De Lutero, a teologia cristológica; a predestinação dos eleitos; a igreja como comunidade dos santos em Cristo.
3. De Calvino, a Bíblia como suprema autoridade e a doutrina da predestinação dupla e incondicional -- embora os batistas gerais não a aceitem.
4. De Zwinglio, a interpretação normativa da Bíblia; o pecado como doença moral perdoável a qualquer tempo; e a salvação pela razão.

Origem histórica dos batistas ingleses
Na Inglaterra, a origem histórica dos batistas foram as tradições anabatistas/ menonitas holandesas e a ação opositora dos congregacionais à igreja anglicana oficial. Com a perseguição na Inglaterra, em 1609, um grupo separatista fugiu para a Holanda. Mais tarde, esses batistas voltaram para a Inglaterra acompanhados pelo pastor Thomas Helwys e assumiram uma abordagem teológica calvinista.
Se Thomas Helwys foi o primeiro teólogo e escritor batista inglês, que publicou A Short Declaration of the Mystery of Iniquity, Guilherme Dell foi o primeiro intelectual batista.
Dell, conhecido por suas fortes convicções teológicas a respeito da livre expressão do ser humano e defensor dos princípios batistas, apesar de não ter ligação com nenhuma congregação, em 1646, destacou-se por sua luta a favor da liberdade religiosa na Inglaterra.
Escreveu o livro intitulado Uniformidade Examinada onde defendia a tese de que a unidade deve existir sem uniformidade, uma vez que a última é má e intolerável, já que exclui a liberdade concedida por Deus. Essa era uma argumentação favorável a liberdade religiosa.
Outra questão estava no fato de que a uniformidade contraria a mensagem de Cristo e força a igreja, que é o corpo de Cristo, a portar-se de maneira externa aos seus princípios. Ou seja, adapta-se a um poder humano e, sem o aval de Deus, acaba por configurar-se num movimento anticristão, considerado por Dell, pior que o paganismo.

mardi 9 juin 2009

A revolução evangélica

Em 1997, a revista VEJA fez uma reportagem sobre os evangélicos. De lá para cá correu muita água debaixo dessa ponte. Em junho último, Evangélicos pela Justiça divulgou artigo sobre o fenômeno evangélico. Logo após o artigo, na íntegra, está a reportagem de VEJA. Leia e diga o que você acha.(Jorge Pinheiro).

Desde a década de 80 cientistas políticos, antropólogos e sociólogos, sem contar padres e freiras, tentam entender um mistério digno das melhores elucubrações de teólogos católicos, de Santo Agostinho a Hans Kung: a conversão pacífica de 8 milhões de brasileiros às mais de 100 denominações evangélicas que existem no país. É um crescimento da ordem de 100%. No mesmo período, a população brasileira aumentou 31%, o que significa que os evangélicos se multiplicaram a uma taxa três vezes maior que a do país. Eles formam hoje um rebanho de 16 milhões de fiéis. Um rebanho ordeiro, trabalhador, que vem galgando a pirâmide social com velocidade assombrosa. O maior país católico agora é também o terceiro maior do mundo em número de protestantes. É um fenômeno que se assemelha aos épicos bíblico-hollywoodianos: milhões de figurantes, novos apóstolos, canastrões, parábolas de sofrimentos abissais antes da conversão; glórias e prazeres indizíveis depois. Esse processo de conquista de almas já foi interpretado como puro fanatismo, exploração de gente humilde por espertalhões, desqualificado por boçal e vítima dos preconceitos mais pitorescos. Na versão mais sofisticada, a crítica atribuiu aos novos fiéis a pecha de fundamentalistas. Nada mais errado. Tantas almas foram ganhas para o "Deus vivo" porque de alguma maneira a religião acabou sendo útil aos convertidos.

O que aconteceu depois

No intervalo de apenas três anos entre a publicação da reportagem de VEJA e a realização de um novo censo demográfico no Brasil, o número de protestantes registrou um impressionante aumento de 10 milhões de pessoas - de 16 milhões de fiéis para 26 milhões em 2000, ou mais de 15% dos brasileiros. O percentual era cinco vezes maior que em 1940 e o dobro do de 1980. Em Estados como Rio de Janeiro e Goiás, o índice superava 20% dos habitantes. No Espírito Santo e em Rondônia, os evangélicos passaram de um quarto da população. Esse ritmo indicava que metade dos brasileiros poderiam estar convertidos em cinco décadas - um tempo mínimo quando se fala em avanço religioso.

As conseqüências desse crescimento foram muitas. Apenas como sinais das alterações a que esse fenômeno pode levar no perfil das famílias brasileiras, vale citar que os evangélicos, mesmo entre os menos escolarizados, têm menor número de filhos que seus vizinhos de outras religiões. A maioria das mulheres evangélicas casadas usam contraceptivos. A quase totalidade dos adeptos de igrejas evangélicas acreditam que a moral sexual do homem e da mulher deve ser igual, e muitos deles preferem casar-se
com algum irmão de fé. Além disso, ao contrário do que acontece com os católicos brasileiros, cuja maior parte nasce dentro da religião mas na maioria dos casos não a segue completamente, os evangélicos levam a prática da fé a sério: de acordo com dados de 2002, 80% dos evangélicos diziam participar das cerimônias e das obras sociais com regularidade, quatro vezes mais que no rebanho católico. Ao proliferarem em todas as camadas sociais, os evangélicos produziram mudanças facilmente detectáveis. A mais visível delas aconteceu em público. Os maiores eventos religiosos do país passaram a ser realizados por evangélicos. Um presbiteriano, Anthony Garotinho, foi o terceiro candidato mais votado na eleição presidencial de 2002. Sua mulher, Rosinha Matheus, foi eleita no primeiro turno para o governo do Rio. Nos campos de futebol, a imagem de jogadores mostrando camisetas com mensagens cristãs é a parte espetaculosa de uma mudança profunda nos treinos e nas concentrações. Muitos já não participam de brincadeiras machistas envolvendo colegas, não se acabam em noitadas na véspera dos jogos e até evitam xingar os juízes.

A novidade observada a partir do ano 2000 foi que o modelo de conversão dos evangélicos não se aplicava mais somente aos pobres, mas também cada vez mais a quem tem ou persegue a riqueza. Várias igrejas evangélicas formaram departamentos para atrair gente rica ou famosa. A quantidade de colunáveis convertidos mostra que a estratégia é um sucesso. A ex-modelo Monique Evans, que foi capa de várias revistas masculinas, integrava o quadro da igreja chique Sara Nossa Terra. A igreja Vida Nova, de São Paulo, passou a ser freqüentada por Íris Abravanel, mulher do homem do SBT, Silvio Santos, e por suas quatro filhas. Na área da mídia eletrônica, já havia um verdadeiro império evangélico país afora -- mais de 300 emissoras de rádio, centenas de sites e pastores dando plantão na internet e uma grande máquina televisiva. Não por acaso, a Universal, dona de uma das três maiores redes de TV do Brasil, a Record, é a igreja que mais recolhe doações acima dos 10% do dízimo convencional.

Na política, os evangélicos são um trator. A bancada evangélica da Câmara Federal, cada vez maior, é unida e atua muito além das barreiras partidárias nas questões relacionadas a costumes ou a interesses da fraternidade crente. Chegou inclusive a ter 23 congressistas envolvidos na origem do escândalo da máfia dos sanguessugas, que recebia propina para licitar a compra de ambulâncias superfaturadas. Há também grande investimento em educação. A média de leitura dos evangélicos brasileiros girava em torno de seis livros por ano em 2002 - o dobro da média nacional. As denominações evangélicas administram mais de 1.000 escolas no Brasil, com uma clientela que ultrapassa os 750.000 alunos.

Paradoxalmente, o que mais mudou no Brasil com o crescimento da legião evangélica foi a Igreja Católica. De um lado, surgiu a Renovação Carismática, para revigorar os aspectos místicos e milagrosos da fé. De outro, os padres-cantores saíram atrás de fiéis e compradores de CDs. Na mídia, a Igreja fincou uma bandeira em tempo recorde, criando a Rede Vida de rádio e TV, que cobre todo o território nacional. Os resultados, porém, estão longe do esperado. Uma pesquisa de 2004, feita pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), revelou que a Igreja Católica brasileira perdeu nada menos do que 15 milhões de almas em duas décadas — boa parte foi preencher os bancos das evangélicas.

Os católicos falam em crise de vocações. Em 2006, o número de pastores evangélicos por fiel era dezoito vezes maior que a proporção de padres por católico. Enquanto a Igreja Católica não conseguia ordenar mais do que 900 padres por ano, só um único instituto evangélico de São Paulo formava, no mesmo período, 200 pastores. São pastores de uma nova geração, mais centrados na auto-ajuda e menos no sobrenatural do que seus predecessores — nada da ira e dos exorcismos de Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, ou de R.R. Soares, o onipresente telepastor da Internacional da Graça de Deus.

Fonte
Revista VEJA http://veja.abril.com.br/020797/p_086.html

Abaixo, na íntegra, o artigo da VEJA.

"Onde tem Coca-Cola e Correios tem Assembléia de Deus": cultos em todo canto

Desde a década de 80 cientistas políticos, antropólogos e sociólogos, sem contar padres e freiras, tentam entender um mistério digno das melhores elucubrações de teólogos católicos, de Santo Agostinho a Hans Kung: a conversão pacífica de 8 milhões de brasileiros às mais de 100 denominações evangélicas que existem no país. É um crescimento da ordem de 100%. No mesmo período, a população brasileira aumentou 31%, o que significa que os evangélicos se multiplicaram a uma taxa três vezes maior que a do país. Eles formam hoje um rebanho de 16 milhões de fiéis. Um rebanho ordeiro, trabalhador, que vem galgando a pirâmide social com velocidade assombrosa. O maior país católico agora é também o terceiro maior do mundo em número de protestantes. É um fenômeno que se assemelha aos épicos bíblico-hollywoodianos: milhões de figurantes, novos apóstolos, canastrões, parábolas de sofrimentos abissais antes da conversão; glórias e prazeres indizíveis depois.

Esse processo de conquista de almas já foi interpretado como puro fanatismo, exploração de gente humilde por espertalhões, desqualificado por boçal e vítima dos preconceitos mais pitorescos. Na versão mais sofisticada, a crítica atribuiu aos novos fiéis a pecha de fundamentalistas. Nada mais errado. Tantas almas foram ganhas para o "Deus vivo" -- professado sempre aos gritos pelos evangélicos neopentecostais em cultos mais estridentes que uma apresentação de Carla Perez -- porque de alguma maneira a religião acabou sendo útil aos convertidos. Vencendo o preconceito e o desconhecimento, uma nova fornada de estudos acadêmicos sobre o tema é capaz de relacionar alguns desses benefícios:

As igrejas evangélicas realizam um monumental trabalho de alfabetização de adultos e estimulam o hábito da leitura. Embora recrutados entre a população mais pobre e portanto mais suscetível ao analfabetismo -- 54% do rebanho ganha até cinco salários mínimos --, os evangélicos são mais letrados. O analfabetismo entre eles atinge apenas 9,5%, contra 20% da população brasileira em geral.

A disciplina religiosa e a importância dada à educação como fator de ascensão social fazem com que os fiéis das igrejas evangélicas sejam mais exigentes com o desempenho escolar dos filhos. Mesmo quando pobres, 80% dos evangélicos não admitem a hipótese de seus filhos adolescentes entre 12 e 17 anos deixarem de estudar para trabalhar. É o quesito relativo ao comportamento da prole em que são mais exigentes. Na população em geral, o imperativo do estudo atinge apenas 60%.

Sem dogmas que impeçam o planejamento familiar, as novas igrejas distribuem anticoncepcionais a seu rebanho. Segundo o estudo "Novo Nascimento", produzido pelo Instituto de Estudos da Religião, entre as famílias evangélicas pobres, o número de filhos é, em média, 25% menor que entre a população brasileira.

Os evangélicos realizam trabalhos de recuperação de dependentes de drogas e álcool em 270 clínicas espalhadas pelo Brasil. Elas atendem 12.000 pessoas, com índices de eficiência semelhantes aos obtidos por instituições reputadas, como os Alcoólicos Anônimos: 60% de recuperação.

Uma sólida rede de solidariedade entre os fiéis garante que um ajude o outro na hora do desemprego ou da dificuldade financeira. Evangélico empresário prefere empregar irmãos de fé ou candidatos à conversão. Essa rede de empregos se amplia ainda mais porque a atividade religiosa, para os evangélicos, implica a criação de empresas. Editoras bíblicas, canais de televisão, escolas, templos e até bancos evangélicos são responsáveis pelo surgimento de 600.000 empregos, cinco vezes mais que os postos gerados diretamente pela indústria automobilística.

Leitura obrigatória -- Num país onde a educação é uma desgraça, embora seja fator decisivo no destino de qualquer pessoa, o costume protestante de promover a leitura cotidiana da Bíblia, e, mais do que isso, de obrigar o fiel a ler os textos sagrados antes de convertê-lo, transformou-se numa verdadeira revolução educativa. "Os protestantes têm de ser alfabetizados para cumprir seus deveres e fazer seus filhos cumprirem essa norma", lembra o reverendo Jaime Wright, da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. É uma diferença e tanto num país de tradição católica, pela qual só aos padres compete a leitura das Sagradas Escrituras. A professora de sociologia Cecília Mariz, da Uerj, acompanhou durante cinco anos comunidades evangélicas no Rio de Janeiro e no Recife. Mais tarde, numa tese de doutorado que fez na Universidade de Boston, com o título de "Convivendo com a pobreza -- Pentecostais e comunidades de base no Brasil", Cecília notou que a escola bíblica, dominical, é uma fonte de instrução vital. Além disso, perpetua o hábito da leitura. "A grande frustração dos programas oficiais de alfabetização tentados no Brasil é que, uma vez dominadas as primeiras letras, o aluno nunca mais punha os olhos num jornal ou numa revista", diz ela. "Com os evangélicos, não acontece isso: eles lêem sempre a Bíblia, de onde passam para jornais ou livros religiosos." Exatamente essa parcela de brasileiros muito pobres, entre os quais se inscrevem os 19 milhões de analfabetos, é alvo privilegiado da pregação pentecostal.

Pastor-presidente da 1ª Igreja Batista de Niterói há 33 anos, Nilson Fanini explica que a educação é uma exigência para o 1,8 milhão de batistas das 6.000 igrejas que mantém. Setenta escolas de 1º e .2º grau e 300.000 alunos mantidos pela Convenção Batista Brasileira mostram o esforço educacional desses protestantes. A Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, gere o projeto Ler e Escrever, que visa alfabetizar por meio da Bíblia. Segundo o bispo Honorilton Gonçalves, 1,2 milhão de pessoas já passaram pelos bancos do Ler e Escrever.

E haja o que ler. As editoras evangélicas são um estouro empresarial que só tem concorrente entre as casas que produzem livros didáticos -- com a diferença de que elas não possuem a clientela garantida pelo governo. De suas gráficas saíram no ano passado 21 milhões de exemplares de livros, revistas, bíblias e jornais. A maior fatia é de revistas e jornais, com 15 milhões, seguida pelas bíblias, 3,5 milhões de cópias. Em 1995, a produção total foi de 9 milhões, o que resulta num crescimento de 130% em apenas um ano. Só no ano passado foram lançadas noventa novas revistas e jornais, 396 livros inéditos, 61 modelos de bíblia. Para quem acha que essas leituras servem apenas ao fanatismo, lembre-se que hoje nem os setores que empregam a mão-de-obra mais desqualificada, como a admitida na construção civil ou para os serviços domésticos, aceitam trabalhadores analfabetos.

Reformas -- O líder da Assembléia de Deus brasileira, a maior igreja evangélica do país, o cearense José Wellington Bezerra da Costa, bacharel em direito, é testemunha e co-autor desses êxitos. Pai de seis filhos -- três são pastores, uma é sua secretária, outra trabalha com crianças e um, médico, dá assistência ao pessoal da igreja --, Wellington dirige a maior das igrejas evangélicas. São 2,9 milhões de fiéis, conduzidos por 10.000 pastores. É tanta gente que a convenção geral que elege o presidente da Assembléia, a cada dois anos, reúne cerca de 5.000 pastores. A última delas, em janeiro, foi no Estádio do Mineirinho, em Belo Horizonte. São 130.000 casas de oração, incluindo as igrejas, desde uma pequena tapera alugada até templos que acolhem 10.000 pessoas, como uma antiga fábrica de tapetes comprada há seis meses num bairro operário de São Paulo. Na mesma região, já funciona outro templo com capacidade para 3.500 pessoas. No último domingo de cada mês há batismos -- entre 1.000 e 1.500 pessoas são batizadas de uma só vez.

Três dos quatro últimos presidentes receberam o pastor Wellington em audiência -- José Sarney, Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. No encontro com FHC, em outubro passado, Wellington deu seu recado: "Eu disse que nós somos 100% contrários à união civil entre homossexuais, 100% contrários à liberação do aborto, 100% contrários às drogas e 100% contrários ao Movimento dos Sem-Terra, porque ele fere o direito de propriedade, e disse que a Assembléia de Deus ora e dá apoio às reformas".

A força da organização está nos passos de formiga de cada um de seus membros. A Assembléia de Deus é menos centralizada que a Igreja Católica, muito mais permeável, portanto, à pressão dos fiéis. Apesar dos 100% empenhados contra o MST pelo pastor Wellington, nos acampamentos de sem-terra e nos cultos ecumênicos realizados em favor da reforma agrária sempre está um pastor assembleiano, ladeado por um padre da teologia da libertação, exortando a "companheirada" a prosseguir na luta. Também se encontram evangélicos entre a liderança da PM de Minas Gerais que encerrou quinze dias de greve na semana passada, nos clubes de futebol e até no ministério, onde possuem um representante, Iris Rezende, da Justiça, evangélico de hábitos regulares.

Em todo lugar -- Donos de uma tecnologia de invasão de corações, eles sabem como crescer na periferia e nos ermos rurais. "Quando há um loteamento novo, não esperamos: chegamos na frente, compramos o terreno mais barato e assim que o pessoal chega já tem a igreja para freqüentar", explica o pastor Wellington, exibindo uma visão de religião como tão indispensável quanto água encanada e luz elétrica. Diferentemente da Igreja Católica, com templos cravados nos lugares centrais de cada cidade, os evangélicos se enfiam nos bairros em formação, em bocadas miseráveis, em favelas encarapitadas em morros. Essa logística de ocupação das grandes cidades produz o milagre da multiplicação dos templos, que dá a impressão de que eles estão em todo lugar. Estão mesmo. "Onde tem Coca-Cola, Correios e Bradesco, tem Assembléia de Deus", ironiza Wellington.

É o padre Agnaldo Luiz de Castro, pároco da Igreja Nossa Senhora das Graças de Éden, subúrbio do Rio de Janeiro, quem dá uma das chaves para entender a multiplicação evangélica. Ele sabe o que é isso: sua igreja está cercada por templos protestantes de nomes tão complicados quanto Assembléia de Deus no Trabalho de Cura Divina, Prodígio e Libertação, Assembléia de Deus de Missões, Igreja Pentecostal Shalom e Igreja Evangélica Congregacional, sem contar um templo metodista. "É fácil criar uma igreja cristã não católica porque ninguém vai lá cobrar legitimidade, enquanto na Igreja Católica o padre não pode casar, tem de terminar o 2º grau e fazer sete anos de seminário, estudando três anos de filosofia e quatro de teologia. Isso ainda nos amarra." O que para o padre é defeito, para os evangélicos é princípio religioso. Desde que Martinho Lutero afixou as suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittemberg, em 1517, e com isso deu origem ao mais espetacular cisma religioso da época moderna, a Reforma Protestante, os crentes acreditam no sacerdócio universal e na autoridade exclusiva da Bíblia. Todos podem falar com Deus, diretamente, sem a intermediação de vigários, e ter acesso direto à palavra divina. Com isso, o indivíduo tem mais responsabilidade, mais consciência, não depende tanto de hierarquias acima dele. Fundamentos básicos da nova fé, esses princípios valem para todas as igrejas ditas evangélicas.

"A perua de Deus" -- Os princípios permanecem, mas mudaram os invólucros. Em busca de um rebanho jovem, as seitas se modernizaram. "Em vez do ascetismo, agora pregam o hedonismo. Em vez de opor-se ao mundo -- antes considerado ninho de pecados --, agora querem integrar-se radicalmente a ele. Adaptaram-se e geraram o maior vetor de acomodação social da atualidade", avalia Ricardo Mariano, sociólogo da USP. Hoje, podem-se encontrar igrejas como a Renascer em Cristo, do "apóstolo" Estevam Hernandes, ex-gerente de marketing da Itautec e da Xerox e cuja esposa, a bispa Sônia Hernandes, é conhecida como "a perua de Deus", tal o seu exibicionismo em qualquer culto. A fala do jovem fiel de classe média da Renascer em Cristo Flávio Lima, 25 anos, dono de uma empresa que organiza eventos esportivos, torna evidente como os ideais de consumo penetraram no mundo antes asceta do protestantismo. "Chegou uma hora em que eu não queria mais ir à missa. Não dava para comparar a missa-Fusca em que eu andava com os cultos-BMW que freqüento agora." Quase uma caricatura. A Renascer é ainda uma igreja pequena, e deve permanecer assim, pela seleção social que acaba fazendo dos fiéis, mauricinhos em boa medida.

É entre os pobres, porque se apresentam como capazes de operar o milagre da prosperidade, que as novas igrejas pentecostais mais crescem. Também é entre eles que mostram sua força como elemento da acomodação social de que falou o sociólogo Ricardo Mariano. Num estudo com jovens evangélicos da periferia do Rio de Janeiro, a antropóloga Regina Novaes, do Instituto de Estudos da Religião, descobriu, por exemplo, que as igrejas evangélicas se afirmaram como uma opção ao tráfico de drogas. "Vi muitos meninos que trabalhavam para os chefes locais converter-se. Foi a forma de escapar à criminalidade." Mas essa adesão de adolescentes só foi possível porque as novas igrejas também se renovaram. Música funk, rap, dança, biquíni e sunga, que deixariam um crente de antigamente roxo de vergonha, são permitidos pelos novos pastores.

A concorrência dos soldados renovados de Deus obrigou a antes ultratradicionalista Assembléia a mudar. O pastor Wellington diz que sua igreja ainda não tolera mulher vestida com calças compridas -- "Não se ache na mulher a roupa do homem", diz a Bíblia. Em compensação, ele não vê nada de mais em seus fiéis usarem métodos contraceptivos artificiais. "Seria hipocrisia ir contra isso, embora eu ache melhor o método natural", diz. Até 1989, os seguidores dessa igreja não podiam sequer olhar para a televisão. Hoje, a Assembléia tem duas geradoras de programação e 47 repetidoras.

"Dinheiro, saúde e felicidade", prega sem peias o bispo Edir Macedo, "são a prova da bênção divina." E o fiel testa o merecimento dessa bênção ao fazer "apostas" com Deus, na forma das "ofertas em dinheiro", Se Deus acreditar na sinceridade do ofertante, dizem os pastroes, concederá a graça desejada. Causa repugnância a adeptos de outras igrejas. Isso sem falar no dízimo. Pode ser repugnante esse mercado de Deus. Mas o fato de pregar que o paraíso é aqui e agora -- depende de acreditar, pagar e trabalhar -- tem conseguido movimentar uma legião de miseráveis, que não mais se acabrunham diante das vicissitudes da vida, à espera do paraíso de além-túmulo. Seiscentos mil católicos deixam a cada ano a guarda do Vaticano para ingressar nessa aventura.

O queridinho dos intelectuais

No seu rol de amizades estão personalidades díspares como o comediante Chico Anysio, o sociólogo Betinho e os ex-candidatos à Presidência da República Luís Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola. Ele já travou longas conversas telefônicas com o petista e recebeu Brizola para comer um tambaqui amazônico em sua casa. Na semana passada, apareceu sorridente, ao lado de uma bela morena, numa foto de coluna social. Já vendeu 3,2 milhões de livros no Brasil. Seu nome é Caio Fábio D'Araújo Filho, pastor da Igreja Presbiteriana Bethânia, que, aos 42 anos, se firmou como símbolo de algo que os amigos chamam de "evangélicos éticos" e os inimigos, entre os quais se encontra um leque também amplo, como o bispo Edir Macedo e o governador do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, classificam de "evangélicos chiques".

Lançado há duas semanas, o 93º livro de Caio Fábio, Confissões do Pastor, já vendeu quase toda a tiragem inicial, de 20 000 exemplares. No livro, autobiográfico, pontuado pelas confissões de Santo Agostinho -- uma heresia do ponto de vista dos evangélicos ortodoxos --, o pastor revela que foi um jovem rebelde, promíscuo e desorientado, consumidor voraz de bebida e drogas, sempre às voltas com mulheres e brigas. Amazonense, morando no Rio desde os 15 anos, ele lembra que, suicida, chegou a andar de motocicleta na contramão de uma avenida em Manaus e cogitou dar um tiro na cabeça. Como era de esperar numa obra desse tipo, lá pelas tantas o pastor explica que só não fez isso porque, antes, teve uma visão e se converteu.

Caio Fábio quebrou o preconceito contra os crentes e ganhou ares de pastor cult ao tomar a frente de movimentos sociais. É dele o projeto da Fábrica de Esperança, onde são atendidas mensalmente 15 000 pessoas, em cursos profissionalizantes e assistência médica, odontológica e psicossocial. Casado há 23 anos, pai de quatro filhos, o amazonense leva uma vida confortável num condomínio fechado em Itaipu, Niterói. Tem um Omega 95, celular e ganha por mês de 8 000 a 10 000 reais, entre o salário de pastor e os direitos autorais de seus livros.

A bênção e o dinheiro -- Ele não exerce atividades cotidianas de pároco há treze anos. Dedica-se aos projetos da organização cristã não-governamental Visão Nacional de Evangelização, Vinde, um complexo de comunicação, com uma editora, uma revista mensal que vende 60 000 exemplares, uma rádio AM no Rio e um canal de televisão, com transmissão para Rio, Goiânia, Anápolis e, em breve, Curitiba e Brasília. Ele também tem um programa semanal na TV Manchete. Já foi duas vezes presidente da Associação Evangélica Brasileira -- hoje é presidente de honra. Seu santo só não cruza com o do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. "Não acho que a bênção de Deus se alcança com dinheiro como ele prega", diz o pastor.

Com reportagem de Franco Iacomini, de Curitiba, Manoel Fernandes,
de Salvador, e Virginie Leite, do Rio de Janeiro.

mercredi 27 mai 2009

Jürgen Moltmann, artigo

Com Jesus, da história da morte à história da vida eterna. Jürgen Moltmann

Em artigo para o jornal Avvenire, 24-05-2009, o teólogo alemão Jürgen Moltmann, considerado um dos maiores pensadores cristãos vivos, aborda a relação entre os estudiosos do Novo Testamento e os teólogos. Segundo ele, a base de leitura é o mesmo livro: o Novo Testamento. "Certamente, lemo-lo com olhos diferentes e com interesses diferentes, mas trata-se das mesmas palavras e ideias, é a mesma mensagem que nós lemos", afirma. "O que, portanto, dizem os estudiosos do Novo Testamento aos teólogos, e o que dizem os teólogos a quem estuda o Novo Testamento, na leitura comum da Escritura?". A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

A relação entre os estudiosos do Novo Testamento e os teólogos, e vice-versa, nem sempre foi das melhores, porque os primeiros devem conduzir uma pesquisa crítica, e os segundo devem dar formulação à certeza da fé. A exegese do Novo Testamento é marcada pela tendência moderna a ceder ao historicismo, enquanto a teologia é marcada por aquela que pode ser compreendida como filosofia cristã da religião, e, desse modo, ambas se afastam muito uma da outra, para não interferir e não se perturbar reciprocamente.
Mas há também as referências àquilo que nos é comum. A base da nossa leitura é o mesmo livro: o Novo Testamento, no contexto do cânone bíblico. Certamente, lemo-lo com olhos diferentes e com interesses diferentes, mas trata-se das mesmas palavras e ideias, é a mesma mensagem que nós lemos.
O que, portanto, dizem os estudiosos do Novo Testamento aos teólogos, e o que dizem os teólogos a quem estuda o Novo Testamento, na leitura comum da Escritura? A resposta é ao mesmo tempo simples e difícil, exatamente como ocorre no encontro do apóstolo Filipe com o "funcionário etíope de Candace". Este, na sua carruagem, lia o profeta Isaías e, exatamente no momento em que estava lendo o capítulo 53 chegou a "Gaza, que é deserta" (como hoje). Filipe para o carro e interpela o leitor da Bíblia com a pergunta hermenêutica: "Entendes o que estás lendo?", e "partindo dessa passagem da Escritura, anunciou-lhe (o Evangelho de) Jesus" (At 8, 35). Compreendemos aquilo que lemos e aferramos bem aquilo que sabemos?
Essa é a pergunta comum a exegetas do Novo Testamento e a teólogos, e se essa é a pergunta teológica que se volta aos exegetas do Novo Testamento, que conhecem os seus textos do ponto de vista da crítica textual e do ponto de vista histórico, isso, porém, pressupõe para os teólogos que eles também leiam o Novo Testamento com a ajuda dos exegetas. Portanto, a pergunta hermenêutica se volta a nós: "O que tu queres compreender, tu o lês também?".
Feliz é o exegeta do Novo Testamento que sabe unir em si ambas as coisas, como Charles Moule soube fazer. Infeliz o teólogo que não sabe fazer isso. Mas como é possível unir as duas coisas, para responder à pergunta hermenêutica de modo confiável? [...]
Se queremos compreender os textos do Novo Testamento, no sentido dos seus autores, é preciso entrar em relação com a sua mensagem cristã, a mensagem que eles pretendem comunicar. Eu devo compreender o que eles querem anunciar, relatar ou descrever como Evangelho de Jesus Cristo. Isso não significa que eu deva estar de acordo ou que só os cristãos podem compreender hoje os cristãos de então. Também não devo ser necessariamente um crente para poder estudar teologia. Mas a exegese católica de textos neotestamentários lê os textos ao pé da letra e procura aferrar o seu conteúdo.
Nesse sentido, o contexto, o kairós e a comunidade de origem desses textos desempenham um papel importante, ao qual é preciso sempre prestar atenção. Mas os textos não têm apenas esses ambientes de referência, mas sim o seu conteúdo específico, tanto que devemos considerar as suas afirmações também segundo o que é dito. Uma pesquisa teológica sobre a teologia do apóstolo Paulo na Carta aos Romanos, no seu tempo e na sua situação, é apenas um lado da exegese teológica. Por outro lado, coloca-se a pergunta sobre o que essa mensagem teológica pode significar para nós hoje. Aqui se levanta a ponte hermenêutica "from what meant to what it means" (do que significava para o que significa) e aqui inicia o trabalho do teólogo. Ele deve ler a Carta de Paulo aos Romanos como se ela não fosse escrita apenas aos cristãos da Roma de então, mas também a eles, leitores, e aos seus contemporâneos de hoje. O teólogo pode, então, prescindir do trabalho teológico do exegeta do Novo Testamento e fazer surgir, como que por encanto, a sua própria exegese?
Tomemos Karl Barth como exemplo. O seu livro "Carta aos Romanos" (Fonte Editorial, 2002), que foi publicado em 1922, deu vida à nova teologia dialética e foi, para muitos, a obra teológica mais importante da primeira metade do século XX. O prefácio inicia com as frases: "Paulo falou aos seus contemporâneos como um filho do seu tempo. Mas muito mais importante do que essa verdade é esta outra: que ele fala, como profeta e apóstolo do Reino de Deus, a todos os homens de todos os tempos". [...] Toda a minha atenção esteve voltada para o fato de penetrar com o olhar no aspecto histórico segundo o espírito da Bíblia, que é o Espírito eterno". É preciso confrontar isso com o texto e com aquilo que se encontra nele até que o muro entre o primeiro século e o nosso se torne transparente, até que Paulo fale lá, e o homem escute aqui. [...] A questão hermenêutica é a questão do 'como': como devo compreendê-lo? A hermenêutica não dá respostas à questão do "por que": por que devo compreendê-lo? Ela pressupõe a resposta positiva.
"Por isso: por que fazemos esse esforço? Talvez porque o Novo Testamento é o documento fundador da tradição cristã e caracterizou a história da nossa cultura europeia? Porém, para isso, bastariam a pesquisa históricas sobre os documentos e a sua história dos efeitos no cristianismo. Talvez porque o Novo Testamento deve ser lido, explicado e pregado em toda liturgia da Igreja? Isto é verdade: o Novo Testamento não tem o seu 'Sitz im Leben' apenas na terra da Judeia de dois mil anos atrás, mas também nos altares e nos púlpitos das igrejas e nas mãos dos leitores de hoje. A palavra que suscita a fé, que motiva o amor e encoraja à esperança torna Cristo presente. Para compreender essa palavra, a exegese teológica e uma correspondente teologia eclesial do presente são necessárias. Mas tudo isso é suficiente? Agora, eu falo como teólogo: a ponte hermenêutica, que leva do Jesus histórico e do seu Evangelho a nós hoje, é a ponte sobre o rio Esquecimento. Ela é também a ponte sobre o rio daquilo que passa, porque, no fundo, é, em primeiro lugar e em definitivo, o rio do Jesus histórico ao Cristo presente. É a ponte da ressurreição, colocada sobre o abismo da morte. Só na força da sua ressuscitação da morte de cruz no ano 33, por obra de Deus, Jesus está hoje presente.
"Se partimos da presença do Ressuscitado, então recordamos a vida, a obra e a morte de Jesus como 'a história de um vivente', justamente como os evangelistas relataram a sua vida e a paixão à luz da sua ressurreição. A ponte hermenêutica tem o seu fundamento nessa mudança indedutível e inesperada da morte à vida, que nós reconhecemos como ocorrida em Jesus Cristo: o seu fim temporal se tornou o seu início eterno. Sobre a ponte hermenêutica, percebemos a história da morte de Jesus Cristo na luz do futuro da vida.
"Olhemos para trás para o futuro passado de Cristo e vivamos no presente daquele que virá. Na história de morte dos historiadores, Jesus se torna 'histórico' e permanece estranho a nós. Na história de futuro da vida eterna, nós o compreendemos e até acendemos a chama da esperança sobre os cemitérios da história, porque Jesus não só ressuscitou da sua morte de cruz, mas ressuscitou 'dos mortos', também como o primogênito daqueles que adormeceram e como o autor da verdadeira vida.
"Desse modo, alcança-se o horizonte universal de que nos fala o Novo Testamento. No Cristo da Igreja há mais do que a Igreja: trata-se da vinda de Deus e do futuro do novo mundo da vida, que supera a morte. Compreendemos o que lemos? Quando Lemos o Novo Testamento e temos profunda inteligência dele, nos aproximamos de recordações surpreendentes e da luz ofuscante de uma grande esperança. Portanto, Filipe provavelmente tinha razão, quando, 'começando dessa passagem da Escritura, anunciou o Evangelho de Jesus'".

Fonte
Instituto Humanitas Unisinos