Jorge Pinheiro
O PENSAMENTO POLÍTICO DE PAUL TILLICH
Que
mau encontro foi este, que o ser
humano, livre por natureza, tenha perdido a memória de sua condição e o desejo de regressar
a ela? Etienne de la Boétie, Discurso sobre a servidão voluntária (1571).
Introdução
Capítulo Um
O contexto histórico e cultural
O mundo em colapso e a esperança socialista
O nazismo como pano de fundo
Capítulo Dois
O método da correlação e o sistema
tillichiano
A essencialização: movimento final da
ontologia
Situação-limite e justificação pela fé
Capítulo Três
A construção do pensamento político
As correlações entre a religião e a política
As concepções conservadoras e progressistas
A utopia e o kairós
Capítulo Quatro
Cristianismo e socialismo: aproximações e
assimetrias
Rupturas espirituais e econômicas
Originalidades do socialismo
O marxismo e o socialismo religioso
Capítulo Cinco
O proletariado e a luta pelo socialismo
A massa e os seus movimentos
O conflito interno da condição proletária
Do sentido da espera ao conceito de esperança
Capitulo Seis
A resposta tillichiana à crise do socialismo
O tempo presente e o espírito profético
A esperança: mais poderosa que os canhões
Conclusão
Bibliografia
Introdução
Por
que estudar o pensamento de Paul Tillich? Essa é uma pergunta que hoje se faz
no Brasil, tanto nas faculdades de teologia, como nas áreas de filosofia e
ciências sociais. Partindo de minha experiência como pesquisador e professor,
considero que Tillich fornece fundamentos teóricos para aqueles que se
interessam não somente pela política, mas pelas imbricações da política com a
religião. Por isso, ele se torna referencial tanto para estudos no campo da
teologia, como da filosofia e das ciências sociais. Sem dúvida, suas abordagens
sobre essas correlações iluminam questões teóricas e possibilitam abordar
realidades até agora pouco compreendidas. Ou seja, seus
estudos sobre política, socialismo e religião, assim como sua teologia da
cultura, nos permitem analisar questões desafiadoras sob novas perspectivas.
A temática
política e religião pode e deve ser abordada a partir de perspectiva teológica,
mas isso nos remete à própria teologia e à pergunta: em que medida ela pode ser
um instrumento para a análise política? A teologia, e aqui recorremos a Paul
Tillich, relaciona pólos, a mensagem cristã e a interpretação dessa mensagem,
que deve levar em conta a situação daqueles a quem ela se destina. Situação,
aqui, são as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas,
através das quais as pessoas e grupos exprimem as suas interpretações da
existência.[1]
Nesse sentido, a teologia pode dar respostas às perguntas implícitas na
situação, não enquanto soluções definitivas, mas no sentido de procurar sínteses.
Para isso, utilizamos o método da correlação, ou seja, a análise da situação
humana, de forma que venham à tona perguntas e a individuação das respostas nos
fatos reveladores, possibilitando respostas correlatas às perguntas colocadas
pela própria existência.
A partir daí nos
vemos diante da questão: que sentido tem a história? Tillich nega o negativismo
fundamentalista que não vê sentido na história, mas também vai além do
progressismo intra-histórico, quer iluminista, quer marxiano. Para ele, o
cristianismo propõe um símbolo religioso, o do reino de Deus, que deve ser
interpretado como dimensão histórica e dimensão transistórica. Dessa maneira, o
sentido da história está na manifestação do reino de Deus, quer enquanto reino
da salvação em contraposição à história do mundo, quer enquanto diretrizes e
movimento em direção à plenitude da história, que em sua dimensão transcendente
e transistórica é a vida eterna. Esse processo, que parte do eterno e desemboca
no eterno, Tillich chama de pan-enteísmo escatológico.[2]
Perguntas
acerca das situações e respostas teológicas estão ligadas à existência. Por
isso, ao analisar a questão do socialismo, Tillich faz uma teologia política
onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido, podemos dizer que faz uma
fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do
pensamento político enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os
elementos não reflexivos do pensamento político. E é a partir da análise do
pensamento político que Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do
socialismo.
Assim, este trabalho visa fornecer bases teóricas para a análise do
pensamento político e da correlação política e religião, resgatando elementos
para o estudo das raízes do pensamento político, do socialismo e de suas
relações com a religiosidade contemporânea. Nossa intenção, aqui, foi
apresentar uma contribuição da teologia para a compreensão da crise
social e política de uma época (no caso de Tillich em relação à crise alemã e à
ascensão do nazismo), que nos permita aprofundar o estudo das origens do
pensamento político na própria realidade brasileira. Assim, a leitura teológica que fazemos contextualiza e
traz para o momento presente a antropologia política de Paul Tillich, elaborada
entre as duas grandes guerras do século XX na Europa.
Capítulo Um
A
produção teórica de Paul Tillich sobre política e religião é muito vasta e
cobre dezesseis anos de produção, indo de 1919 a 1935, fora textos produzidos
posteriormente em sua fase norte-americana. Embora tenhamos feito uma leitura
de seus principais textos, editados em francês, em 1990, 1992 e 1994,[3] nos
concentramos em algumas formulações que consideramos fundamentais para a
compreensão do fenômeno político. Nossa abordagem de Tillich e de sua produção
procura a compreensão de métodos de análise e de crítica da condição política e
não tomar as idéias e argumentos de Tillich como cânon. Entendemos que seus
escritos foram elaborados sob condições especiais e refletem conjunturas e
realidades peculiares à modernidade do século XX e, embora nos sirvam de
roteiro para reflexão, não podem ser entendidos como palavra final.
Metodologicamente optamos por uma leitura não histórica e não cronológica, mas
sistemática. Assim, procuramos compreender o pensamento de Tillich em seu
conjunto, situando nessa compreensão a questão política e como suas abordagens
podem nos ajudar a fazer uma leitura teológica da correlação política e
religião e das contradições e perspectivas daí advindas.
O contexto
histórico e cultural
Paul Tillich nasceu num lar luterano, na cidade alemã de
Starzddel, perto de Berlim, em 1886. Em 1910, graduou-se doutor em Filosofia,
em Breslau, e em 1912 licenciou-se em Teologia, em Halle. Durante a I Guerra
Mundial serviu como capelão no exército alemão. Psicologicamente, foi muito
afetado pela visão das mortes e da destruição em massa causadas pela guerra.
Sofreu dois colapsos nervosos e sua fé num cristianismo calcado no romanticismo
alemão do século XIX desabou. Ele conta como foi esse sofrimento, que produziu
a grande transformação de sua vida:
“A transformação ocorreu durante a batalha
de Champagne, em 1915. Houve um ataque noturno. Durante toda a noite, não fiz
outra coisa senão andar entre feridos e moribundos. Muitos deles eram meus
amigos íntimos. Durante toda aquela longa e terrível noite, caminhei entre
filas de gente que morria. Naquela noite, grande parte da minha filosofia
clássica ruiu em pedaços; a convicção de que o homem fosse capaz de apossar-se da
essência do seu ser, a doutrina da identidade entre essência e existência...
Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia “Assim
Falou Zaratustra”, de Nietzsche, como faziam muitos outros soldados alemães, em
contínuo estado de exaltação. Tratava-se da liberação definitiva da
heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche,
‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicional de Deus estava mesmo morto”.[4]
O mundo em colapso e a esperança
socialista
Para Tillich, o mundo
entrara em colapso, e com ele o otimismo naquela cultura que tinha depositado
sua confiança no ser humano e acreditado no progresso da civilização. "A
experiência dos quatro anos de guerra -- escreveu Tillich --, abriu
diante de mim e de todos de minha geração tal um abismo que nunca pôde ser
fechado novamente". E foi em Verdun que Tillich situou sua ruptura com
o liberalismo teológico alemão. Como vimos, ele fala com tristeza daquela noite
que, em meio ao trovejar dos canhões, depois de procurar durante horas dar um
pouco de conforto aos moribundos que chegavam ao acampamento, ao amanhecer,
exausto, dormiu entre cadáveres. E ali morreu seu idealismo teológico. Há nesta
descrição da batalha de Verdun uma releitura das memórias de Goethe quando este
fala da batalha de Valmy: "Neste
lugar e neste dia começa um tempo novo da história do mundo". Goethe
disse que Valmy foi o começo do século XIX, marcado pela fé na razão, na paz,
na justiça e na democracia, convencido de que a cultura européia chegava a um
momento especial de sua história. Em Verdun, Tillich descreve o fracasso desta
fé, a queda desta convicção e, também, o fim do século de XIX.[5]
A experiência
que Tillich viveu como capelão durante a I Guerra Mundial, não foi simplesmente
uma experiência particular, mas em última instância a compreensão da condição
humana, enquanto demonstração da situação espiritual do momento que se abria
para o mundo. Nesse sentido, seu destino pessoal coincide com o destino de
milhões de pessoas e da Europa inteira. Com a guerra, a derrota da Alemanha e o
fim da monarquia, algo novo emergiu do desastre, surgiu das profundezas, da
dimensão da profundidade do inconsciente de milhões de pessoas. Se durante
alguns anos, o destino da morte cobriu uma geração inteira, derrubando por
terra o edifício do século XIX, desse caos surgia a possibilidade de mudança,
de construção de algo novo. O julgamento da I Guerra Mundial levou Tillich à
compreensão de que não se pode divinizar nenhuma construção política. Mas ao se
fazer o julgamento da guerra, também se faz o julgamento das possibilidades
humanas. Ora, tal julgamento tem um aspecto positivo, que Tillich chamará de kairós[6]:
é um momento de graça onde a possibilidade humana se torna plena de força
divina. Mas este kairós é diferente das propostas apresentadas por aqueles
socialismos que se posicionam a favor da guerra, pois o kairós aponta para a
possibilidade de um mundo novo. E a esperança que ele gera é maior que a
simples ilusão humana, pois esta esperança tem o próprio Deus por fundamento,
já que aqui a graça gera o kairós.
Herdeiro do pensamento alemão do
século XIX, Paul Tillich é devedor do idealismo alemão, em especial de Hegel e
Schelling,[7]
mas é a partir de 1919, na Alemanha destruída pela I Guerra Mundial que começa
a trabalhar sobre a idéia de uma teologia da cultura. Aspecto de destaque em
sua obra é o fato de ter elaborado uma teologia da história, já que recusou
exercer “a tarefa de mero coletor e divulgador de fatos e dados. O importante
era tornar vivo o que já passou, era olhar o passado para compreender a
situação presente, era aliar os fatos a uma interpretação”.[8]
Para ele, cultura tem uma leitura diferente daquela que terá para a
antropologia da segunda metade do século XIX, que inclui a produção humana em
toda a sua riqueza e diversidade. Para ele, cultura é a produção da
intelectualidade européia ilustrada. E por baixo das manifestações culturais
específicas se faz presente a religião. Assim, a religião expressa o
incondicionado, dando margem a manifestações especiais, que se apresentam
enquanto cultura. Daí seu interesse em manter um permanente diálogo com
artistas, escritores e com o mundo social-democrata da época. Dessa maneira,
durante toda sua vida Tillich será um teólogo da cultura e um filósofo da
religião.
Para Tillich,
depois da I Guerra Mundial, era preciso abandonar aquele Deus concebido pela
teologia do século XIX e fazer o cristianismo responder aos problemas e às
exigências contemporâneas. Assim, depois da guerra começou a repensar seu cristianismo
e se aproximou do socialismo do Partido Social Democrata alemão. Conforme
explica o próprio Tillich, ele poderia ter desenvolvido sua filosofia a partir
da leitura de Nietzsche, mas a experiência da revolução alemã de 1918[9] dirigiu suas
preocupações em direção a uma filosofia da história, a partir da sociologia e
da politica. E seu estudo de Ernst Troeltsch (1865-1923)[10] preparou a
mudança de direção.[11]
Para definir os
contornos do socialismo tillichiano em sua fase inicial devemos nos remeter a
dois textos escritos nos dois anos subseqüentes à revolução de 1918, redigidos
no calor da vitória revolucionária, e que se encontram em “Christianisme et
socialisme I e II”.[12] Embora esses
textos não tenham a profundidade sistemática dos escritos socialistas dos anos
1920-30, eles procuram explicar de um ponto de vista teológico o papel da
revolução que acabava de acontecer na Alemanha. Assim, em 1919, Tillich deu uma
conferência pública cujo conteúdo foi um esforço para fundamentar
teologicamente um artigo que tinha escrito antes, onde dizia ser tarefa do
cristianismo assegurar a unidade interior do ser humano futuro, através da
construção de uma nova síntese entre a religião e a cultura. Na conferência
afirmava que tal exigência estava fundamentada na radicalidade da teologia. A
conferência recebeu o título de “Sobre a idéia de uma teologia da cultura”.[13] Aqui Tillich
empreende pela primeira vez uma definição da tarefa da teologia, no quadro das
ciências da cultura. Ela aparece como ciência normativa, não por impor sua
autoridade sobre as normas da conduta humana ou por traduzir o processo dos
julgamentos de valor que esta conduta requer, mas porque está interessada em
situações concretas, que constituem seu conteúdo. Ou, em outras palavras, ela é
normativa porque é reveladora de sentido.
A teologia, para
Tillich, enquanto ciência do indivíduo deve partir do contexto histórico e
cultural. Ele observa que as éticas teológicas anteriores tinham se dado como
tarefa analisar o arraizamento da vida moral, ou seja, a raiz concreta do
indivíduo em sua comunidade. Mas, agora, no momento em que a teologia reconhece
a existência de uma comunidade cultural externa à igreja, comunidade que
constitui o horizonte imediato das decisões do indivíduo e que se enraíza numa
cultura contemporânea global, a constituição de uma ética teológica pura não é
mais possível: torna-se necessário elaborar uma teologia da cultura.[14]
O nazismo como
pano de fundo
Anos mais tarde,
em janeiro de 1933, o nacional-socialismo chegava ao poder. Entre os anos de
1919 e 1924, Tillich tinha participado do Círculo Kairós, um grupo de
reflexão sociológico, filosófico e teológico do socialismo. Entre os anos 1920
e 1927 ajudou a editar os Cadernos do Socialismo Religioso, e em 1929/30
os Novos Cadernos do Socialismo. Mas com o advento do nazismo ao poder,
ele percebe que o socialismo havia nascido como kairós, com a reflexão
contextual da revolução socialista, e deveria desaparecer com ela. Nesse
contexto de ascensão do nazismo, de crise e derrota da revolução socialista,
não se poderia esquecer o fato de que o julgamento divino se apresenta
paradoxal porque declara absoluto, perfeito e santo aquilo que é relativo,
imperfeito e pecador, o ser humano. Assim, partindo da teologia de Lutero e de
seu conceito de salvação pela graça, Tillich faz uma nova abordagem da questão
social na Alemanha e na Europa: aquilo que aparece como abismo da realidade,
que reduz a nada o que existe, que coloca todas as coisas sob julgamento, tem
um lado positivo. É possível afirmar que o contexto de julgamento pode levar a
uma vontade de moldar o mundo de maneira imanente, momento do novo, quando o
reino de Deus se faz presente no mundo.
Fruto desses
anos de reflexão e militância intelectual, Tillich formulou seu conceito de socialismo
religioso[15]
e escreveu A Decisão Socialista,[16] livro que foi
queimado publicamente pelos nazistas em 1933. Se tivesse ficado na Alemanha,
possivelmente Tillich tivesse terminado seus dias num campo de concentração,
mas salvou-se ao aceitar o convite para lecionar na Universidade de Columbia e
no Union Theological Seminary, em Nova York.
No século XX, poucos teólogos tiveram tanta influência como
Paul Tillich, que procurou responder às questões universais relacionando
cultura e fé. Em termos teológicos sua pressuposição básica era de que a fé não
é necessariamente inaceitável para a cultura e a cultura contemporânea não é
necessariamente inaceitável para a fé. Buscou desenvolver uma teologia cujo
método consistiu em relacionar fé e cultura, a fim de responder ao desafio de
contextualizar a mensagem cristã num primeiro momento para a intelectualidade
socialista e, posteriormente, para o ser humano contemporâneo.
A cultura
socialista no início do século XX via a religião como ópio, fator de alienação
das massas. A contribuição de Tillich foi oferecer ao pensamento socialista, a
partir de uma nova maneira de fazer teologia, respostas sobre o significado de
vida. O que Tillich procurou demonstrar é que uma compreensão de Deus é
consistente com a compreensão socialista do mundo, e o que o intelectual via
como uma deficiência na construção das idéias cristãs, Tillich encarava como
uma oportunidade de alcançar o conhecimento não-empírico. Se para pensador
socialista a gênese do futuro repousava sobre a luta de classes, para Tillich o
socialismo traduzia o clamor contra a desumanidade, era um protesto contra
sociedade industrial, que substituía os seres humanos por máquinas,
dilacerando-os nos dentes da engrenagem da produção e do consumo capitalistas.
Se a tecnologia levava a isso, onde estava a esperança e a resposta ao
descontentamento vivido por essas gerações? O elemento perdido nesse processo
era o espírito. Assim, Tillich resgata Kierkegaard[17] quando dá
ênfase à potência da individualidade humana, à existência.[18] O que deve ser
encontrado só o será através de sua própria coragem interna. Dessa maneira, a
pergunta fundamental de existência humana é: o que eu sou? E essa pergunta só
pode ser respondida por aquele que pergunta.
O
intelecto permite um conhecimento do funcionamento do universo físico e das
complexidades dos sistemas do macrocosmo. Antes de uma pessoa poder dominar as
técnicas, a consciência do observador precisa conhecer o lugar dele no esquema
das coisas. Porém para entender o conceito, a razão, é necessário entender a
ontologia fundamental que expressa as condições de essência e existência. Por
isso, a ontologia existencial em Tillich eleva a pergunta pelo ser e pelo
não-ser à teologia, que pode responder à pergunta sobre Deus a partir da luz
que o não-ser reflete. O que Tillich apresentou ao mundo é um modo de unir
verdades infinitas à uma cultura que parece desconsiderar a consistência
histórica. O medo de um propósito perdido prevaleceu naquelas décadas de
violência e destruição. Diante do equilíbrio perdido e da presença do caos
permanente, Tillich redescobriu o equilíbrio e usou o presente como fogo que
acende a pira. Para ele a chave está no espírito, pois sem poder criativo não
há vida. O espírito é poder, assim como a razão, que se unem e transcendem. As
obras de arte, a literatura e a poesia, a filosofia e a política são frutos não
só da razão, mas também do espírito. São criações individuais, mas também
universais da razão e do espírito. Em todo trabalho humano de relevo pode-se
ver a profundidade do que é individual, a grandiosidade de algo único, que
acontece, mas que não pode ser repetido, e que, não obstante, por atravessar
os séculos é universal, mas acessível ao
conjunto dos seres humanos.
Assim a
teologia, enquanto conhecimento humano, particular, mas também universal,
traduz-se enquanto maneira de busca do transcendente. A distância entre a fé e
cultura, através da teologia, deve ser estreitada para que o ser humano possa
resistir à tentação de que apenas o que é físico e material é o padrão maior da
civilização. A teologia da cultura de Tillich é um marco para aqueles que
investigam a espiritualidade humana aparentemente perdida, isto porque o mundo
tecnológico não pode ser compreendido em profundidade sem a admissão de que a
espiritualidade faz parte do conhecimento e busca do gênero humano. Assim, o
fundamento da teologia da cultura está no fato de que a ontologia da cultura é
um desdobramento da ontologia do ser humano. Na direção desse fundamento está a
pergunta sobre a unidade ontológica da cultura: qual o princípio antropológico
da criação cultural? Quando dizemos que o ser humano é o único animal que cria
seu próprio universo de significação é na cultura que vamos encontrar o ato e a
forma da expressividade humana como ser histórico. O primeiro momento da
reflexão teológica sobre a cultura consiste em assegurar, seja ao ato da
criação cultural, seja na forma do seu objeto, a unidade que só pode ser
pensada em oposição ao fluxo do tempo e à dispersão do espaço onde a experiência
se situa. A unidade ontológica da cultura reside na relação dialética que
vigora entre a estrutura transcendental do sujeito, que se manifesta no ato da
criação cultural, e a idealidade transcendental da obra de cultura, manifestada
na forma transtemporal e transespacial que lhe assegura perenidade simbólica. A
teologia apresenta-se, então, como paradigma da ontologia da cultura, pois
tematiza a transcendência do ato como interrogação sobre o que é, tanto no que
se refere à idealidade da forma, como na objetividade do ser.[19]
A
partir dessa leitura teológica da cultura, o resultado da relação entre a
politica e a fé cristã levou Tillich a um sofisticado sistema de pensamento,
onde a teologia da cultura tornou-se algo especial dentro da história da teologia.
Talvez, pudéssemos falar de uma teologia sociopolítica, ou mesmo de uma
teologia do socialismo, já que a concepção teológica de Tillich parte de uma
leitura sociológica e histórica, e de uma análise crítica. Para ele, a relação
entre teologia e política nunca pode ser descrita apenas pela conjunção “e”,
mesmo quando um movimento político está fundamentado numa concepção de mundo.
Nesse caso, duas atitudes são possíveis: pode-se ver a política sob o ângulo da
luta pelo poder e seu objetivo estratégico; ou pode-se levar em conta as
pretensões desse grupo político em encarnar uma concepção de mundo e submeter
suas pretensões ao tribunal das categorias teológicas. Neste caso, não estamos
falando mais de política, mas de teologia política. Em outras palavras, há um
setor da teologia da cultura, que a teologia não pode esquecer se quiser manter
a exigência da incondicionalidade da mensagem cristã.[20]
Segundo Eberhard
Amelung, que foi orientado por Tillich em sua tese de doutorado, em Harvard, os
principais conceitos desenvolvidos com o socialismo religioso,[21] como kairós
e teonomia são fruto da leitura tillichiana da situação histórica dos
anos 1920 na Alemanha. Dessa maneira, para Amelung, o compromisso socialista
religioso de Tillich constitui a matriz de sua teologia da cultura, e
possivelmente de toda a sua teologia.
Capítulo DOIS
O método da
correlação e o sistema tillichiano
O socialismo
significou muito mais para Tillich do que apenas militância num partido
político. Traduzia, em última instância, o novo destino de Alemanha e da
Europa. Para Tillich, uma pessoa só poderia falar de um compromisso sem
reservas com este novo tempo, se falasse também em compromisso com as idéias
socialistas. E para ele socialismo era movimento socialista, enquanto tradução
das diferentes realizações da mente socialista, ou da idéia socialista, como
gostava de dizer. Mas este compromisso com as idéias socialistas era um
compromisso crítico onde toda a realização concreta deveria ser examinada no
contexto histórico daquilo que se buscava, a construção do destino humano.
Assim,
o método de correlação tillichiano parte de questionamentos filosóficos para
formular perguntas à teologia, realizando uma construção a partir da ontologia
existencial, enquanto estudo do ser, conceito que ele toma de Heidegger,[22] que usou como
base para discutir o não-ser, pois para ele a ansiedade do não-ser está
presente em tudo que é finito. É natural aos seres humanos desejarem saber
sobre seu próprio estado em relação ao ser, porque nas situações-limite têm
consciência de sua finitude, transitoriedade e temporalidade: podem não-ser da
mesma maneira que são. Na verdade, não-ser faz parte da existência, porque
todos estão diante da ameaça de não-ser em todo momento. A pergunta sobre o
não-ser nos leva a outra pergunta: o que mantém os seres finitos. Tal poder não
pode ser finito, pois poderiam não-ser da mesma forma que são. Isto levanta a
questão daquilo que transcende, do infinito, de Deus. Para Tillich, a única
maneira de entender Deus parte da pergunta sobre o não-ser. A ontologia
existencial apresenta a pergunta pelo ser/não-ser e a teologia esta desafiada a
responder tal questão. Nem o filósofo, nem o teólogo podem evitar a questão
ontológica. Mas Tillich não pára aí. Ele parte da simbologia cristã,
culturalmente condicionada, que expressa a experiência da comunidade da fé,
enquanto poder que se faz presente de um modo especial. Para Tillich, o símbolo
se diferencia do signo no sentido de que o símbolo não se restringe em designar
de maneira extrínseca e convencional um significado, mas possui enquanto
significante um poder próprio, intrínseco, que lhe permite exprimir a realidade
incondicional, última ou mais simplesmente o objeto buscado pelo pensamento ou
pela ação humana.[23] Um símbolo é
religioso quando remete explicitamente ao incondicionado. Graças aos símbolos,
a fé pode se orientar de imediato em direção ao incondicionado. O símbolo é,
então, um ponto de encontro da finitude humana com a infinitude divina. Ele nos
abre um nível de realidade e de significação que não poderíamos descobrir, nem
exprimir de outra forma. Assim, só o símbolo nos permite de fato exprimir o ato
de fé no incondicionado. A isso Tillich chamará de preocupação última, ultimate
concern.[24]
“O ultimate concern é a tradução abstrata do
grande mandamento do amor a Deus. Trata-se do interesse religioso, que é último
(decisivo, definitivo, tornando todos os outros preliminares e provisórios),
incondicionado, total e infinito. O concern remete ao caráter existencial da
experiência religiosa. O objeto da religião só pode ser atingido por uma
atitude radical, não objetivante, total, por ‘uma paixão e um interesse
infinitos’ (Kierkegaard). A preocupação suprema é a única competência do
teólogo enquanto tal. Os interesses preliminares, em todos os setores da
cultura, não podem ser absolutizados e substituir o interesse absoluto, mas
devem ser considerados portadores e veículos dele”.[25]
Dessa
maneira, Tillich apresentou à teologia uma teoria do símbolo como meio da comunicação
fundamental da fé, de todos os atos humanos orientados para uma realidade
transcendente ou sagrada.[26] é interessante
que a esta leitura tillichiana, Probst agrega que a correlação autêntica
significa o restabelecimento, a restauração, a reforma da relação do ser humano
com o Deus verdadeiro, e que nenhuma aliança, mesmo sob a forma de uma sutil
preparação, não pode prevalecer sobre o encontro com Cristo e a revelação
especial de Deus na Escritura.[27]
A partir das
discussões das idéias socialistas e do uso do método de correlação há uma outra
questão que será fundamental na obra de Tillich. Ora, se para ele razão e
revelação não são termos opostos, já que a revelação é a resposta às perguntas
da razão, e também porque a razão não resiste à revelação, somos obrigados a
ver em que sentido ele utiliza o conceito razão.
A
essencialização: movimento final da ontologia
O conceito razão
relaciona-se a três outros: essência, existência e essencialização. A essência
não é apenas aquilo que uma coisa é, mas também aquilo que faz com que uma
coisa possa ser. Nesse sentido, essência é potencialidade, o poder de ser e a
fonte de existência: origem do Ser. Mas também é o reino da cognição, do
pensamento, impossível de penetrar. Pari passo à essência, Tillich fala
do lógos, que correlaciona mente e realidade, tornando possível o
conhecimento. Quando alguém compreende e fala sobre a realidade, faz juízos e
define padrões, que são comuns aos outros seres humanos, se comunica. E quem
possibilita a comunicação é o lógos. Assim, o lógos é a origem da razão e
também do Ser. Mas, origem do Ser aqui não significa conhecimento a priori,
mas estar colocado à parte do reino da finitude e por isso a origem do Ser só é
conhecida por um ato de revelação.
Já a existência
refere-se ao que é finito, enquanto parte de seu verdadeiro ser. Quando Tillich
fala de finitude apresenta sempre termos que se correlacionam: como
heteronomia/ autonomia, formal/emocional e estático/dinâmico. A solução destes
aparentes conflitos da existência se dá no reino da essência, fundamento do
Ser, dos quais os seres humanos foram arrancados e por isso se encontram
dependentes e alienados. Dessa maneira, para Tillich, existência é
alienação.
Ora,
a essencialização traduz o movimento final da ontologia, que se traduz no Novo
Ser, quando a existência realiza aquilo que devemos Ser, nossa essência. No
cristianismo, o Novo Ser é o Cristo. A imagem do Cristo expressa o que Deus
quer que sejamos: o que os seres humanos são essencialmente e deveriam ser. Aquilo
que todo ser humano é potencialmente foi expresso em Jesus, enquanto Cristo.
Assim, a doutrina de salvação para Tillich é regeneração, a participação no
Novo Ser, justificação, a aceitação do Novo Ser, e santificação, a
transformação pelo Novo Ser. Com seu conceito de essencialização, Tillich
subverteu a compreensão da existência e de seus conflitos, ao mostrar que
servem para enriquecer o ser essencial. Ao voltar-se para o que é eterno, a
existência é derrotada em sua reivindicação de ser positiva, ou seja, o eterno
nega à finitude sua reivindicação de infinitude. Assim, Jesus, finito,
tornou-se Cristo no seu auto-sacrifício e morte. Recusou a tentação demoníaca
inerente à existência finita de reivindicar infinitude. Dessa maneira, a
ontologia, através da análise da essência, existência e da essencialização,
conduziu a uma releitura da compreensão de Deus na fé cristã.[28] Por isso,
Tillich, afirmou que Deus não tem existência, já que ele é além da essência e
da existência. Falar de Deus enquanto existência é negá-lo, porque existência é
alienação e finitude, mas não enquanto relação mecânica e formal como creram
Schelling[29]
e Kierkegaard, por ele criticados. Para Tillich há uma finititude essencial e
alienação existencial.[30]
Por não entender
a afirmação de Tillich, muitos religiosos o acusaram de ateu. Mas o que ele fez
foi nos conduzir a uma compreensão de Deus além do deus existencial. Ora, Deus,
o fundamento do Ser, está além do reino da finitude, que relaciona ser/não ser,
e por isso Deus não pode ser um ser. Deus está além do reino finito. Tudo que
se faz existência é corrompido por sua ambigüidade e finitude. Dessa maneira,
as afirmações sobre Deus são simbólicas, inclusive a afirmação de que Deus é o
fundamento do ser. E embora se reivindique o conhecimento de Deus, o infinito,
isso é impossível, pois quando Deus é trazido da essência para a existência,
Deus é corrompido pela finitude e pela compreensão limitada. No reino da
finitude é impossível conhecer plenamente quem Deus realmente é, pois o infinito
não permanece infinito no reino finito.
Nos textos intitulados Christentum
und Sozialismus,[31] Tillich
nos dá um roteiro teórico para a leitura do socialismo. Como já dissemos, ao
analisar o surgimento do socialismo, Tillich leva em conta aspectos históricos,
assim como os grandes movimentos ideológicos que se estruturam a partir da
Reforma. Tal metodologia é relevante para a compreensão do contexto a partir do
qual ele constrói a sua leitura socialista, que tem por base a chamada a um
posicionamento transcendente, de resistência ao impacto da catástrofe
histórica, que deveria levar os cristãos a elaborar uma mensagem de esperança
para o mundo. Nesse contexto, vai definir o ser humano moderno como autônomo,
embora inseguro na sua autonomia. Isto levou a Igreja católica à tentativa de
emancipá-lo através da submissão à hierarquia e à tradição. Mas na autonomia já
foi experimentado algo e esta é uma experiência que une aquele que protesta
àqueles com autonomia secular.
Situação-limite
e justificação pela fé
O conceito
tillichiano de situação-limite, que se traduz como ameaça final ao sentido da
vida, é o diferencial do protestantismo.
“A
existência humana é a elevação do ser à dimensão da liberdade. O ser se liberta
das cadeias da necessidade natural. Torna-se espírito e adquire liberdade de se
questionar a si mesmo, o seu ambiente, de questionar a verdade e o bem e de
decidir a seu respeito. Entretanto, há nessa liberdade certa falta de
liberdade, pois somos todos compelidos a decidir. ‘Essa inevitabilidade da
liberdade, de ter que decidir, cria profunda inquietude da existência; é por
esse meio que a existência passa a ser ameaçada’. Tudo isso, porque somos
confrontados por uma exigência incondicional de escolher o bem e de realizá-lo,
na mesma medida em que isso não pode ser alcançado. Conseqüentemente, o ser
humano, na sua dimensão espiritual carrega em si uma ruptura, que também se
manifesta na sociedade. Não é possível fugir dessa exigência. Ao enfrenta-la
jamais se reveste de segurança absoluta. Trata-se pois do que Tillich chama de
‘situação humana limite’: todas as seguranças que construímos são questionadas
e as possibilidades humanas alcançam e descobrem seus limites”.[32]
Essa expressão,
situação-limite, nasce em torno da justificação pela fé.[33] A vida em
liberdade significa a aceitação da exigência incondicional de realizar a
verdade e fazer o bem. Tillich vê no reconhecimento da existência da
situação-limite, que deve traduzir-se em julgamento e transformação, a
diferença entre qualquer cristianismo que faça a defesa da hierarquia e da
tradição e o princípio protestante.[34]
Poder formativo
é o poder de criar formas, mas o protestantismo enquanto princípio é o protesto
contra as formas. E protesto protestante só pode existir em relação à gestalt
a qual pertence. Aqui gestalt é a estrutura total de uma realidade viva.
A igreja deve expressar seu protesto por causa do caráter incondicional do
divino e por causa do caráter concreto da situação histórica. Por isso, as
teologias que não forem atingidas pela “teologia da crise” e que não
perceberem a importância do não
profético não podem ser levadas a sério. Então, é o caso de perguntar: quais
são os princípios do poder formativo do protestantismo? De que maneira a
crítica e a criação poderão se unir? O protestantismo, enquanto princípio, deve
viver na realidade da graça, e a luta dos reformadores não faria sentido se
começassem a falar em estruturas sagradas da realidade. A hierarquia não pode
se apoderar do direito à graça, levando os cristãos a se submeterem à
autoridade na busca pela salvação. A fé é humana, mas não vem do humano, embora
se realize no humano. A graça é pregada e assim vem a fé. Ter fé significa ser
tomado e transformado pela graça.[35]
Quatro
princípios são determinantes para as formas protestantes:
(1)
em todas as formas protestantes o elemento religioso
deve se relacionar com o elemento secular e se deixar relacionar com ele;
(2)
em todas as formas protestantes o elemento eterno deve
ser expresso em relação a situação presente,
(3)
em todas as formas protestantes a realidade da graça
deve ser expressa com ousadia e risco;
(4)
e em todas as formas protestantes expressa-se
necessariamente a atitude do realismo da fé.
Por isso, o
realismo religioso quer entender as coisas e os eventos em seu sentido religioso
e na relação que tem com o transcendente, isto significa falar a respeito de
Deus de tal maneira que não pareça mero objeto acima dos outros, nem simples
símbolo, mas realmente real. O poder formativo do protestantismo age sempre
quando a realidade é interpretada em relação com seu fundamento e seu sentido
último. A justificação pela fé é, então, melhor entendida a partir da
situação-limite. Para Tillich, sem uma relação universal com o mundo essencial
a noção de vocação individual não é a medida correta para se construir uma
ética. Ou seja, não se pode fundar uma ética protestante apenas sobre o
terreno da individualidade.[36]
Numa conferência
realizada em 1941,[37] Tillich se
perguntava se temos condições de falar de mudanças e de transformações éticas:
será que os princípios fundamentais da moral permanecem os mesmos através dos
tempos? Será que depois de milhares de anos, o decálogo guarda a mesma
pertinência? Será que uma ética social hoje difere daquela do passado? Tillich
considera que as duas respostas dadas a essas questões são insuficientes: tanto
a que declara ser a ética absoluta e imutável, como aquela que considera a
ética mutável e relativa, pois as duas conduzem a impasses. A primeira sucumbe
às regras abstratas, distantes da realidade da vida das pessoas. A segunda
deixa a ética ao sabor das flutuações da moda, não guia, nem dirige a
existência humana, e não diz o que se deve ou não fazer: perdeu o seu caráter
normativo. Por isso, a ética deve combinar uma performance fundamental com uma
renovação permanente. Procura aplicar os mesmo valores em diferentes situações,
mas, se nunca é exatamente a mesma, também não é inteiramente diferente.[38] Mas é
importante entender que não existe uma interpretação absoluta do mundo da
essência, fonte e razão de toda ética, já que essa essência não é uma grandeza
estática, mas se realiza de forma dinâmica na existência. Por isso, não se pode
subscrever nem a construção tomista de uma ética social absoluta, nem uma
construção de tipo racionalista. Toda compreensão real da essência e como
conseqüência toda ética real são concretas. Essa essência se situa no kairós,
naquele momento temporal determinado, pleno. Sua universalidade comporta riscos
concretos. Ela não se move num universal abstrato, separado do tempo e da
situação atual. O que é válido tanto para o indivíduo, quanto para a
consciência de um grupo social. Exatamente por isso, para Tillich, toda
realidade essencial comporta dois aspectos: aquele que a traz de volta à sua
origem, ao fundamento e abismo de todo ser; e um outro que indica seu caráter
particular, sua inserção na finitude.[39]
A realização da essência deve se orientar em
direção a ela própria, na medida em que essa manifestação de sua origem
criativa remete ao que é eterno. Ela exprime o que lhe próprio, suas
solidariedades no plano formal e sua finitude. Por isso, toda ética transporta
a Deus e ao mundo, que em última instância são o bem decisivo de nossa
existência concreta. Dessa maneira, ao se posicionar por uma ética que parte da
essência, se posiciona por uma ética da vida. A posição de Tillich sobre a
ética se inscreve no quadro de que o pensamento se desenvolve sobre relações
triangulares entre a religião, a cultura e a moralidade. É necessário existir
um equilíbrio dinâmico entre estes três componentes: quando se ignora um ou se
absolutiza outro, desliza-se em direção ao demônico. A religião, a moralidade e
a cultura para Tillich são três funções do espírito, que se originam de sua
unidade essencial.[40]
Fundamentalmente, participam na estrutura do ser, mas, concretamente, há entre
eles um equilíbrio dialético que pode ser rompido pelo ser humano. E tal
compreensão leva-o estudar o desenvolvimento criativo e estratégico desta
essência enquanto vida irrompante na história, criadora do novo.
O cristianismo,
segundo o pensamento de Tillich, é em sua essência uma experiência
transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que acontece em
todos os tempos e em todas as situações e é em si mesma independente de formas
sociais e econômicas.[41] Nesse sentido,
o cristianismo não pode ser identificado com um tipo determinado de organização
social, em detrimento de seu caráter transcendente e universal. Mas, ao mesmo
tempo, o cristianismo é portador de poder e oferece à humanidade uma mensagem de
vida, de conhecimento e de verdade, tanto para a pessoa como particularidade,
como para a sociedade como um todo. Exatamente por isso, apresenta-se como
capenga toda forma de cristianismo que se fecha na pura interioridade. Também
não se pode dizer, conforme expõe Tillich, que o cristianismo é um movimento
que mecanicamente parte da interioridade em direção à exterioridade,
apropriando-se de formas culturais ou simplesmente passando ao largo delas. Na
verdade, ele dá forma às expressões culturais e, concomitantemente, toma novas
formas a partir delas. Dessa maneira, o cristianismo está ligado à
interpenetração de formas de consciência filosófica, à experiência estética e
ao ideal ético de pessoalidade e, logicamente, aos grandes modelos sociais e
econômicos.[42]
Por isso, para Tillich, todas as questões políticas convergem para uma mesma
questão: a humanidade deve ter origem nas profundezas de um novo conteúdo, onde
será superada a oposição entre pessoa e massa. Onde um novo conteúdo será
produto da graça e do destino.[43] É
sempre necessário perguntar pelas raízes do fenômeno, seja ele espiritual ou
social. Muitas vezes tal pergunta mostra-se supérflua, principalmente quando um
testemunho revela a integridade das raízes. Mas quando se apresentam distorções
ou desvios, quando o testemunho congela ou a vida principia a desaparecer,
então se torna necessário perguntar: quais são suas raízes?[44]
A construção do
pensamento político
Assim,
quando se levanta a pergunta pelas raízes do pensamento socialista, faz-se necessário
ir mais fundo, porque o socialismo é um movimento de mão dupla: de oposição à
sociedade burguesa, mas enquanto mediação uniu-se à sociedade burguesa na
oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do
socialismo possibilita entender as raízes do pensamento político que lhe deram
origem. Por isso, é necessário procurar pelas raízes do pensamento político no
próprio ser humano. Para ele, sem uma imagem do ser humano, de suas forças e
tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento. Sem
uma teoria do ser humano não se pode construir uma teoria das orientações
políticas.
Um dos conceitos
trabalhados por Tillich é especialmente importante para a construção de nosso
referencial teórico: o de socialismo religioso. O socialismo religioso,
teorizado por Paul Tillich, parte da consideração de que as forças demoníacas
da injustiça, do orgulho e da vontade de poder jamais serão completamente
erradicadas da história. Como conseqüência, o socialismo religioso acredita que
a corrupção da situação humana tem raízes mais profundas do que as meras
estruturas históricas e sociológicas.
“Como Kierkegaard, Marx fala da situação
alienada do homem na estrutura social da sociedade burguesa. Empregava a
palavra alienação (entfremdung) não do ponto de vista individual, mas social.
Segundo Hegel essa alienação significa a incursão do Espírito absoluto na
natureza, distanciando-se de si mesmo. Para Kierkegaard era a queda do homem, a
transição, por meio de um salto, da inocência para o conhecimento e para a
tragédia. Para Marx era a estrutura da sociedade capitalista”.[45]
Esta corrupção,
esta alienação, está encravada nas profundezas do coração humano.[46] Para o
socialismo religioso, por isso, o momento decisivo da história não foi o
surgimento do proletariado, mas o aparecimento do novo sentido da vida na
automanifestação de Deus. Essa é uma diferença central com o pensamento de Karl
Marx e do marxismo posterior. Para Tillich, é tarefa do socialismo religioso
fazer a crítica, trazer à tona as questões últimas e decisivas da sociedade.
Assim, o socialismo religioso se faz radical e revolucionário, porque vê a
crise social do ponto de vista do incondicionado e a partir do espírito crítico
do profetismo e com os métodos do marxismo é capaz de entender e transcender o
mundo atual.[47]
Em 1936, Tillich
explicou sua visão do socialismo religioso dizendo que não é de surpreender que
suas idéias anteriores sobre os papéis da religião e da cultura, sobre o
profano e o sagrado, sobre a heteronomia e a autonomia fossem incorporadas à
sua compreensão do socialismo religioso, que se tornou o ponto central de todo
o seu pensamento.[48] O socialismo
forneceu a Tillich fundamentos teórico e prático, quando se esforçou para
elaborar uma filosofia da história a partir da teonomia. Assim, ao analisar o
conceito de tempo histórico, enquanto diferente dos tempos físico e biológico,
desenvolveu um conceito de história, onde entrava um componente: o movimento em
direção ao novo, que é por sua vez exigência e espera. Esse conteúdo do novo em
direção à história, que se movimenta e que pode ser visto através dos
acontecimentos, ele chamou de “centro da historia”. E agregou: “do ponto de
vista cristão o centro é a aparição de Jesus, o Cristo”.[49]
Capítulo Três
As
correlações entre a religião e a política
Religião
e política, para Paul Tillich, não são realidades estanques, isto porque as
raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. Pensamento político é
a expressão de um ser político, de uma situação social. Não se pode entender o
pensamento quando se subestimam as realidades sociais das quais vem o
pensamento político.
As
raízes do pensamento político não podem agir com uma força igual em todo
momento e em todo grupo. Um ou outro pode predominar, depende de uma situação
social, grupos ou formas de dominação determinadas, pois dependem de estruturas
sociopsicológicas, da interação com a situação social objetiva. Assim, o
primeiro referencial é o ser. Nesse sentido, Tillich trabalha com uma
fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do
pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os
elementos não reflexivos do pensamento político.[50]
E a questão do ser, presente na teologia, leva a uma antropologia existencial.
Ora, a questão existencial é traspassada pela religião, que é a dimensão da
profundidade, o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano. A
metáfora profundidade significa que o aspecto religioso aponta em direção àquilo
que, na vida espiritual do ser humano, é último, infinito e incondicional. No
sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a
preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do
espírito humano. Assim, a religião constitui a substância, o fundamento e a
profundidade da vida espiritual do ser humano.[51]
Nem
sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno social, mas quando a
existência está sob risco, então é necessário perguntar quais são suas raízes?
É necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio ser
humano. Sem uma imagem do humano, de suas forças e tensões, não se pode dizer
nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. Sem uma
teoria do humano, não se pode construir uma teoria das orientações políticas.
Mas, o ser humano, diferente da natureza, é um ser dividido. Não importa saber
onde termina a natureza e onde começa o humano, não importa que a passagem
entre os dois se faça através de lentas transições ou por um salto. O
importante é que em determinado momento, a diferença ficou clara. Há, no
entanto, um processo vital indiviso, que desdobra a natureza sem interrogar nem
requerer, um processo que está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte
do que ele é. Assim, existe um processo vital que deseja saber sobre o humano,
e que coloca algumas questões para ele: já não é indiviso, mas também dividido.
É idêntico a si mesmo quando diante de si mesmo, no ato de pensar e de
conhecer. Mas não apenas isso.
O
ser humano tem consciência de si mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da
natureza enquanto ser que se desdobra, tornando-se um ser consciente de si
mesmo. A natureza ignora esta divisão. Por isso, o humano não é uma combinação
de duas partes autônomas, tais como natureza e mente ou corpo e alma, mas um só
ser, porém fendido em sua unidade. Estas determinações gerais levam a algumas
considerações no que se refere à pesquisa do pensamento político. Elas negam
qualquer dedução do pensamento político enquanto puro movimento de pensamento,
de exigências ético-religiosas, ou considerações ditadas por determinada
cosmovisão.
O
pensamento político vem do ser humano enquanto unidade. Está enraizada no ser e
na sua consciência, mais precisamente em sua unidade indissolúvel. É por isso
que não se pode entender um sistema de pensamento político sem contextualizar
seu enraizamento no ser humano enquanto ser social, ou seja, o imbricamento de
pulsões e interesses, os constrangimentos e as aspirações constituintes do ser
social. Mas também é impossível separar o ser de sua consciência, ou ver o
pensamento político como simples subproduto do ser. Assim, a consciência
estrutura todo o ser do homem, todo o ser social, em cada um de seus elementos,
inclusive as sensações pulsantes mais primitivas. Quando se tenta desfazer
laços passa-se ao largo da primeira e mais importante característica da
essência humana, o que produz uma distorção no quadro geral que ele faz de si
próprio, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência,
mas que não invalida a unidade do ser e da consciência. Isto porque, afirma, o
conceito de falsa consciência não é possível quando a coisa que se designa é
não conhecível. Assim, a consciência justa é uma consciência que emerge do ser
e ao mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o
humano é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as duas raízes de todo
pensamento político. O ser humano se encontra enquanto realidade dada, assim
como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa que não vem
de si mesmo, que não é sua própria origem. Conforme diz Heidegger, o humano é
um ser lançado. Esta situação leva o ser humano a colocar-se o problema da
fonte. O que mais tarde vai aparecer como questão filosófica. Mas tal discussão
é uma construção, e o mito apresenta a primeira resposta, enquanto determinante
para a discussão de conjunto.
A
origem é o que faz emergir. Este aparecimento dá lugar a algo novo, que não
existiu antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A
realidade que somos está colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão
entre o ser-posto e o ser-próprio. Mas, a origem não nos liberta. Não se pode
dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela
nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto
essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte.
As
concepções conservadoras e progressistas
A
concepção conservadora admite o surgimento do eterno no tempo, que repousa no
passado. Por essa razão nega toda mudança, presente ou futura.[52] A força dessa
concepção repousa no fato de que considera o eterno como dado e não como
resultado da ação cultural e religiosa do ser humano.
Paul Tillich ao
falar da plenitude do tempo no evento Jesus, explica a construção de sua
concepção de kairós: um tempo carregado de tensão, de possibilidades e
impossibilidades, qualitativo e rico de conteúdo. Nem tudo é possível sempre,
nem tudo é verdade em todos os tempos, nem tudo é exigido em todo momento.
Diversos mestres, diferentes poderes cósmicos, reinam em tempos diferentes, e o
Senhor que triunfa sobre anjos e poderes, reina no tempo pleno de destino e de
tensões, que se estende entre a Ressurreição e a Segunda vinda. Ele reina no
tempo presente que, em sua essência, é diferente dos outros tempos do passado.
É nessa viva e profunda consciência da história que está enraizada a idéia de
kairós, e é a partir dela que deve ser elaborado o conceito de uma filosofia
consciente da história.[53]
A concepção conservadora também reconhece o kairós, mas o situa no passado.
Desconsidera que se aconteceu no passado como acontecimento único, é ele quem
se revela em todos os sim e não do passado, do presente e futuro.
Sob tal visão repousa o pensamento político conservador. Perdeu o sentido
supratemporal do kairós.[54]
O
mito expressou com profunda riqueza este estado de coisas, com o testemunho de
objetos e eventos nos quais o grupo humano percebe sua origem. Em todos os
mitos ressoa a lei cíclica do nascimento e da morte. Todo o mito é mito da
origem, responde à pergunta da providência e conta porque somos segurados na
origem e estamos debaixo de seu império.[55] A consciência
mítica original é a raiz de todo o pensamento político conservador e romântico.
A consciência mítica não apresenta a origem de
forma abstrata, mas concreta, sob a forma de poderes originais determinados. A
existência humana distinta e suas origens são diferentes, assim como o são os
poderes da origem, percebidos no mito e atualizados no culto. Porém, é possível
operar alguns reagrupamentos significantes de poderes originais que têm uma
grande importância política. [56]
Embora
haja pontos de contato entre os conceitos expressos por Paul Tillich e o
pensamento marxista, principalmente no que se refere à construção de um
pensamento político conservador, é interessante ver as diferenças. Para
Marilena Chauí, filósofa brasileira, o mito deve ser entendido enquanto
conceito antropológico, no qual a narrativa é a solução imaginária para
tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem
resolvidos no nível da realidade.
Um mito fundador é aquele que não cessa de
encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e
idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a
repetição de si mesmo.[57]
Dessa maneira, para Chauí, o mito é falsa consciência. Mas o
ser humano vai além do colocar-se como realidade dada, vai além do saber
colocar-se diante do ciclo do nascimento e a morte. Faz a experiência de uma
exigência que separou o imediato da vida e o leva a colocar-se diante da
pergunta da providência uma outra pergunta: por que? Esta pergunta
quebra o ciclo de uma maneira fundamental, eleva o ser humano acima da esfera
do simples viver. Porque é a exigência de algo que não está aí, que tem que se
tornar realidade. Quando se faz a experiência desse tipo de exigência não se
está mais colado à origem. Vai-se além da afirmação do que já está. A exigência
nomeia o que deve ser. E o que deve ser não é determinado com a afirmação
daquilo que já é, disso que é, significa que tal exigência impôs ao ser humano
o incondicionado. O por que não está dentro dos limites da fonte. É o
incondicionalmente novo. Através desse por que o ser humano deve
alcançar algo de incondicionalmente novo. Este é o sentido da exigência, quando
o humano, por ser dividido, faz esta experiência. Ele detém um conhecimento
próprio, por isso é possível ir além da realidade, além daquilo que o cerca.
Tal é a liberdade do ser humano: não que ele tenha uma vontade livre, mas não
está preso, enquanto humano, ao que está dado. O ciclo do nascimento e morte
foi quebrado, sua existência e sua ação não estão amarradas na simples
propagação de sua origem. Quando esta consciência se impõe, são rasgados os
laços da origem, o mito original está quebrado. A ruptura do mito original pela
exigência incondicional é a raiz do pensamento político liberal, democrático e
socialista.
A
concepção progressista considera o eterno um alvo infinito, existente em cada
época, mas que não se apresenta enquanto revolução. Assim, os tempos tornam-se
vazios, sem decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma
tensão diante do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível a
debilita e produz um compromisso continuado com o passado. A concepção
progressista não oferece nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em
progresso mitigado, em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há
nenhuma responsabilidade última. Este progressismo mitigado é a atitude
característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é
a supressão do não e do sim incondicionais, a supressão do
anúncio da plenitude dos tempos. É o verdadeiro adversário do espírito
profético.[58]
A exigência que o ser humano faz na experiência diante do incondicionado não é
estranha a ele. Se fosse estranha à sua essência, não lhe seriam concernentes e
ele não poderia discernir tal coisa como exigência. Se ela lhe toca é porque
coloca diante de seus olhos sua essência enquanto exigência. Funda-se a
incondicionalidade, a irrevogabilidade com que o dever-ser aborda o humano e
exige ser afirmado por ele. Se a exigência é a própria essência do humano,
então ela encontra seu fundamento na sua origem, e então a providência e o
destino não pertencem a mundos diferentes. Ainda, diante do original, o que é
requerido é o incondicionalmente novo. Assim, a origem é ambígua. Há nela uma
separação entre origem verdadeira e a origem real. O que é realmente original
não é o que é original de verdade. Dessa maneira, a realização da origem é esta
exigência e este dever-ser pelo qual o humano é confrontado. O por que
do ser humano é a realização da sua providência. A origem real é negada pela
origem verdadeira; mas certamente, não é uma pura e simples negação. A origem
real tem que levar à verdadeira, ela é sua expressão, mas também disfarce e
distorção. A pura consciência mítica original ignora todas as ambigüidades da
origem. É por isto que esta consciência está presa à origem e considera
sacrilégio toda a ultrapassagem da origem. Só a consciência que, fazendo a
experiência da exigência da incondicionalidade, se livra dos laços de origem e
se apercebe da ambigüidade da origem.
A
exigência quer a realização da origem verdadeira. Porém o ser humano não recebe
uma exigência incondicionada de outros. É no reencontro do "eu e
você" que a exigência torna-se concreta. Seu conteúdo é reconhecido no
você com a dignidade do "eu", a dignidade para ser livre, portador da
realização daquilo que apontada à origem. Reconhecer no você uma dignidade
igual a do eu, isto é justiça. A
exigência que nos arrasta à ambigüidade da origem é a exigência de justiça.
A origem não rompida conduz a poderes em tensão que procuram a dominação e
destroem um ao outro. Quando a origem é rompida vem o poder do ser, o declínio
dos poderes que expiam e são julgados por seu sacrilégio, de acordo com a ordem
do tempo, como já evocou a filosofia grega. A exigência incondicional eleva
acima deste ciclo trágico. Diante do poder e da impotência do ser, opõe a
justiça, que provém do dever-ser. Mas essa teoria tillichiana de uma justiça
criativa não deve levar aquele que a pratica ao esquecimento das violências do
passado, quando grupos se lançaram uns contra os outros, mas nos opormos a
essas ações e outras semelhantes, pois o amor pode ir além da separação, não
ignorando diferenças, mas dirigindo as partes aos valores mais elevados. Esse é
o desafio da justiça criativa: trabalhar a partir das relações pessoais e
comunitárias para sobrepujar os problemas do passado e as estruturas
existentes, a fim de desenvolver novos modelos de relacionamento e criar leis
novas que contribuam para unir as pessoas e os povos, e aumentar o poder. A
justiça criativa constitui a última interrelação do amor, do poder e da
justiça, mas podemos senti-la e mesmo experimentá-la de maneira fragmentária e
momentânea, em meio às ambigüidades da vida. A justiça criativa põe em
evidência o poder transformador do amor.[59] Portanto, não
há oposição entre justiça e poder, porque o dever-ser é a realização do ser. A justiça é o verdadeiro poder do ser.
Nisto se torna realidade o que é apontado na origem. Na relação entre os dois
elementos da existência humana e as duas raízes do pensamento político, a
exigência predomina sobre a pura origem, e a justiça, sobre o puro poder do
ser. A pergunta do por que é superior
à da providência. O mito original não deve representar no pensamento político
mais do que uma crença rompida, uma crença desvelada. Esse é o caminho da
utopia. Sem o espírito utópico não há protesto, nem crítica profética. Para Tillich, esse espírito profético está envolvido
na situação histórica concreta, tem coragem de decidir e colocar-se sob
julgamento ao nível do particular, sem
esquecer que sua relação aponta ao incondicionado, e que o ponto mais elevado
que é possível alcançar no tempo está submetido ao não. Por isso, o espírito
profético não deve perder a audácia do não
e do sim concretos.
A
utopia e o kairós
Isto
é verdade porque cada tensão orientada para adiante comporta uma representação
daquilo que deve vir e de como se entende a realização desse ideal. A utopia
está presente em todo agir incondicionalmente orientado à transformação do
presente.[60]
A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o
tempo e todos seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à
decepção. Progresso mitigado é o resultado da utopia revolucionária
desencantada.
A
idéia do kairós nasce da discussão com a utopia.[61] O kairós
comporta a irrupção da eternidade no tempo, o caráter absolutamente decisivo
deste instante histórico enquanto destino, mas tem a consciência de que não
pode existir um estado de eternidade no tempo, a consciência de que o eterno é,
em sua essência, aquele que faz a revolução no tempo, sem, contudo, fixar-se
nele. Assim, a realização da visão profética se encontra além do tempo.[62]
Metodologicamente, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que
vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro,
deve entender que há no espírito profético da responsabilidade inelutável um
choque entre este kairós e a utopia,
que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente. E é a partir dessa compreensão do que significa o
espírito da profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, mas agora com
novos conteúdos, construído enquanto responsabilidade inetulável.[63] Kairós significa tempo concluído, o instante
concreto e, no sentido profético, a plenitude do tempo, a irrupção do eterno no
tempo. Kairós não é um momento qualquer, uma parte do curso temporal: kairós é o tempo onde
se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo do destino.
Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma
decisão inevitável é considerá-lo
enquanto espírito da profecia. Tal desafio não pode ser resolvido por um
homem ou por uma mulher, por mais que encarnem o espírito da profecia. O
sujeito da transformação será, em última instância, a massa.
Essas
duas raízes do pensamento político mantêm entre elas uma relação que é mais do
que simples justaposição. A exigência predomina na origem. Considerando as
várias tendências políticas, não se pode supor que elas sejam atitudes humanas
justificadas. Onde são requeridas decisões, o conceito tradicional de realidade
não é aplicável, diferente de quando estamos diante de uma exigência do
incondicionado.
Ninguém
pode entender o socialismo se não experimentar a exigência de sua justiça como
uma exigência do incondicionado. Quem não é confrontado pelo socialismo não
pode falar do socialismo, a não ser enquanto expressão que vem do exterior.[64] Não pode falar
dele porque é contrário às tendências políticas que defende. Aí está o nó da
origem. Mas, todo sistema político requer autoridade, não só no sentido de
possuir instrumentos de força, mais também em termos de consentimento tácito
das pessoas. Tal consentimento só é possível se o grupo que está no poder
representa uma idéia poderosa, que goze de significado para todos. Existe,
pois, na esfera política uma relação entre a autoridade e a autonomia. Toda estrutura política pressupõe poder[65]
e um grupo que o assume. Mas um grupo de poder é também um conglomerado de
interesses opostos a outras unidades de interesses e sempre necessita uma
correção. A democracia está justificada e é necessária na medida em que é um
sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política.[66]
Assim, religião e política não são realidades estanques, porque as
raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. Religião e política
estão imbricadas, mas não existem sem a necessidade de correção, ou seja, da
democracia,[67]
enquanto grupo no poder.
Capítulo Quatro
Cristianismo e
socialismo: aproximações e assimetrias
Para Tillich, o
cristianismo tem mais afinidades com determinadas formas de organização social
do que outras, pois tem por base uma ética calcada no amor, que possibilita um
objetivo estável para os grandes desafios sociais: reunir o que está separado e
mudar o que não deve ser. A separação toma diferentes formas através dos
tempos, das relações e das circunstâncias. O amor deve, como conseqüência,
partir da intuição criadora para superar a separação. Não pode se contentar com
velhas receitas, deve imaginar sempre novas soluções. Não pode ficar preso aos
mandamentos, as leis, as regras, e embora parta delas e seja inspirado por
elas, deve modificá-las e atualizá-las em função das novas situações que se
apresentam.[68]
A ética do amor leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem
social que se apóia na opressão e na exclusão social: faz a crítica da ordem
social que está erigida sobre o egoísmo político/econômico, e proclama a
necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade seja o
fundamento da organização social.[69] O amor
denuncia o egoísmo da economia das multinacionais[70] e dos governos
que servem à elas, que levam à expropriação de muitos em benefício de poucos, e
propõe uma economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do
próprio trabalho. E condena o egoísmo de classe, onde cada qual procura
enriquecer através da exploração de seu próximo, e as conseqüências desse
processo, como o privilégio da educação para uma elite. Mas nega também a
afirmação da luta de classes enquanto princípio e propõe a supressão das
classes, o fim dos privilégios na educação e da exploração de setores
profissionais por outros.[71]
O amor condena
também o egoísmo internacional da força e do comércio, que justifica a
violência e a guerra sobre povos, nações e continentes. Assim, a ética do amor
prega a submissão dos povos, sejam ricos ou pobres, à idéia do direito, e à
construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a um
internacionalismo real entre as nacionalidades. Muitos dirão que eliminar o
egoísmo como forma de estímulo econômico, afirma Tillich, diminuirá o
desenvolvimento e reduzirá a produção. No entanto, para ele, a partir do amor,
vemos que o ser humano não foi criado para a produção, mas a produção para
suprir necessidades humanas e que, por isso, o objetivo da economia não é a
produção da maior quantidade possível de bens para uma classe em particular e
sim a produção de bens necessários à vida para o maior número de pessoas.
Rupturas
espirituais e econômicas
Para Tillich, na
história, uma ruptura espiritual vem sempre associada a uma ruptura econômica,
da mesma maneira que um processo de unidade espiritual vem associado a um
processo de unidade econômica. A alma dessa unidade espiritual é a religião. O
fracionamento espiritual característico de determinadas épocas traduz
fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E naquelas
épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma nova base
de unidade e solidariedade social e econômica. Nesse sentido, há um processo de
desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que combina
mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais
circunstâncias, para Tillich, o cristianismo está eticamente obrigado a fazer
uma escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse
desenvolvimento ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se
da vida real das comunidades nas quais está inserido.[72]
Em artigo
publicado em Das neue Deutschland,[73] em 1919,
Tillich disse que o socialismo é o produto da evolução espiritual e econômica,
que foi lentamente preparado e que se impõe com a Renascença, a Reforma e no
surgimento do capitalismo. Visão que é compartida por teóricos marxistas, como
Gramsci, por exemplo.
“A filosofia da
práxis pressupõe todo este passado cultural, o Renascimento e a Reforma, a
filosofia alemã e a revolução francesa, o liberalismo laico e o historicismo;
em suma, o que está na base de toda concepção moderna da vida”.[74]
Assim, o
socialismo surge em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média,
sedimenta suas bases nas criações culturais dos últimos séculos, e só pode ser
compreendido a partir desta evolução: sua permanência está ligada a esse
desenvolvimento. Mas não devemos esquecer, porém, que é do interior do
cristianismo que brota o socialismo e aqueles que defendem o socialismo devem
defender também os princípios sobre os quais ele repousa. [75]
A organização
espiritual e econômica da Idade Média estava fundada sobre um sistema de
centralização da autoridade que associava a natureza e o supranatural numa
unidade poderosa.[76] Ou, como diz
Costa, não distinguia aparência de essência. Ela era a substância mesma do que
significava viver. Foi o romanticismo de Rousseau, a educação burguesa e a
invenção do “homem trabalhador” que reduziram a sociabilidade em dois domínios
separados: um domínio afetivo, interpessoal, no qual podemos ser sinceros e
honestos, e um domínio público, impessoal, no qual dissimulamos o que sentimos
para melhor exercer a função de cidadão.[77] Mas foi a
Reforma, sustentada pela visão humanista que surgiu com a Renascença, que
golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o plano formal ao recorrer à
autoridade das Escrituras e no plano material valorizou a subjetividade da
consciência individual. E a Revolução francesa, em 1789, propôs ao mundo um
novo tipo de sociedade.[78] A França
tornou-se o primeiro país da Europa a viver uma realidade politico-social até
então inédita, que transformaria de alto a baixo a vida da Igreja cristã. Na
verdade, a Igreja já tinha vivido crises, como a da Reforma protestante, mas
mesmo esta tinha acontecido no âmbito da consciência cristã. Agora, a partir da
Revolução surgia uma sociedade que não tinha como fundamento as evidências ou
afirmações de fé da Igreja. Ao contrário, a França e, por extensão, a Europa
escolhiam o caminho oposto, da secularização, que tem por base o ideal triplo
de liberdade, igualdade e fraternidade. Nesse caso, a nova sociedade buscou uma
razão cujos ideais aparentemente eram estranhos à revelação.[79]
Apoiado
formalmente sobre as Escrituras, o protestantismo eclesiástico engendrou novas
contradições, mas o sistema centralizado de autoridade já estava em frangalhos.
Coube ao indivíduo decidir a que grupo ele queria ligar-se. Por causa das
guerras religiosas, essa realidade viveu um processo lento, transmitindo a cada
lado a esperança de que poderia chegar a uma vitória exclusiva. Mas com o fim
dos combates o que se viu foi que as oposições às confissões se tornaram
permanentes. Dessa maneira, brotou o espírito autônomo nos mais variados
campos: a consciência européia ocidental se tornou adulta, atacou as muralhas
autoritárias das confissões e não deixou subsistir sob o solo protestante nada
mais que os destroços do constrangimento autoritário.[80] Para Tillich,
o pensamento cartesiano deu um golpe decisivo no autoritarismo eclesiástico ao
afirmar que a certeza que eu tenho de mim mesmo é o princípio de toda certeza
objetiva. Embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo,
somente, que se enraíza a certeza. Assim, no século XVIII uma profunda mudança
de mentalidade teve lugar na cultura européia, que foi dominada por um apaixonado
desejo de felicidade, de confiança no progresso sem limites e em projetos para
transformar o ser humano e a sociedade. Nesse processo, a autonomia da razão
era olhada como fonte de tolerância e maturidade, e única norma para a
liberdade. Tal mudança fixou aspirações e projetos, unidos ao sentimento de que
o ser humano havia arrancado das mãos de Deus o conhecimento da natureza e a
partir daí definiria a condução de seu próprio destino.[81] E o Iluminismo
tirou suas conclusões: toda tradição deve ser submetida à crítica. Mas se o
racionalismo levou ao Iluminismo, possibilitou também o surgimento de novos
movimentos religiosos, como o pietismo, que surgiu na Europa continental. O
pietismo levou a um novo interesse pelo estudo das Escrituras, pela ação e função
do Espírito Santo, gerando um avivamento da igreja luterana na Morávia. Este
avivamento alastrou-se pelo continente, pela Inglaterra e chegou aos Estados
Unidos. O conde de Zinzendorf (1700-1760) e o teólogo August Spangensberg,
assim como o pietismo morávio de conjunto, influenciaram John Wesley
(1793-1791), fundador do Metodismo e um dos líderes do avivamento na
Inglaterra.[82]
Assim, a partir do Iluminismo, no domínio espiritual, político, econômico, nada
ficou de positivo que não fosse pensado, confrontado com a consciência
pensante, medido e negado. Os sistemas de fé, as formas de Estado, as
definições econômicas sofreram o assalto da autonomia, que não teve nenhum
respeito pelas autoridades estabelecidas. Lamentou-se a perda do sistema de
autoridade ou festejou-se tal acontecimento como um passo em direção à
maturidade cultural. De todas as maneiras, deu-se o reconhecimento de que a
vida cultural não pode ser pensada sem autonomia. Líderes e camponeses tiveram
o mesmo sentimento, conquistar a liberdade das mãos do autoritarismo
irracional, fosse ele imanente ou transcendente. Esse é um fato fundamental que
o cristianismo deve levar em conta.[83]
Do
lado positivo, a autonomia significou o reinado da razão. Pela primeira vez,
depois de um milênio e meio, a razão humana não via limites para seu poder.
Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural e social,
simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos apresentava um
sistema novo, racional. O pensamento moderno, que surgiu com o fim da Guerra
dos Trinta Anos na Europa continental e da revolução puritana na Inglaterra,
deu origem à filosofia racionalista, à ciência empírica e ao formalismo
religioso. Este último, durante quase um século predominou no Velho Mundo e na
jovem América. Para entender o empirismo e o racionalismo é importante notar
que a partir do final da Idade Média o conhecimento científico começou a
desenvolver-se numa velocidade até então desconhecida. Nicolau Copérnico
(1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René
Descartes (1596-1650), Sir Isaac Newton (1642-1727), John Locke (1632-1704)
foram cientistas e filósofos que mudaram a maneira do mundo pensar. Cada vez
mais, o mundo buscava as razões naturais, compreensíveis à razão.[84] O universo
deixava de ser um desconhecido e tornava-se máquina movida por leis
mensuráveis. Depois de séculos de arbítrio, os homens foram possuídos por uma
vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.
Mas também a
vida econômica deve ser formulada racionalmente. Assim, antes de Marx, Henri
Saint-Simon, com seu trabalho Sisteme Industriel, apresentou pela
primeira os princípios de uma teoria econômica que deveria pouco a pouco
substituir a velha religião, [85] pois não é o
interesse de certos indivíduos ou povos que deve fazer a lei, mas é a
humanidade inteira,[86] que é sujeito
e objeto dos processos econômicos, quem deve fazê-lo a partir de critérios
racionais. A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a partir da razão
precisa construir um mundo sem arbítrio. Eis um segundo fato que o cristianismo
não pode esquecer[87]. Mas, explica
Tillich, sem dúvida foi Marx[88] quem
introduziu o pensamento histórico objetivo do idealismo alemão no socialismo,
ao dizer que a razão precisa ser separada da decisão humana e colocada ao nível
das necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é uma
fé na razão:[89]
uma fé que adquire uma força enorme graças à sua amarração metafísica objetiva
e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas.[90]
Foi o processo
da própria história que fez o mundo conformar-se à razão e levou este combate a
tornar-se vitorioso. E foi essa vitória que deu cara ao mundo que conhecemos
como moderno. Para Tillich, a fé na razão está fundamentada sobre os resultados
conquistados pela ciência da natureza. Aqui, no entanto, devemos acrescentar,
como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que
são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”.[91] E atrás da
ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de várias maneiras a
partir do fim da Idade Média, ela surge com uma força irresistível na
Renascença e conduziu a uma afirmação alegre deste mundo, que durante muito
tempo foi negado e rebaixado por um outro mundo, sombrio e místico.[92] Os outros
mundos empalideceram diante da validade universal das leis da natureza, diante
da beleza do real redescoberta na arte, diante da consciência de unidade do
finito e do infinito na filosofia da natureza.[93] É assim que a
imanência ressoa no humanismo e na filosofia das Luzes, com Goethe e no
idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se une à consciência da
autonomia[94]
e à fé do poder formador da razão na construção de um sentimento unitário da
vida e do mundo. Este é o terceiro fato[95] que o cristianismo
deve levar em conta.
Originalidades
do socialismo
Se o socialismo
é, nesse sentido, uma herança da cultura universal, ele tem, no entanto, uma
originalidade que não se restringe aos conceitos, mas à experiência vivida. O
conceito de humanidade, diz Tillich, que manifesta a vitória da idéia de
tolerância, não teve na evolução da burguesia mais que uma realização
acidental. A consciência da humanidade é neutralizada pela consciência de
classe, educação e de dependência nacional. A humanidade se colocou antes de
tudo no campo das confissões, sob formas absolutamente contrárias à idéia de
uma transformação racional do mundo. Foi somente pela pressão sobre os
trabalhadores nos primeiros decênios do moderno capitalismo, que nasceu uma
consciência solidária, no coração da qual está presente o sentimento universal
de humanidade, que se opõe àquele que vê no ser humano um meio e não um fim. O
combate contra o feudalismo, o capitalismo, o nacionalismo e o confessionalismo
constituiu a expressão negativa da consciência incondicional de humanidade, que
derruba barreiras e reconhece o humano em cada homem e mulher. Este é o quarto
fato que o cristianismo deve levar em conta.
O que fica claro
é que autonomia e socialismo são processos históricos que se complementam, mas
que não são idênticos. O processo de autonomia vivido pela sociedade européia
no período que se abre a partir do Iluminismo e que põe em xeque a tradição e o
autoritarismo, servirá de base para a ação socialista. E a autonomia será o
momento supremo da razão e da imanência[96] e é a partir
daí que o socialismo vai construir um sentimento unitário da vida e do mundo. A
luta dos trabalhadores contra a alienação e exclusão social vai gerar
consciência solidária e sentimento universal de humanidade. Mas, ainda assim,
ao se limitar ao campo da autonomia, sem uma atitude que permita à
incondicionalidade apoderar-se da própria autonomia, o socialismo deixa aberto
o caminho para o autoritarismo e o arbítrio. Assim os elementos formadores do
movimento socialista são fundamentais para a compreensão das relações entre
cristianismo e socialismo. Eles abrem a possibilidade para um diálogo
construtivo entre cristianismo e socialismo.[97]
A
pergunta sobre as possíveis relações entre protestantismo e socialismo exige
definições sobre a religião cristã e o socialismo. Não podemos esquecer que
ambas correntes de pensamento sofreram diferentes interpretações, que derivaram
dos diferentes usos que se fizeram de ambas. Em nome do cristianismo foram
violados e esquecidos os direitos mais elementares dos seres humanos nas
diferentes fases da história. O mesmo aconteceu com o socialismo.[98] Talvez por
isso tenha sido tão difícil estabelecer um diálogo entre ambas concepções.
Porém, tanto na história do cristianismo, como na história do socialismo
moderno há características coincidentes. Claro que não é de nosso interesse
neste livro analisar as duas histórias, mas é necessário realçar os elementos
que estão presentes nessas duas maneiras de pensar, em especial, a crença na capacidade
do ser humano para transformar sua própria realidade. Assim, a questão humana é
uma das linhas condutoras desse diálogo possível. Mas tal diálogo deve ir além
do ser humano abstrato para pousar sobre o companheiro histórico que faz sua
história e se revela quando confrontado com a alienação e a opressão. Quando
falamos do cristianismo temos que entender sua antropologia, que apresenta o
ser humano como transformador e revolucionário, tradição que remonta ao
judaísmo antigo. A partir da recuperação da tradição profética é possível
entender a antropologia cristã enquanto procura da emancipação humana. A
leitura social dos textos véteros e neotestamentários, que descrevem movimentos
proféticos, são rastros que remetem ao reino de Deus na terra, que segundo
Tillich, não somente existencializa a reflexão teológica, mas apresenta a
salvação e a fé como imperativos ontológicos.
Mas aqueles
sistemas religiosos erigidos sobre o princípio da autoridade centralizada, só
podem se opor a um movimento autônomo como o socialismo.[99] Pois, são
opostos na medida em que tal sistema se afirma enquanto sistema de autoridade.
Eles se colocam como opostos mesmo quando tal sistema aceita as exigências do
socialismo em matéria de economia política. Para o catolicismo da Contra-Reforma
continua a ser determinante a ética social do tomismo, estabelecida de maneira
autoritária.[100]
Ela permite uma ampla margem de manobra, mas a unidade desse catolicismo impõe
limites bem definidos, que uma doutrina econômica autônoma tem dificuldades de
reconhecer.[101]
Da mesma maneira, o protestantismo, embora tenha quebrado o sistema de
autoridade em seu princípio-base e dado voz à autonomia, erra ao considerar de
forma heterônoma as palavras de Jesus. Do ponto de vista histórico, os fatos
não são simples, porque Jesus não levantou, de fato, nenhum esboço de programa
de reforma social, embora, convencido da revolução iminente do reino de Deus
tenha apresentado aos seus discípulos as conseqüências do mandamento do amor.
Sobre essa relação que envolve reino de Deus e justiça, Tillich dirá que “o fim está limitado à eternidade e nenhuma
imaginação pode atingir o eternal. Mas antecipações fragmentárias são
possíveis. A própria Igreja é uma antecipação fragmentária. E há grupos e
movimentos, que embora não pertençam à Igreja visível, representam algo que
podemos chamar de Igreja latente. Mas nem a Igreja visível, nem a Igreja
latente são o reino de Deus”.[102] Por isso,
deve-se reconhecer que no terreno da autonomia, a justiça social não depende de
sua conformidade às Escrituras,[103] mesmo quando
é apresentada sob a autoridade das palavras de Jesus. Assim, para Tillich, o
socialismo pode ter por base, num determinado contexto, um sólido apoio
psicológico a seu favor, enquanto convicção pessoal, que não nasce da autoridade
imposta. Para ele, quando os laços do cristianismo e do socialismo estão
fundamentados de maneira heterônoma sobre as palavras de Jesus ou das
Escrituras, não há um protestantismo autêntico, mas uma legalidade sectária.
Isto porque o protestantismo como essência é autônomo.
Seja
qual for a opinião sobre a relação entre cristianismo, capitalismo e
socialismo, um fato deve ser ressaltado: é possível e necessário para o
cristianismo manter um relacionamento com todas as formações econômicas e
sociais, em especial com o socialismo, já que a rejeição do princípio
socialista em nome do cristianismo contradiz a universalidade do cristianismo.[104] E se o
cristianismo não somente pode, mas deve manter um relacionamento com o
socialismo, devemos nos perguntar se o contrário da premissa é verdadeiro: pode
e deve o socialismo ter um relacionamento construtivo com o cristianismo?
Embora, haja razões históricas para criticar a Igreja, o socialismo erra quando
nega a existência da base solidária e comunitária do ideal cristão, tal como
pode ser percebida na pregação do Jesus apresentado nos Evangelhos. Quer dizer,
ainda há em setores do socialismo uma hostilidade contra o cristianismo.
Hostilidade esta que fere a ética socialista, tão próxima daquela proposta
pelas comunidades cristãs dos primeiros séculos. Se as idéias socialistas não
traduzem nenhuma oposição essencial, de princípio, com o cristianismo e com a
Igreja que vive o princípio protestante, os cristãos podem sem nenhum temor ter
uma atitude positiva em relação ao socialismo.[105]
Atitude positiva
deve ser entendida como a realização do princípio do amor cristão, que entende
a necessidade de eliminar as condições que geram miséria e exclusão. Tal
atitude traduz a urgência de combater os fundamentos do egoísmo econômico e de
ações para a construção de uma outra ordem social, que sem deixar de ser
globalizada, inclua periféricos e excluídos. Isto porque o socialismo não é só
tarefa e necessidade de operários e trabalhadores fabris, mas um ideal ético
que traduz anseios e esperanças dos mais variados setores da sociedade. Ou, nas
palavras de Tillich:
O
socialismo que nós queremos é aquele que coloca na teoria e na pratica a
pergunta pela possibilidade de que a vida tenha sentido para todas as pessoas e
todos os grupos da sociedade. Esse socialismo procura responder a essa pergunta
tanto no plano da realidade como no do pensamento. Um tal socialismo é mais que
um simples movimento político, e mais que um simples movimento proletário. É um
movimento que procura apreender cada aspecto de vida e cada grupo da sociedade.
Tem uma pretensão universal que não exclui ninguém. Quando tomamos isso em sua
profundidade última, também é necessário tomá-lo em sua universalidade. Deve
então tornar-se o fundamento da ação espiritual de transformação política, quer
dizer a ação que leva a tudo aquilo que o socialismo pode ser.[106]
O marxismo e o socialismo religioso
Para muitos, a concepção materialista da
história nega a possibilidade dessa aproximação. Mas se entendemos que em Marx
esta concepção de fato não é materialista, mas econômica, conforme afirma
Tillich, vemos que ela mostra somente uma relação de causalidade entre
fundamento econômico e organização espiritual da cultura.[107] E, ao contrário, tal fundamento dá as ciências
do espírito uma possibilidade metodológica fecunda, que não tem nada a ver com
ateísmo ou materialismo. As doutrinas de Marx sempre foram discutidas com
seriedade como parte da fundamentação teórica do socialismo religioso. E na
maioria dos casos, como resultado disso, muitos religiosos rejeitaram o
marxismo, enquanto outros o aceitaram parcialmente ou até mesmo transformaram
essencialmente as doutrinas de Marx. Mas para Tillich, é importante que a fé enquanto
experiência da incondicionalidade apóie a vontade de dar forma ao mundo e a
livre do vazio de uma simples tecnificação do mundo. Assim, o
espírito religioso estaria vivo no movimento socialista, enquanto vibração
religiosa que circula através das comunidades. E essa santificação da vida
cultural no socialismo, para o teólogo, é uma herança cristã, que lhe transmite
coragem e vida.
Ao buscar as
raízes antropológicas do socialismo, Tillich achou um aliado nos textos do
jovem Marx, especialmente nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
publicados por J. P. Mayer e Siegfried Landshut, dois colaboradores do Neue
Blätter für den Sozialismus, jornal socialista religioso co-editado por
Tillich.[108] Ele descobriu o Marx humanista, que contrasta
com o Marx da maturidade, voltado para a leitura econômica da realidade.[109] Porém,
resistiu à tendência de lançar um contra o outro, afirmando que o Marx real
deve ser visto no contexto de seu próprio desenvolvimento. Mas, há uma razão
para se fazer a crítica teológica de Marx, e esta é exatamente a impressionante
analogia estrutural existente entre a interpretação profética e a interpretação marxiana da história.
Para Tillich, a resistência ao impacto da catástrofe histórica é tarefa
profética, que deve elaborar uma mensagem consciente, de esperança. Nesse
sentido, o princípio profético envolve um julgamento e relaciona este
julgamento com a situação humana inteira, não deixando de lado nenhum aspecto
da existência. O espírito crítico da profecia leva, sob o capitalismo, ao
princípio da autonomia protestante. O que fica óbvio, em situações-limite, que
ameaçam à vida. E porque a situação do proletariado não é algo opcional, que
podemos considerar ou não; Tillich diz que devemos nos perguntar, se “o
socialismo não representa certo tipo religioso especial, originado no
profetismo judaico que transcende o mundo dado e vive na expectativa de uma
‘nova terra’ — simbolizada na sociedade sem classes, numa época de justiça e
paz”.[110]
O princípio
profético e Marx partem de interpretações capazes de ver sentido na história.
Para essas duas leituras da realidade, a história vai na direção de um alvo,
cuja realização dará sentido a todos os eventos vividos. E se a história tem um
fim, tem também um começo e um centro, onde o sentido da vida se torna visível
e possibilita a tarefa de interpretação, tanto do profeta como do militante
socialista. Assim, para o profetismo e para o pensamento marxiano, o conteúdo
básico da história encontra-se na luta entre o bem e o mal. As forças do mal
são identificadas como injustiça, mas podem ser derrotadas. Esta interpretação
cria nos dois casos certa atmosfera escatológica, visível na tensão da
expectativa e no direcionamento para o futuro, coisa que falta completamente em
todos os tipos de religião sacramental[111] e mística. O
profetismo e o marxismo atacam a ordem vigente da sociedade e a piedade pessoal
como expressões do mal universal num período específico.[112] Ora, há um
desafio ético, apaixonado, como afirma Tillich, das formas concretas de
injustiça, que levanta um protesto, o punho ameaçador, contra aqueles que são
responsáveis por este estado de coisas. Assim, o espírito profético e Marx
colocam os grupos governantes sob o julgamento da história e proclamam a
destruição desses grupos. Tanto o profetismo como o pensamento marxiano
acreditam que a transição do atual estágio da história em direção a uma época
de plena realização se dará através de uma série de eventos catastróficos, que
culminará com o estabelecimento de um reino de paz e justiça. Dessa maneira, o
espírito profético e o marxismo são portadores do destino histórico da
humanidade e agem como instrumento desse destino por meio de atos livres, já
que a liberdade não contradiz o destino histórico. Mas, a analogia estrutural
entre o espírito profético e o pensamento de Marx não se limita à interpretação
histórica, mas se estende à própria doutrina do homem. É uma semelhança,
inclusive, que vai além de uma cosmovisão profética do homem, que se apresenta
como doutrina cristã do homem.
O ser humano, para Marx, não é o
que deveria ser, sua existência real contradiz seu ser essencial. Marx nos Manuscritos
econômico-filosóficos de 1844 escreve: "quanto mais produz o
operário com seu trabalho, mais o mundo objetivo, estranho que ele cria em
torno de si, torna-se poderoso, mais ele empobrece, mais pobre torna-se seu
mundo interior e menos ele possui de seu". Ao partir de sua
preocupação central, o estudo da economia política de seu tempo, Marx diz que
"a miséria do operário está em razão inversa do poder e da grandeza de
sua produção".[113]
Mais produz, maior é a sua miséria. Assim, a produção não faz apenas do ser
humano mercadoria (a mercadoria humana), mas o faz também ser espiritual e
fisicamente desumanizado... Se o desenvolvimento das forças produtivas ao mesmo
tempo em que desenvolve as possibilidades humanas cria a reprodução da
desumanidade, evidenciam-se os limites antropológicos e existenciais de tal
desenvolvimento, já que toda relação social não se dará apenas através de uma
elevação espiritual, mas de movimentos que deixam em aberto as possibilidades
para a própria destruição do humano. A
idéia da queda está presente no marxismo. Já que se o ser humano não caiu de um
estado de bondade original, caiu de um estado de inocência primária. Alienou-se
de si mesmo, de sua humanidade. Transformou-se em objeto, instrumento de lucro
e quantidade de força de trabalho.
Para o
cristianismo, como sabemos, o ser humano alienou-se de seu destino divino,
perdeu a dignidade de seu ser, separou-se de seus semelhantes, por causa do
orgulho, da desesperança, do poder. O cristianismo e o pensamento marxiano
concordam que é inviável determinar a existência humana de cima para baixo, por
isso a existência histórica é determinante na construção da antropologia. A
analogia entre cristianismo e marxismo vai mais longe ainda. Vêem o ser humano
como ser social, e que por isso o bem e o mal praticados não estão separados de
sua existência social. O indivíduo não escapa dessa situação. Faz parte do
mundo caído, não importando se a queda se expressa em termos religiosos ou
sociológicos. Tem a possibilidade de fazer parte do novo mundo, não importando
se o concebemos em termos de transformação supra-histórica ou infra-histórica.[114] Dessa
maneira, a idéia de verdade tanto no cristianismo como no marxismo vai além da
separação entre teoria e prática. Ou seja, a verdade para ser conhecida deve
ser feita. Vive-se a verdade. Sem a transformação da realidade não se conhece a
realidade. Donde a capacidade de conhecimento depende da situação de
conhecimento em que se está. E apoiando-se no apóstolo Paulo, Tillich explica
que só o “homem espiritual” consegue julgar todas as coisas, da mesma maneira
aquele que participa da luta do “grupo eleito” contra a sociedade de classe
consegue entender o verdadeiro caráter do ser. Assim, com a deformação da
existência histórica, praticamente em todas as esferas, torna-se muito difícil
a percepção da condição humana e do próprio ser, por isso a presença da igreja
e do proletariado na luta é o lugar onde a verdade tem mais condições de ser
aceita e vivida.
O auto-engano e
a produção de ideologias surge como inevitáveis em nossas sociedades carentes
de sentido, a não ser naqueles pequenos grupos que enfrentam suprema angústia, desespero e falta de
sentido. A verdade então aparece e pode ser vivida, porque os
véus ideológicos foram rasgados. Mas, alerta Tillich, a verdade pode se
transformar num instrumento de orgulho religioso ou de vontade de poder
político. Em tudo isso o cristianismo e o marxismo estão juntos em oposição ao
otimismo pelagiano ou de harmonia em relação à natureza humana.[115]
Segundo Tillich,
não podemos ver o pensamento de Marx como se fosse uma coisa do passado, quando
aceitamos o espírito profético enquanto socialistas religiosos. O socialismo
religioso se quiser continuar a ter sentido não pode se transformar numa
justificativa ideológica das atuais democracias, nem num idealismo progressivo
ou num sistema de harmonia autônoma. O socialismo religioso dentro do espírito
do profetismo e com os métodos do marxismo é capaz de entender e transcender o
mundo atual.[116]
Mas até que ponto a metodologia marxiana e uma hipotética conquista do poder
político poderiam dar sentido à vida? Na verdade, por ser marxista, tal
metodologia não entende que a corrupção também está localizada nas profundezas do coração humano. Por isso,
o alerta de Tillich, sobre as diferenças entre espírito profético e marxismo,
cresce em importância e deve ser ressaltado.[117]
O socialismo
religioso, diz Tillich, sempre entendeu que as forças demoníacas da injustiça e
da vontade de poder jamais serão plenamente erradicadas da cena histórica. O
socialismo religioso acredita que a corrupção da situação humana tem raízes
mais profundas do que as meras estruturas históricas e sociológicas. Estão
encravadas nas profundezas do coração humano.[118]
“Como
Kierkegaard, Marx fala da situação alienada do homem na estrutura social da
sociedade burguesa. Empregava a palavra alienação (entfremdung) não do
ponto de vista individual, mas social. Segundo Hegel essa alienação significa a
incursão do Espírito absoluto na natureza, distanciando-se de si mesmo. Para
Kierkegaard era a queda do homem, a transição, por meio de um salto, da
inocência para o conhecimento e para a tragédia. Para Marx era a estrutura da
sociedade capitalista”.[119]
Por isso,
considera que a regeneração da humanidade não é possível apenas mediante
mudanças políticas, mas requer mudanças na atitude das pessoas em favor da
vida. Assim, para o socialismo religioso,[120] o momento
decisivo da história não é o surgimento do proletariado, mas o aparecimento do
novo sentido da vida na automanifestação divina. Essa diferença tem extrema
importância, mas de nenhuma maneira – pensa o teólogo -- impede a inclusão de
elementos básicos da doutrina marxista da história e do ser humano no
cristianismo profético.
Quanto às
organizações socialistas, é necessário ver que têm uma atitude em relação ao
cristianismo e uma outra em relação às estruturas hierárquicas da Igreja.[121] A história da
Igreja tanto no passado, como no presente, é passível de muitas críticas. Suas
opções e alianças fizeram como que se afastasse e dificultasse seu
relacionamento com parte da população excluída de bens e possibilidades. Tal
situação facilita e potencializa a pregação do ateísmo e do materialismo. Mas,
ao contrário do que pode parecer, não podemos dizer que o ateísmo materialista
seja um fenômeno constitutivo do socialismo. Para Tillich, é uma herança da
cultura burguesa, crítica e cética.[122] Essa herança
foi adotada pelo socialismo sob a crença de que ajudaria a extirpar a idéia de
opressão e abriria o caminho para a construção de um novo mundo, mais justo e
digno.
Capítulo Cinco
O proletariado e a luta pelo
socialismo
Para Paul
Tillich em Masse et Esprit, Études de philosophie de la masse,[123] a palavra
massa transformou-se em slogan político e social, e em expressão que conota
superioridade e idolatria. Por isso, quando se deseja discutir seriamente o
conceito massa é necessário definir seus contornos e esfriar um pouco a fervura
do slogan.
Segundo Tillich
há dois conceitos de massa, um formal e outro material, o primeiro de ordem
psicológica e sociológica e o segundo de ordem histórica e social. Em termos
formais, a massa consiste numa associação de pessoas que, na associação, deixam
de ser indivíduos. Sua individualidade se perde e ele se submete à
coletividade. A pessoa se torna um átomo, desprovido de suas qualidades, seu
movimento próprio, e se transforma em pura quantidade subordinada ao movimento
da massa. Através da psicologia das massas pode-se ver como a alma perde sua
forma individualizada uma vez que toma a forma da massa e como o indivíduo
entra em contradição com ele próprio, já que é um átomo da massa ou um ser bem
singularizado.
Tillich
considera que no movimento psíquico da massa alguns elementos se separam e se
isolam, adquirindo eficiências por eles próprios. Isto porque um indivíduo é o
resultado de uma longa evolução interior e sua alma está ligada por milhares de
liames à vida da alma em sua totalidade, que assim torna-se autônoma. Na massa,
as forças de inibição, de reflexão e de matizações caducam. Tudo se transforma.
Assim, podemos resumir essas transformações em duas leis. A lei da
imediaticidade, segundo a qual a massa não reflete, mas é. Ela tem uma
existência objetiva, não subjetiva como afirmou Hegel,[124] ela é em si,
não para si. A massa não sabe porque ela faz aquilo que faz. Quando acede a ela
própria é sempre através de certos indivíduos, um orador ou chefe. A massa é
imediata, vive inteiramente o presente, sem ligações com o passado ou o futuro,
sem lembranças ou reflexões. Suas motivações são irracionais. Mas para Tillich,
a lei da imediaticidade explica o desabrochar dos instintos biológicos
imediatos, que estavam inibidos. Também mostra a existência de um princípio
espiritual imediato que se faz presente, que pode ser traduzido como o abandono
ao instinto do momento em direção à disponibilidade da revelação espiritual do
presente, revelação de uma espiritualidade subjetiva impura. Ou seja, a
irracionalidade das motivações pode dirigir ao irracional de baixo, à demência,
ou ao irracional de cima, à novidade criadora.
A outra lei da psicologia das massas, segundo
Tillich, é a lei da amplificação. Se a vida espiritual do indivíduo perde suas
inibições, se tal fato se repete em cada indivíduo presente, como num
alternador, o vivido por um, suscita em outro experiência idêntica, porque a
massa vivencia ela própria o ser massa.
Essa lei nos leva a dois aspectos da vida da alma, o aspecto
emocional e o aspecto intelectual. Em todo movimento da massa podemos observar
a força do entusiasmo, a amplificação das paixões, da coragem, que podem levar
ao seu sacrifício e destruição. Do lado intelectual, a lei da amplificação age
de forma mais discreta, porque o processo de reflexão não convém à massa por
causa de sua complexidade.
De
certo ponto de vista, explica Tillich, o indivíduo está mais alerta que a
massa, mas a massa pode se elevar bem acima das consciências subjetivas, com
suas intuições mais simples, mas também maiores e também com sua clarividência
disso, que prepara o espírito objetivo no momento presente. A amplificação pode
levar ao monumental e ao heroísmo, mas também ao demoníaco e à destruição. E as
intuições da massa podem se conformar ao espírito ou lhe ser refratário. As
leis da psicologia das massas são leis naturais, afirma Tillich. Elas são
sempre válidas e necessárias onde uma pluralidade se encontra reunida. Elas têm
valor para todos os estamentos sociais, para um grupo de marginais, assim como
para uma assembléia de nobres. Com ironia superior, elas regem uma reunião de
convencidos individualistas, assim como explicam o sentimento de
superioridade existente na palavra massa, quando usado como slogan.
A massa e os
seus movimentos
Segundo Paul
Tillich, no conceito material de massa, a essência de um grupo determinado é
ser essencialmente formado conforme a psicologia das massas.[125] Por isso, no
sentido histórico do termo, a massa, quer sejam classes ou ordens, raças ou
círculos, partilha do destino de ser excluído de toda formação espiritual
individual. Vemos, então, que para Tillich a imediaticidade da massa faz com
que desabroche nela instintos biológicos que estavam inibidos no indivíduo, o
que traz à tona um princípio espiritual imediato: a disponibilidade à revelação
espiritual do momento presente. Essa imediaticidade é o que leva a massa ao
irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à novidade criadora.
Ao lado da imediaticidade, os aspectos emocional e intelectual são
amplificados. As forças do entusiasmo e da coragem são amplificadas de tal modo
que podem levá-la ao sacrifício e destruição. Assim, a massa se eleva acima das
consciências individuais com intuições simples, mas com clarividência disso.
Este processo prepara o espírito objetivo no momento presente. Quando objetivamente
a massa vive esse processo de espiritualização, nela, religião e cultura se
misturam. A esse primeiro momento de evolução da massa Tillich chama de massa
mística.
No contexto
geral de uma análise socialista, não se pode deixar de levar em conta que a evolução
histórica dá nascimento a diferentes tipos de massa, conforme o modelo de
desenvolvimento das relações entre religião e cultura.[126]
O primeiro
estado, conforme explica Richard, consiste em uma unidade onde os dois ainda
não se distinguem. Uma segunda etapa é marcada pela autonomia da cultura:
assim, ela se diferencia mais e mais da religião, a ponto de gerar a
secularidade moderna. Mas esta ruptura e separação são catastróficas tanto para
a cultura como para a religião. E serão então superadas pela etapa final da
teonomia, caracterizada pela presença de conteúdo religioso em todas as formas
autônomas da cultura.[127] Podemos
facilmente reconhecer os elementos desse esquema na descrição que Tillich faz
dos diferentes tipos de massa, diz Richard. A massa mística corresponde à
religião de origem:[128] é a fusão dos
indivíduos numa única comunidade que engloba tudo. Vem em seguida a etapa da
autonomia, onde os indivíduos se diferenciam cada vez mais da comunidade de
origem, até tornarem-se completamente independentes e separados. Mas ainda é
massa sem forma e cultura, que não se colocou em movimento e caminhou para um
estado de individualização. Essa é o estado de massa técnica ou mecânica,
característico da moderna sociedade industrializada.[129] A partir daí
surge a perspectiva de uma etapa final onde a massa e a individualidade pessoal
formarão uma nova união, uma síntese nova, chamada massa orgânica, que
corresponderá ao ideal da teonomia. Logicamente, nem sempre se caminhará em
direção a este ideal: mas o tempo histórico que orienta nessa direção é o da
massa dinâmica.[130]
Dessa maneira,
para Tillich, a massa dinâmica é sempre revolucionária, não unicamente no
sentido político do termo – inclusive este é o sentido menos freqüente --, mas
sempre em um sentido de fé espiritual e social. É necessário que ela seja
revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do
estado de massa e todas as formas que são responsáveis por este regulamento.[131] Assim,
explica Richard, para Tillich o movimento da massa dinâmica parte da massa
mecânica e é essencialmente um movimento de libertação: o movimento da massa
dinâmica parte da massa mecânica, já existente ou em perigo de aparecer, e visa
a supressão da massa, visa à massa orgânica, não importando que esse começo
seja ou não atendido.
Vemos aqui que
Tillich tem uma compreensão diferente daquela de Gramsci, que entende a
vanguarda enquanto intelectualidade orgânica, mas não vê a massa em processo
dinâmico que pode levar ao surgimento de uma massa orgânica. Sem desejar neste
livro – já que este não é seu objetivo – fazer um confronto entre os dois
pensadores, tocamos apenas no ponto que metodologicamente nos interessa: o
espírito crítico da profecia, conforme vimos, não se limita ao profeta ou ao
intelectual, é um processo maior que tem na massa orgânica uma dupla ação, de
liderança da sociedade e de transformação da situação-limite.
Na
perspectiva do socialismo, Tillich não se limita à consideração da massa
orgânica. Para ele, a passagem da heteronomia à autonomia e posteriormente à
teonomia, que fazem parte da estrutura de sua teologia, constituem ciclos que
se encontram em diversas épocas. Assim,
os movimentos de massa dinâmica são encontrados no movimento religioso do cristianismo
primitivo helenístico, no movimento político e racial da migração dos povos, no
movimento espiritual e religioso da Reforma, no movimento econômico do
socialismo.[132]
Embora esses movimentos possam ser encontrados em diversas épocas, também o são
em diferentes esferas da cultura. Mas sempre como movimentos de libertação: a
massa dinâmica é parteira de escravos oprimidos, de povos bárbaros excluídos,
de leigos passivos, ou desses escravos livres que são os trabalhadores
assalariados, sempre que a mecanização real ou ameaçadora deu lugar a um
movimento que transbordou a história.
O conflito interno da condição proletária
O
conflito interno do socialismo tem como ponto de partida a própria situação
proletária. Donde, para se entender as contradições do socialismo devemos
entender o conflito interno da condição proletária. Essa antinomia nos remete
às forças que se digladiam internamente no proletariado.[133] E é
impossível resolver o problema teoricamente se não partirmos de uma síntese
daquilo que de fato corresponde à realidade do movimento. Ou seja, o que
Tillich se pergunta é se podemos saber até que ponto o proletariado tem
consciência[134]
de seus conflitos internos e se pode ele mesmo chegar a uma solução deles. Se
isso é verdadeiro e possível, então, ele tem condições suficientes para a solução
não somente de seus conflitos, mas também daqueles presentes no socialismo.
O conflito da situação proletária
vem do fato de que o proletariado tem que se apoiar no princípio burguês e ao
mesmo tempo deve se opor a esse princípio. Ou seja, o conflito tem por base o
fato de que o proletariado deve ir além, sobrepujar o princípio burguês com os
meios deste mesmo princípio. Esta oposição é inevitável, pois a existência
proletária é a expressão conseqüente do princípio burguês: a objetivação, a
reificação e a ruptura com sua própria origem estão presentes em sua
existência.[135]
Então, o proletariado não pode reagir ao pensamento burguês inteiramente, com
total liberdade e independência. Isto porque não se pode responder à reificação
apenas com o ethos. Mas como então ele se rebela? Como se levanta e propõe o
fim do pensamento e do regime burguês? No proletário há o ser humano real que
reage, não o ser humano como é visto racionalmente, mas o que está ligado com a
origem, com essa força que nos leva a resistir a cortar nossas raízes. Nem na
natureza, nem na produção técnica mais refinada, não se encontra esse elemento
de manutenção do poder interior que leva o ser humano a resistir a uma
assimilação completa. Da mesma maneira, com maior razão, não há ser humano que
se deixe desapropriar completamento daquilo que ele tem e daquilo que ele é. O
que reage no proletário é esse romanticismo político que se levanta como
princípio exclusivo do ser humano e da sociedade: a origem.
Temos aqui outro ponto em comum com
o princípio burguês. A única divergência entre os dois, é que o romanticismo
político[136]
deseja acabar com o princípio burguês, acreditando que o socialismo pode
substitui-lo. Nesse caso, parte da revolta do ser humano contra a desumanização
do princípio burguês, e leva para o socialismo o romanticismo político como
leitura comum da realidade.
A burguesia sempre evitou cortar
suas relações sociais e afetivas com a origem. Nunca foi até o fundo em seu
próprio princípio. Por outro lado, o proletariado está forçado a isso por sua
própria situação. Mas, pelas alianças que deve fazer, sempre se viu obrigado a
esconder isso de si próprio, de seus aliados e de seus adversários, o que se
constituiu num conflito interno permanente. Os teóricos socialistas não entenderam
o que a burguesia sabe por instinto de classe, que o princípio analítico,
racional, nunca pode agir como portador da fundação do ser individual ou
social, mas apenas como norma crítica. A teoria socialista enfrentou esta
dificuldade da seguinte maneira: por um lado diagnosticou a completo reificação
do proletariado, o que significa que relacionou sua identidade humana de
proletariado com a situação econômica de trabalhador assalariado, vendedor de
força de trabalho. Mas por outro lado, fez desse proletário um ser puro,
vanguarda e portador de uma ordem social nova. Não pode reconciliar estas duas
afirmações. E por incrível que pareça o engano maior esta na primeira
afirmação. A situação econômica não é suficiente para interpretar a situação
humana. Ao contrário, no proletário há o ser humano que reage contra a situação
econômica, há um ser proletário que a reificação não define e que se levanta em
luta contra o princípio burguês.
No movimento proletário está
presente o ser humano proletário, que reaciona à ameaça de reificação econômica
e de reificação completa do ser humano. Apesar da louvável intenção dos
teóricos socialistas quando descrevem a situação proletária a partir da
negatividade, eles, na verdade, deram aos adversários argumentos que apresentam
o proletariado como destituído de força para conduzir uma luta revolucionária,
sem o poder interior suficiente para construir uma sociedade nova. Porém esta
leitura negativa da situação proletária muitas vezes se transforma em discurso
do próprio proletariado. Por isso, devemos entender que movimento proletário é
bem mais que luta política a favor do socialismo. Associados a essa luta, sem
ser idênticos a ela, estão os movimentos de união, as associações de produtores
e consumidores, os grupos religiosos, espirituais e de fins educacionais,
enquanto subgrupos do proletariado, e as oposições e alianças de comunidades,
os modos de relacionamentos entre sexos e gerações, há movimentos centrados na
vida cotidiana, que definem atitudes frente o trabalho, o lazer, o amor, o
destino, a morte. A isso estão somadas as tradições nacionais e regionais, que
também repercutem na situação proletária. E há ainda as tendências ao
aburguesamento, que, na verdade, não passam de uma aspiração nostálgica das
pressões da origem. E, deve-se acrescentar, a isso as comunidades e seitas
políticas e religiosas, os movimentos proletários de mocidade, e as várias
expressões do impulso de luta: emulação e doutrinamento do exército, do qual
faz parte a atitude com respeito ao corpo, à vida e à terra, que desembocam no
heroísmo do proletariado e sua disposição para o sacrifício.
A situação proletária mostra que a
situação da existência humana está em contradição com o destino do ser humano.
É por isso que o princípio protestante[137] tem função
especial na compreensão da situação humana quando se olha a partir da situação
proletária, pois esta se apresenta como cisão demoníaca ou alienação[138] Todos estes
elementos estão imbricados à situação de classe e pela consciência socialista,
mas também têm uma significação universal.[139] Eles não são
atributos de uma classe, mas fazem parte do conteúdo humano e estão presentes
na história. O proletariado descobriu que esses elementos o ligam aos outros
grupos humanos. Nele, os elementos originais do ser humano são realidade
presente que o leva a uma luta a favor do ser humano, a uma recusa do princípio
burguês. Não há uma oposição entre o proletariado e o desafio da origem. Assim,
o movimento proletário repousa em forças originais, mas também sob um tipo, disforme,
de princípio burguês. Esta situação é geradora do princípio socialista.[140]
A situação proletária, quando
analisada a partir do princípio protestante, mostra que a miséria humana toca
tanto o corpo como a alma. E o socialismo, por sua parte, lembra ao
protestantismo que o dualismo platônico, idealista ou burguês, não corresponde
nem à mensagem bíblica, nem à teologia de Lutero. Tillich diz que “o
protestantismo esta livre para o materialismo proletário”.[141] De sua parte,
o princípio protestante diz ao socialismo que a miséria humana não é somente
uma miséria socioeconômica.[142]
Os elementos que constituem o princípio
socialista têm suas raízes no romanticismo político e na sociedade burguesa,[143]
do espoucar do princípio burguês na luta das classes, e do conflito interno do
socialismo. Esses três elementos que levam ao socialismo traduzem sua força de
origem, a quebra da harmonia e sua orientação para o que é requerido. No
princípio socialista há um sim para o
poder da origem, que pressupõe uma ruptura com o romanticismo, mas é também um sim para o princípio burguês, ruptura do
mito de origem, enquanto exigência incondicional. E há um não para a fé burguesa na harmonia, problema metafísico do
princípio burguês. Estes três momentos são organizados de tal modo que o sim ao princípio burguês rompe o
original do romanticismo político, e o não
à fé burguesa na harmonia abre um espaço que clareia as forças da origem. Os três momentos têm que ser unidos no
conceito da espera, que por isso deixa de ser um conceito no sentido restrito e
se torna um símbolo. Pelo símbolo da espera, o socialismo opõe mito original e
fé numa nova harmonia. Inclui aspectos de um e de outro, mas vai além deles.
Por isso, o princípio socialista e as forças que se acham embutidas nele não podem
ser compreendidas sem o símbolo da espera. Esta conjunção dos três elementos do
princípio socialista no símbolo de momentos e lugares de espera faz do
movimento socialista um movimento profético. A profecia é um movimento
histórico que fala radicalmente de uma segunda raiz do ser humano, que une os
três momentos: o mito de origem, sob a forma da religião do pai; a ruptura com
o mito de origem, através de uma exigência incondicional; e a realização do
mito de origem, não em um presente interpretado em termos de harmonia, mas em
um futuro prometido. Significa que o princípio socialista é profético através
de seus conteúdos, que o socialismo é o movimento profético de um mundo onde o
mito original foi quebrado e onde domina o princípio burguês.
O socialismo é a profecia de um
mundo autônomo.[144] é fato histórico que o socialismo
depende das seitas cristãs revolucionárias, que se conectam a ele através dos
elementos proféticos do cristianismo primitivo. Ninguém entende o socialismo se
omitir seu caráter profético. Como esquecer seu caráter autônomo das formas de
vida e pensamento? Por isso fala-se de relógio da história, de tempo propício,
porque por seu caráter profético o princípio socialista está ligado ao símbolo
da espera. O termo espera leva a inúmeras imagens, mas o conceito opõe-se sem
ambigüidades ao mito original e ao romanticismo político.[145] A espera é
tensão, orientação para ação de esperar, é processo que leva ao
incondicionalmente novo, ao que não era, mas vai acontecer. Não está fora na
propagação original entre nascimento e morte, é realização do ser. A
ambigüidade da origem nos nega isso, e o romanticismo procura provar a
existência de leis eternas para justificar teologicamente sua própria
existência. Mas leis eternas não existem. O ser humano é uma possibilidade nova
em relação à natureza, e na história essa possibilidade nova torna-se
realidade. Mas a história, reafirma o presente e nos projeta para o futuro.
História é tensão diante daquilo que vem, é tensão diante dessa possibilidade
de uma ordem nova de coisas. E é essa ordem nova que o profeta espera. Assim,
em cada momento, a história nos lança para além dela, para aquilo que é
incondicionalmente novo.
A espera profética é um bem comum
da fé cristã. Para o romanticismo político não foi tarefa fácil tentar eliminar
isso. Alias, o romanticismo conservador sempre teve dificuldades quando tentou
unir seu princípio burguês com o cristianismo. Sua pedra de tropeço é a espera,
atitude fundamental do cristianismo primitivo. O romanticismo procurou então
adaptar o elemento profético, sem suprimi-lo completamente. E fez isso
separando a espera do fim e destino da alma individual do destino histórico e
da transformação do mundo. As esperas individuais apontam para o próprio fim e
realização de uma criatura nova. Mas tal coisa faz parte de um movimento de
totalidade.
“A espera
surge como atitude
espiritual na política. Enquanto símbolo de ruptura com o
mito das origens dos
políticos conservadores e com a autonomia da burguesia moderna, a
espera socialista orienta-se
para a realização do futuro prometido. O objeto da espera virá
independentemente da ação humana – pois o sentido
da vida irrompe
incondicionalmente, a partir do seu próprio fundamento - mas, ao mesmo
tempo, é o que deve vir, o
que é exigido e só pode realizar-se pela ação humana. Só quando
guiados pela espera, o ser
humano e a sociedade podem alcançar a sua realização, quebrando
o domínio do mito
originário: o poder do sangue, do solo, da raça ou do sagrado, produtor
de violência e morte. Na
espera, manifesta-se radicalmente até que ponto o presente contradiz
a sua própria destinação”.[146]
A
história é um círculo de círculos onde estão frente a frente a miséria humana e
a graça divina, a espera do acontecimento de algo de fundamentalmente novo. Conclui-se toda espera aponta em
direção a uma estruturação da realidade, onde o novo está além da história.
Do
sentido da espera ao conceito de esperança
A
partir dessa leitura teológica do romanticismo, o socialismo se organiza como
espera, pois reconhece as decepções da história. Ele sabe que não conta com um
milagre que transformaria o ser humano e a realidade histórica. É interessante
ver como essa perspectiva esta presente no pensamento socialista. Rosa
Luxemburg em seu último escrito,[147] datado de 14
de janeiro de 1919, diz a respeito da derrota do levante operário em Berlim:
“(...)
mas, inevitáveis derrotas são a melhor garantia da nossa vitória final... Claro
que isso tudo entranha uma condição! E é a de sabermos em que circunstâncias
teve lugar cada derrota, quer dizer, se esta foi o resultado de massas imaturas
que se lançam à luta ou de uma ação revolucionária paralisada no seu interior
pela indecisão, a mornidão e a falta de radicalismo. (...) As massas cumprirão
a sua missão, porque fizeram desta nova “derrota” o elo que nos une
legitimamente à cadeia histórica de “derrotas” que constituem o orgulho e a
força do socialismo internacional. Podemos ter a certeza de que desta “derrota”
também há de florescer a vitória definitiva. A ordem reina em Berlim!... Ah!
Estúpidos e insensatos carrascos! Não repararam que a sua “ordem” está
alicerçada sobre a areia. A revolução se levantará amanha vitoriosa e o terror
se estampará em seus rostos ao ouvir anunciar sob trombetas: era, sou e serei!”[148]
Para o romanticismo político, as
greves, assim como as ações proletárias são o caos ou a barbárie que quebram a
harmonia do princípio burguês. Mas para o socialismo são momentos que
fundamentam a espera, da mesma maneira que a profecia não renunciou apesar de
decepções cruéis.[149] Da mesma que
a profecia não prediz eventos que logo acontecerão, ou uma predição prova ser
verdadeira ou não pelo fato de realizar-se em curto prazo, o socialismo
enquanto atitude profética supõe só uma coisa: a cada momento move a história
para o novo, para o que é prometido. Mas como vemos em Tillich ou nas palavras
de Luxemburg, a espera não é uma atitude subjetiva. Acha-se fundada no mesmo
impulso de tornar-se. é esse
impulso que objetiva transformar a utopia em era de abundância. A realização
não é um conceito meramente empírico. Quando reduzido a algo empírico gera a
utopia e, com ela, a decepção por ter a espera como fim objetivo. A espera é
passagem. É bem mais que o mito da origem ou que um esperado fim objetivo. Ao
contrario, a espera não é coisa objetiva, mas a revolução do novo no velho. O
socialismo tem um caráter profético porque vive tal atitude, mas como a
profecia todas as vezes que ameaça chegar ao objetivo, derrapa na resignação ou
na utopia. Orientado para o novo, a espera inclui dois momentos: o que é
esperado é o que virá, porém o que virá não depende da ação humana. Mas o que é
esperado é o que tem que vir, o que é requerido, porém o que não é requerido
pode ser alcançado pela ação humana. É a tensão destes dois elementos
aparentemente contraditórios que faz a profundidade do princípio socialista.
Esta tensão faz extremamente difícil a construção da teoria socialista e
confere à prática alta importância. O que caracteriza o caráter profético do
socialismo é que o profeta requer e promete.
O profeta relaciona a situação
imediata a uma situação sem igual que nunca se apresentará sob essa forma,
cujas exigências não se repetirão e cuja realização só acontecerá uma vez. O
que é planejado, requer. A realidade orienta nesse sentido, um evento
particular puxa para lá, uma constelação de fatos aponta nessa direção: pode
ser alcançado, mas também não ser. Esta conjunção da exigência, assim como a
promessa caracterizam a espera como profética. Isso determina a espera socialista,
ela se caracteriza claramente como profética. É expressamente o caso da
interpretação marxista do socialismo. Como a espera está esperando o que é
requerido, ela é diferente da espera passiva, que de fato não está esperando.
Até mesmo etimologicamente, há na espera mais que um olhar passivo. A espera
inclui a ação. Sem a ação, a espera seria uma teoria fútil.
A consciência inspirada pelo mito
original requer e também age. Entretanto a exigência não é atitude profética
socialista. No campo do mito original, a exigência aponta para a manutenção da
origem, enquanto a ação procura alcançar aquilo que está nos limites do ciclo
que, partindo da origem, volta à origem. A exigência não se move no sentido do
novo, para o que está além da origem, mas confirma os poderes patriarcais e
feudais da origem. A exigência profética socialista, pelo contrário, submete à
sua crítica todos os poderes, grandes e pequenos. Por ultrapassar a origem não
depende de qualquer poder estabelecido. Tal é o sentido de igualdade, da exigência
de solidariedade na profecia e no socialismo.[150] A exigência
incondicional, que fala a cada um, faz todos semelhantes. Por isso, o poder
perde toda a significação diante da exigência do sentido de igualdade. Isto
porque no limite da existência o ser humano é desafiado à realização de seu
destino. é isso que explica a
valorização do fraco na profecia e no cristianismo. Pelas mesmas razões, daí
parte a exigência de se tratar todo ser humano conforme sua destinação, de lhe
permitir alcançar a abundância que lhe está proposta e sem a qual a humanidade
como um todo caminha para a estagnação. O ideal do ser é a realização, mas isso
não exclui a possibilidade do enfraquecimento extremo do ser, pelo contrário,
abundância e fraqueza sempre se fazem presentes. é por isso que a profecia luta contra a opressão do pobre
pelo poderoso e para que a injustiça não arraste pessoas ao abismo. E é pelo
mesmo motivo que Marx se levanta contra a reificação do ser humano e a favor de
um real humanismo. É por isso que o socialismo considera a situação proletária
como crise da sociedade burguesa e como confrontação do romanticismo político.
Esta luta contra a opressão não exclui, em muitos casos, o sacrifício das vidas
daqueles que combatem, mas exclui todas as ideologias de dominação que procuram
justificar a situação de excluídos e proletários.
A origem esta associada à espera e
a realização de seu objetivo de duas maneiras: a meta realiza o que a origem
apontou, mas é com a espera que a origem obtém a força que lhe permite alcançar
a realização de seu objetivo. Estes dois aspectos são importantes para o
movimento socialista. O primeiro dá conteúdo à espera socialista, e o segundo
indica o modo de sua realização.[151] Esta união da
origem com a espera abarca todos os modos de esperar: a espera mítica, a espera
profética e a espera racional. Embora esteja ancorada na realidade, a espera
mantém uma exigência que não diz nada àqueles a qual não se dirige, mas para
aqueles que se interessam por aquilo que ela discerne, apresenta-se como
promessa. Ou seja, ela é incompreensível para quem não a aceita. Exigência e
promessa têm que interessar a aqueles a quem se dirige para que haja a
possibilidade de realização, pois estes conhecem a ausência da abundância. No
mito é discernida essa ausência de abundância como uma perda da realização
original, que deve ser reencontrada. Para o pensamento conceitual, a ausência
de abundância é o contingente, o não necessário, contra o qual se opõe. O mito
e sua relação com a ausência de abundância se nutrem mutuamente. Devido a essa
correspondência entre tempo primordial e tempo final, o que é esperado remete
às características da origem, embora estas características sejam transformadas
pelo movimento da história. Em todo caso, a realização não é extinção da origem.
Isso também vale para o socialismo e sua espera. Mas agora, no socialismo, a
realização não esta dirigida a um ser privado de origem, como se vê no
princípio burguês. Não almeja um estado onde a consciência suprima o ser, pois
a espera aponta à realização do ser, que deseja estar no controle do poder
verdadeiro, com suas particularidades e tensões. Tal poder é o núcleo da
exigência profética e socialista, e sua exigência combate os poderes míticos da
origem. Por isso, na realização reaparece a origem, mas como realidade nova,
transformada pela exigência que a submete. Esta conexão suprime o princípio
burguês e possibilita o princípio socialista. Os poderes da origem justificam e
limitam o princípio socialista. Deles procedem o conflito interno do socialismo.
Em segundo lugar, a origem e a realização estão imbricadas de tal modo que o
socialismo perde força e razão de existir se não se mover em direção àquilo que
é requerido: o socialismo quando se transforma numa espécie de utopia torna-se
impotente para enfrentar os poderes da sociedade. Se não se pergunta a respeito
da promessa socialista, sua espera deixa de estar orientada em direção à
realização. Aqui mito e conceito andam juntos. O mito para existir deve ser
governado pelos poderes da origem. A tradição judaico-cristã expressa o mito
através do símbolo da "providência" que se apresenta como
aquilo que une o ser com o que deve ser. A idéia de providência expressa que
aquilo que não é plenamente, não está tão distante do que deve ser, pois apesar
de sua não completude, enquanto realização se move em direção ao ser. Assim,
livre das amarras do mito, a idéia de providência procede, pois origem e
destino são portadores de realização.
Marx, afirma Tillich, viveu e
denunciou a não completude do ser. A situação proletária revelou a alienação do
sistema burguês, por isso Marx submeteu o sistema ao não e levantou a exigência de justiça. Ele devolveu à espera
profética o papel que antes lhe era dado, de fé na providência, enquanto
realização daquilo que é prometido.[152] Para Tillich,
Marx recusou a utopia de uma possível reforma do mundo, mas colocou a exigência
incondicional da mudança na direção do que é requerido, de forma que a
exigência não se torne abstrata e sem força. Em sua análise da sociedade
capitalista confrontou aquilo que presumiu ser seu fundamento, sua base
econômica produtiva. E considerou que estruturalmente o capitalismo tendia ao
socialismo, a uma sociedade sem classes. Tendencialmente, parecia que a
exigência socialista seria confirmada enquanto projeto de uma nova sociedade. A
existência da luta proletária, de sua revolta inspirada no ideal humano calcado
na exigência da justiça, denotava um movimento em direção à sociedade sem
classes. Aparentemente, tais elementos bastavam para possibilitar a viabilidade
do socialismo, que Marx analisou sob a forma de análises econômicas. Na última
parte de sua vida ele se distanciou da questão humana e existencial,
debruçando-se sobre a leitura econômica. Mas, sem a questão humana e
existencial, a economia se faz abstrata, e, por outro lado, a questão humana e
existencial sem a leitura econômica apresenta-se distorcida. O que se espera de
um ser humano realizado ou, como disse o jovem Marx, de um real humanismo, é
que a motivação científica deságüe em ações políticas.
Para o princípio socialista, o
segundo problema é a relação entre origem e meta, que leva o sentido da espera
ao conceito de esperança, no seu sentido mais profundo. O socialismo é o movimento profético de um
mundo autônomo e racional. A substância profética se expressa de uma maneira
racional, no conhecimento como também na ação.[153] Esta relação
entre profecia e racionalidade é essencial ao socialismo. E aí residem a
profundidade e também seus riscos. Por isso, o conflito interno do socialismo
deve partir dos perigos que ameaçam o socialismo, tais como o romanticismo
politico, que leva à negação da autonomia e da racionalidade.[154] A relação
entre a substância profética e a racionalidade são os dois lados da moeda no
socialismo, e por isso nos levam a duas questões: uma em relação à meta, outra
em relação ao tipo de socialismo. A partir de seu caráter profético, os
movimentos da espera têm contextos semelhantes, são previsíveis e maleáveis,
mas levam a uma criação nova, ao totalmente outro. Mas a partir de seu caráter
racional, a espera apesar de seus contextos semelhantes, aponta para algo que
já conhecemos, isto porque na espera há algo que se mantém enquanto
continuidade com o presente. A espera profética é um ir além, a espera racional
é o realizar agora. Por isso, os dois lados da moeda: a espera profética e a
espera racional. A tensão destes dois momentos é incontestável, e sempre está
presente na história. Mas a tensão não é oposição. O pensamento e a ação dos
socialistas constituem a realidade que não permite que a tensão se torne
oposição. Enquanto existir como movimento vivo não sofrerá de esclerose.
Princípio socialista implica em ação e pensamento amplos, que não podem ser
paralisados nem pela espera profética, nem pela espera racional.[155] O ser humano
real está além desta oposição. A espera humana sempre é sobre o ir além de aqui
e agora, que estão debaixo do tempo. Para a espera, não há nenhuma oposição
nisso, ao contrario, é o fim de toda espera profética. Mas para que essa espera
possa revelar-se pressupõe a transformação completa do presente, a abolição das
leis naturais, o estar aqui abaixo, para poder ir além. Ou, o que vem está
separado do presente por um acidente cósmico, está além. Os quadros que
descrevem tal realidade vêm da experiência. Por isso, ir além é na verdade
partir de baixo. Esses conteúdos estão presentes na espera socialista. E eles
já estão presentes aqui embaixo como igualdade, liberdade, satisfação das
necessidades. Quando lemos esta realidade a partir do princípio socialista
descobrimos que espera supõe uma transformação radical da natureza humana e, a
partir da natureza humana, a transformação da natureza e de suas leis.
Assim, a espera socialista vai além
da oposição do previsível e do imprevisível. A profecia conta com o milagre,
mas também leva em consideração fatores históricos, políticos e sociais
colocados enquanto necessidade para a concretização deste ou daquele evento. Da
mesma maneira que a espera socialista é paradoxal, quando se observa a mudança
contínua de fatores aparentemente previsíveis, as vezes favoráveis, as vezes
desfavoráveis ao socialismo, em todos lugares, a vida real nos remete aquilo
que se espera. O socialismo deseja a sociedade sem classes, como bem humano,
que deve ir além do símbolo, como objeto daquilo que está em baixo. Por isso,
tanto na espera profética como na espera socialista, a vida aponta para uma
conquista fundamental e protesta contra as concepções que negam o ir além do
que está aqui e agora.
As dialéticas históricas são mais
que nada símbolos da espera socialista. Em primeiro lugar, vemos que essas
teorias que analisam a história e e as políticas que lhe dão forma não eliminam
o destino que transcende o ser humano. A análise racional, ao contrario, inclui
tal fato, enquanto elemento que permanece inacessível, não por sua
complexidade, mas porque está presente na própria analise racional, como vimos
no jovem Marx. Assim, a fé profética na providência não deixa de lado a analise
dos detalhes da situação histórica real e de seus fatores. Uma consciência viva
da história, calcada no princípio socialista, compreende tal unidade. O ser
humano que age pressupõe, assim, a unidade na tensão do elemento profético e do
elemento racional no socialismo, não enquanto contradição, mas expressão
autêntica da espera, componente do ser socialista. Dessa maneira, o princípio
socialista é a expressão conceitual do poder interior do movimento socialista. é a dynamis do socialismo, que
de símbolo se tornou conceito.[156] Por isto, so
princípio socialista tem condições de resolver as contradições do socialismo.
Mas não podemos esquecer que a situação proletária revela que a situação humana
permanece como situação de espera. O princípio protestante mostra que a
realização da espera, enquanto instauração do reino de Deus, está próxima de
cada kairós, mas que transcende e não pode realizar-se a não ser de maneira
dialética. Assim, o princípio protestante nega a utopia que espera na história
ou além da história uma realização completa da existência. O fim da história
está sempre presente como verticalidade que corta a horizontalidade, mas que
jamais poderá ser completada na horizontalidade.[157]
Capítulo Seis
A resposta
tillichiana à crise do socialismo
As fórmulas “pela
graça somente”, “pela fé somente”, diz Tillich, transportam juntas
vida e espírito no domínio do conhecimento e rejeitam todo legalismo, todo
farisaísmo de ter a posse da verdade absoluta e de querer impor tal verdade aos
outros. Através delas, a religião e o espírito autônomo podem tornar-se um, e é
somente quando isso se dá que a autonomia se instala e é livrada de cair sob o
arbítrio. Diante da decomposição da cultura burguesa, o socialismo propõe criar
uma nova vida cultural e social unida sobre a base de uma economia unificada, mas
isso só será possível se a autonomia caminhar em direção a uma teonomia, ou
seja, uma atitude que permita à incondicionalidade apoderar-se
incondicionalmente de todas as coisas. Este é um ponto sobre o qual
cristianismo e socialismo devem se colocar de acordo,[158] afirma
Tillich.
A idéia de dar
forma racional ao mundo fez oposição à concepção do cristianismo que vê o mundo
como essencialmente antidivino e a razão como corrompida,[159] e que vê a
redenção não como ação que dá feitio ao mundo, e o conhecimento não como razão,
mas como revelação. Nesses últimos séculos, a teologia protestante propôs-se a
superar a oposição entre razão e revelação, através da idéia de uma história
universal da revelação, humana e imanente ao espírito, que nada mais é que a
história do espírito em geral e da religião em particular. Para Tillich, essa
concepção ética-religiosa elaborada pela cultura protestante considerou que a
pessoalidade livre e ética é impossível sem o fundamento natural de sua
individualidade psíquica e corporal, com suas inevitáveis particularidades
lógicas, fisiológicas e biológicas e que o valor da pessoalidade consiste em ir
além, elevar-se acima dessa naturalidade. Tal concepção de mundo, que repousa
sobre o absoluto, que aprofunda esta contradição entre o ser e o mérito,
fundamento de toda liberdade moral, não é um estado ideal, pois será onírico,
desprovido de liberdade verdadeira e de mérito interior. Assim, o cristianismo
traduz uma vontade de dar forma ao mundo de maneira imanente: o reino de Deus
vem ao mundo. Mas ao mesmo tempo tal concepção apresenta limitações: o dar
feitio está situado no âmbito da técnica, não no da ética, no âmbito da
categoria de meio e de fim e não dos juízos e do mérito.[160] Fazer é
técnica, mas a técnica não é o fim em si, não é um fim último. Mesmo que toda
economia fosse uma produção racional, a organização jurídica englobasse todos
os povos, a vida material estivesse livre do imprevisível, restaria ainda o
mérito da pessoalidade, a revelação do espírito e a idéia criativa que traduzem
graça e brotam das profundezas do fazer.
É importante que
a fé enquanto experiência da incondicionalidade apóie a vontade de dar forma ao
mundo e a livre do vazio da tecnificação do mundo. Cristianismo e
socialismo devem discutir esta questão. É com a experiência da imanência,
explica Tillich, que surge claramente a oposição entre o socialismo e o
cristianismo, já que o cristianismo está comprometido com o lá em cima, e o
socialismo voltado para o aqui embaixo. Mas esta oposição não é correta. Lá onde
se vive a profundidade última da experiência religiosa, onde a experiência da
incondicionalidade com o sim e o não é pronunciada sobre todas as coisas
e sobre todos os méritos, é onde acontece a supressão da oposição entre o em
cima absoluto e o embaixo relativo. O termo profundidade[161] é uma
metáfora. Significa que o aspecto religioso aponta em direção àquilo que, na
vida espiritual do ser humano, é último e incondicional. No sentido mais amplo,
religião é esta preocupação última. Preocupação que se manifesta nas funções
criativas do espírito humano, nas esferas da moral, do conhecimento, da
estética, e no anelo de expressar um significado último. Por isso, quando
alguém rechaça a religião em nome da função moral do espírito humano, em nome
da função cognitiva do espírito humano, em nome da função estética do espírito
humano, rechaça a religião em nome da própria religião. A religião, para
Tillich, constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida
espiritual do humano. Esse é o aspecto religioso do espírito humano. Assim, o sim e o não são pronunciados sobre o aqui embaixo, sobre a realidade. É no
coração das pessoas que acontece a separação, o julgamento paradoxal que torna
tudo absoluto e relativo, eterno e terrestre.[162] Assim devemos
entender a teologia do “somente pela fé”, que não admite nem perfeição
absoluta, nem conhecimento absoluto, nem estado absoluto, mas que vê brotar o
absoluto em todo relativo. Temos aqui o fundamento da compreensão positiva que
o cristianismo nos dá sobre a questão da imanência. Mas também o cristianismo
deve oferecer ao socialismo alguma coisa sem a qual ele não pode existir: a
experiência vitoriosa da incondicionalidade em tudo que está condicionado,
imanente, na totalidade do real.
Existe uma
atitude profana e uma atitude religiosa no olhar o mundo. Essas atitudes se
tornam nulas num estado exclusivo. Pode-se conceber um fazer profano, a
ciência, a arte, a moralidade, a vida jurídica e econômica, a política nacional
e exterior e se pode concebê-las de maneira religiosa. Pode-se vê-las como
atividades úteis e agradáveis, necessárias e desagradáveis, mas pode-se ver o espírito agir nelas e ver a
vida nelas se revelar, e por isso aproximar-se de tais coisas com respeito
sagrado. O espírito religioso está vivo no movimento socialista: é uma vibração
religiosa que circula através das massas. Mas há também inumeráveis presenças
profanas no movimento, mesmo entre seus ‘padres’ e ‘bispos’. A santificação da
vida cultural no geral e no socialismo em particular, é a marca deixada pelo
cristianismo. Este é outro ponto sobre o qual cristianismo e socialismo devem
entrar em acordo,[163] diz Tillich.
A santificação
da vida cultural não será possível sem uma concentração dos elementos
religiosos mais expressivos da cultura e da sociedade, sem a constituição de
comunidades que estejam imbuídas em transmitir a experiência religiosa às
gerações futuras. É para isso que servem as idéias expressivas, as formas e as
instituições, que existem com toda a sua riqueza e sua vitalidade no seio das
confissões, e que a partir da força da tradição se opõem ao racionalismo
confessional.
Mas Tillich faz
um alerta: apesar de toda aparência de que estamos apresentando novo
confessionalismo, com suas verdades e suas formas absolutas que suprimem a
comunhão com os fiéis de outras crenças, vamos insistir na necessidade de falar
sobre um quarto ponto: a experiência humana universal.[164] Esta
experiência tem seu fundamento nada menos que no próprio cristianismo. Nós
podemos ver na cruz de Cristo não somente a negação do judaísmo, mas também do
cristianismo, no sentido de que se absolutiza enquanto confissão. As igrejas
cristãs não podem deixar essa consciência tornar-se efetiva, pois é sobre este
terreno que se deram as condições para as sangrentas guerras religiosas. Em
relação a isso o espírito deve ser autônomo. O caminho da cultura cristã é
entender esta consciência como elemento agregador de todas as culturas e todas
as confissões, sem aboli-las, inspirando um sentimento de comunhão mais
profundo que todas as barreiras concebíveis. O cristianismo confere assim seu
próprio conteúdo à experiência humana do socialismo. A solidariedade nascida da
pressão exterior deixa de existir quando a pressão cessa. Os fatos confirmam
isso. Mas o socialismo falha em relação ao sentimento de comunidade, que
suscita a unidade a partir das profundezas últimas do humano, lá onde o
incondicionado desperta a alma. Este é mais um ponto sobre o qual o
cristianismo e o socialismo devem se colocar de acordo.
Para
Tillich, não devemos entender o cristianismo como confissão exclusiva, mas como
revolução da fé absoluta, única incondicionalidade, que vê uma só humanidade,
sem as barreiras internas e externas que caracterizam as comunidades. Esta fé
não se mostra hostil a não ser com os domínios econômicos, políticos e
religiosos, que se colocam eles próprios contra os outros. Nesse
sentido, é a teonomia, que traduz a experiência da profundidade última, a
incondicionalidade do sim e do não sobre todas as coisas e méritos, e a
supressão da distância entre o em cima absoluto e o embaixo relativo, que pode
levar transcendência ao socialismo. O espírito religioso que existe no
socialismo, enquanto vibração de graça e fé que circula nas massas, não deve
ser negado, nem execrado pelo cristianismo. Ao contrário, é o cristianismo que
pode fecundar a autonomia socialista. Estes são os fundamentos de uma unidade
entre o cristianismo e o socialismo, conclui Tillich, que deve ser mais que uma
associação, que traduz um desenvolvimento de ambos através de uma nova forma de
fé e vida.
O tempo presente e o espírito profético
Mas, afinal, que relação existe entre o tempo
presente e o espírito profético? Para responder a esta questão é necessário
antes que nada entender como Tillich vê o tempo presente. Em seu artigo Kairós,
Zur Geisteslage und Geisteswendung, publicado em 1926 como obra coletiva,[165] Tillich diz
que falar da situação espiritual do tempo presente pode significar duas coisas.
Pode querer dizer que vamos de uma situação contingente em direção a um ponto
de vista superior. O tempo presente seria, então, parte de uma situação mais
geral. O momento presente estaria enquadrado no caminhar do processo histórico.
E para fazer a leitura desse tempo presente pode-se recorrer à análise
histórica, à avaliação crítica ou à construção filosófica. Algumas vezes,
porém, algum desses elementos falha. Por isso, não basta observar o tempo
presente. Estamos excessivamente ligados a ele, o que nos pode levar a
escorregar para um julgamento do ser enquanto aqui e agora e esquecer que
devemos estar voltados para o futuro.
O
momento é importante, mas transformar o exame da situação espiritual do tempo
presente em apreciação subjetiva é realizar uma redução, é ver a situação como
totalidade e permanência. Olhando assim colocamos a situação num patamar
elevado e a perspectiva que temos é aparentemente ampla e global, apesar de seu
caráter individual e limitado. Tal análise do momento pode levar a uma ampla
aprovação e tocar emocionalmente setores expressivos da sociedade e comunidades
inteiras. Tillich cita como exemplo o trabalho de Spengler, A decadência do
Ocidente, onde o filósofo alemão parte da profunda crise de seu país no
primeiro pós-guerra e conclui que a cultura ocidental chegou ao fim. Esta é uma
maneira de ver. Ela pode ser qualificada como irresponsável, mesmo
quando apresenta análises de conjuntura e perspectivas para o futuro. Mas por
que então irresponsável? Por não aceitar suas responsabilidades. Por não
reconhecer os limites daquele que observa, assim como de seu próprio horizonte.
Mas se existe um nível mais elevado, mais amplo do que este analisado pelo
observador, somos, explica Tillich, levados a falar da situação espiritual do
tempo presente, possibilidade que pode ser qualificada de responsável. E é possível
chegar a tal patamar de observação?[166] Caso exista
um ponto de vista mais elevado, a partir do qual se posicione um atalaia do
tempo presente, como deve ser este mirante? Para Tillich, deve estar numa
altura absoluta, inacessível a qualquer comparação. Só o absolutamente
inacessível, incomparável, incondicionado, livre das amarras do historicismo,
pode ser de fato responsável. Partindo dessa realidade, pode-se dizer que
existiram homens que interpretaram a situação espiritual de uma época dada. Eis
aqui o ponto de intersecção entre o tempo presente e o espírito profético.
Seguindo a trilha aberta por Tillich, que cita a paixão de Troeltsch no combate
ao historicismo, e que terá seus estudos sobre profetismo reconhecidos
inclusive por estudiosos judeus,[167]
é possível afirmar que o princípio profético traduz inquietude e
descontentamento em relação aos acontecimentos sociais e religiosos concretos.
Há uma
semelhante busca de respostas entre aquele que encarna o espírito profético e a
ação consciente do intelectual orgânico. Assim, afirma Gramsci,
“se
a relação entre intelectuais e povo/nação, entre dirigentes e dirigidos, entre
governantes e governados, é dada por uma adesão orgânica, na qual o sentimento
paixão torna-se compreensão e portanto saber, não mecanicamente, mas de forma
viva, é somente então que a relação é de representação e que se produz o
intercâmbio de elementos individuais entre governados e governantes, entre
dirigidos e dirigentes, isto é: que se realiza a vida conjunta que, só ela, é a
vida social, cria-se um bloco histórico”.[168]
Por isso, ambos,
profeta e intelectual quando representam determinada comunidade têm função
superestrutural e, apesar de sua organicidade, precisam exercer autonomia em
relação às pressões sociais que sofrem. É dessa postura que nasce a força
crítica e a compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes
daquelas expressas pelo poder. Embora o profetismo bíblico não responda às
necessidades atuais de análise de situações-limite, mostra que não basta o
exame da situação espiritual do tempo presente como totalidade e permanência,
ao contrário, mostra que é necessário compreender as exigências colocadas pelo
absolutamente inacessível, mostra que é preciso estar livre das amarras do
historicismo. Tal compreensão, que faz parte do princípio profético, expressão humana e verbal do
incondicionado, é encontrada no profetismo bíblico[169], que possuía
uma concepção unitária do fato e procurava a síntese entre política e ética.
Eram ao mesmo tempo revolucionários voltados para o passado e conservadores
impulsionados pela paixão do porvir, nada faziam sem invocar a tradição, no
entanto, sua mensagem[170] eram os novos
tempos. Os profetas sabiam servir-se do passado para as necessidades do
presente. Todos pareciam ter algo em comum: uma atitude realista. Abominavam o
palavreado superficial, a eloqüência abstrata. Ao contrário dos falsos
profetas, interessavam-se pelo concreto e procuravam não viver envoltos em véus
de ilusões. A pregação do futuro não constituía o essencial de seus clamores;
era antes, o fruto e o resultado final de conhecimento aprofundado no mundo
adjacente, da atualidade e do passado. [171]
Mas
isso não basta. O espírito crítico no tempo presente não pode ser apreendido a
partir da leitura dos profetas bíblicos, nem do Novo Testamento, e nem mesmo de
Lutero, diz Tillich. Os evangélicos radicais atacavam a doutrina de Lutero a
respeito da Escritura, afirmando que Deus não falara apenas no passado,
tornando-se mudo no presente. Sempre falou aos corações ou nas profundezas de
qualquer ser humano preparado para ouvi-lo por meio de sua própria cruz. O
Espírito habita nas profundezas do coração, não no nosso, naturalmente, mas no
de Deus. Thomas Müntzer, o mais criativo dos evangélicos radicais, acreditava
que o Espírito podia sempre falar por meio dos indivíduos. No entanto, para se
receber o Espírito era preciso participar da cruz. Lutero, dizia Müntzer, prega
um Cristo doce, um Cristo do perdão. Devemos também pregar o Cristo amargo, o
Cristo que nos chama a carregar sua cruz. A cruz, considera Tillich, representa
a situação limite. é externa e
interna. Surpreendentemente, Müntzer expressa esta idéia em termos existenciais
modernos. Quando percebemos a finidade humana, desgostamo-nos com a totalidade
do mundo. E nos tornamos pobres de espírito. O ser humano é tomado pela
ansiedade de sua existência de criatura e descobre que a coragem é impossível.
Nesse momento Deus se manifesta e ele é transformado. Quando isso acontece, o
ser humano pode receber revelações especiais. Pode ter visões pessoais não
apenas a respeito de teologia como um todo, mas sobre assuntos de vida diária.[172]
Assim, quando procuramos um lugar que não possa ser abalado, nossa
interpretação não pode estar pousada sobre experiência própria e nem mesmo da
Igreja.
Para
fazer a leitura deste espírito profético no tempo presente, Tillich analisa o
século XIX e constata: o espírito profético aflorou em Karl Marx e Friedrich
Nietzsche, no signo da luta contra o cristianismo. Em Marx o espírito da
profecia hebréia se manifestou através das palavras e da ação e em Nietzsche
aflorou o espírito profético de Lutero.[173]
Ambos se levantaram contra o Deus da sociedade burguesa.
“A descrição de Marx da sociedade moderna é muito
importante. Se nós, na qualidade de teólogos, falamos de pecado original, por
exemplo, sem perceber os problemas da alienação na situação social, não
poderemos nos dirigir ao povo em sua situação real no cotidiano. Segundo Marx,
a alienação significa a desumanização presente na situação social. Ao falar da
humanidade no futuro, fala de verdadeiro humanismo. Aguarda uma situação em que
o verdadeiro humanismo não seja fruição de apenas alguns privilegiados; nem é o
humanismo a posse de certos bens culturais. Busca o restabelecimento da verdadeira
humanidade, capaz de substituir a desumanização da sociedade alienada. O
principal nessa idéia de desumanização é que o homem se transformou num dente
da engrenagem no processo de produção e do consumo. No processo da produção o
trabalhador individual se transformou numa coisa, num instrumento, ou numa
mercadoria comprada e vendida no mercado. O indivíduo tem que se vender para
sobreviver. Suas descrições supõem que o homem seja essencialmente pessoa e não
objeto. O homem é fim e alvo supremo e não mero instrumento. Não é uma
mercadoria, mas o telos interior de tudo
que faz. É o significado e o alvo interior. A descrição de Marx da
desumanização ou da forma particular de alienação existente na sociedade
capitalista contradiz completamente sua herança clássica humanista. Não podia
haver reconciliação. Na realidade social existe apenas desumanização e
alienação. Vinha daí o poder para a mudança da situação. Quando Marx, em seu
Manifesto Comunista, se referia à libertação das massas de suas cadeias, essas
cadeias eram os poderes desumanizadores produzidos pelas condições de trabalho
da sociedade capitalista. Conseqüentemente, perdia-se o caráter essencial do
homem nesse tipo de sociedade. O homem deformava-se nos dois lados do conflito
pelas condições da existência. Só voltaremos a saber o que o homem realmente é
quando essas condições forem superadas. A teologia cristã afirma que podemos
saber o que é essencialmente o homem, porque o homem essencial já apareceu nas
condições da existência no Cristo. A alienação não se refere apenas às relações
humanas, caracterizadas pela separação entre as classes, mas também à relação
do homem com a natureza. Retira-se do homem o eros. A natureza passa a ser
apenas matéria de onde se fazem instrumentos, para a manufatura dos bens de
consumo. A natureza deixa de ser um sujeito com o qual nós, também sujeitos,
podemos nos unir em termos de eros, daquele amor que vê na natureza o poder
interior do ser, o fundamento do ser criativamente ativo por meio da natureza.
Na sociedade industrial transformamos a natureza na matéria de onde fazemos as
coisas para comprar e vender”.[174]
Marx
levantou a bandeira da justiça e Nietzsche da vida criativa. A influência de
Marx se fará sentir na filosofia da história, no combate contra o ethos
burguês, contra o capitalismo e contra o imperialismo, e também na idéia da
cultura comunitária e na tensão apaixonada pelo futuro. Já Nietzsche, por outro
lado, influenciou a filosofia da vida, a literatura, a arte expressionista, os
movimentos de juventude, a luta contra as convenções burguesas e a valorização
da disciplina aristocrática.[175]
Não podemos,
porém, falar de filosofia da história sem nos remetermos a um pensador alemão
que influenciou Tillich: Ernst Troeltsch. Atualmente, os trabalhos dele e a
influência que exerceu sobre o pensamento tillichiano são objetos de
pesquisa. E ganharam importância a
partir do final do século XX, relevância que aumenta na proporção das perguntas
referentes ao lugar da religião na sociedade e da discussão sobre a necessidade
crescente do diálogo inter-religioso no mundo. Tal preocupação levou
especialistas a fazerem comparações sistemáticas das obras dos dois autores, a
fim de discernir as diferenças e a complementaridade delas. Tillich nos remete
a Troeltsch, porque esse filósofo da religião abriu caminho para uma filosofia
social e uma filosofia da história, que posteriormente foram utilizadas por
Tillich na construção de sua teologia da cultura. Assim, podemos dizer que a
filosofia da religião está no centro das preocupações de Troeltsch e Tillich. O
que nos abre um campo de pesquisa sobre o papel da religião na modernidade e
nesta alta-modernidade, onde a questão epistemológica da relação entre ciências
empíricas e ciências normativas da religião continua na ordem do dia. A
pesquisa de Troeltsch cobriu os domínios da psicologia empírica da religião,
mas também procurou formular uma teoria da religiosidade enquanto a priori,
numa clara tentativa de ir além do proposto pelo positivismo.[176] Tillich, por
sua vez, aprofundará a questão epistemológica e da relação entre ciências
empíricas e ciências normativas, apresentando sua concepção de teonomia, onde a
religião é concebida como substância da cultura. Em relação à teologia, os dois
procuram responder ao desafio de elaborar uma interpretação da fé cristã que
respondesse à situação presente. Troeltsch situou seu questionamento no estudo
da modernidade, e Tillich partiu da I Guerra Mundial, momento que para ele
marcou o fim da moderna burguesia, o que colocava diante de todos nós a
possibilidade de um tempo novo, um kairós. Os dois, contudo, partem das mesmas
convicções no que se refere à critica ao supranaturalismo enquanto método de
interpretação da revelação e da fé. Assim, Troeltsch caminhou em direção à
perspectiva histórica, enquanto Tillich abriu uma nova perspectiva no contexto
do diálogo religioso. Essa influência de Troeltsch está presente nos escritos
socialistas de Tillich, tanto na escolha de termos, como no fato de que parte
do conceito troeltschiano de “síntese criativa” ao falar da relação
entre cristianismo e socialismo. Esse conceito Troeltsch tomou emprestado de
Wilhelm Wundt, a fim de superar a contradição
"relativismo-absolutismo" presente na filosofia da história.
“A
síntese criativa, sempre nova, confere ao Absoluto a forma possível ao momento
e carrega, portanto, nela o sentimento de não ser mais que uma simples
aproximação dos valores verdadeiros e últimos”.[177]
Mas um
terceiro elemento intervém: a tendência dialética da teologia
protestante, que se expressa de forma paradoxal, ao fazer a crítica de pontos
de vista estabelecidos. Crítica do movimento socialista, ainda em seus
primórdios, e crítica da tentativa de limitar a profecia a um ponto de vista
particular.[178]
Submetido a este tribunal, o espírito do tempo presente ganhou em pureza e
profundidade. E esta negação do tempo a partir da eternidade teve uma
conseqüência fatal. Recusou-se a ser um simples ponto de vista. Considerou que
tudo depende, então, do grau de proximidade existente entre uma profecia e o que
acontece no mais íntimo de uma época.
Tudo depende do grau de concretude e do tipo de força em seu interior
disposto a anunciar o sentido do tempo presente.
“O Deus do tempo é o Deus da história. Isso significa
em primeiro lugar, que é o Deus que atua na história com destino a uma meta
final. A história segue uma direção, algo novo há de criar-se nela e por
intermédio dela. Essa meta designa-se de várias maneiras: bem-aventurança
universal, vitória sobre os poderes demoníacos representados pelas nações imperialistas,
chegada do Reino de Deus na história e, mais além da história, transformação da
forma do mundo, etc. Os símbolos são muitos – alguns mais imanentes, como no
profetismo antigo e no moderno protestantismo, outros mais transcendentes, como
nas doutrinas apocalípticas posteriores e no cristianismo tradicional --, mas
em todos os casos o tempo dirige, cria algo novo, uma “nova criatura”, como
chama Paulo. O trágico círculo do espaço foi superado. A história tem um
princípio e um fim definidos. No profetismo, a história é história universal.
Negam-se as limitações espaciais, as fronteiras entre as nações. Para Abraão
todas as nações serão benditas, todas poderão adorar a Deus no monte Sião, o
sofrimento da nação escolhida tem o poder de salvar todas as demais. O milagre
do Pentecostes supera as diferenças do idioma. Em Cristo salva-se e une-se o
cosmo, o universo. Em sua tentativa de criar uma consciência humana indivisa,
as missões têm um caráter universal. O tempo alcança plenitude na história e a
história a alcança no reino universal de Deus, o reinado da justiça e da paz.
Isso nos leva ao ponto decisivo da luta entre o tempo e o espaço. O monoteísmo
profético é o monoteísmo da justiça. Os deuses do espaço suprimem,
necessariamente, a justiça. O direito ilimitado de todo deus espacial choca
inevitavelmente com o direito ilimitado de outro deus espacial. A vontade de
poder de um dos grupos não pode fazer justiça ao outro. Isso é válido para os
grupos poderosos que operam dentro da nação e para as próprias nações. O
politeísmo, a religião do espaço, é forçosamente injusto. O direito ilimitado
de todo deus do espaço anula o universalismo implícito na idéia de justiça.
Este é o único significado do monoteísmo profético. Deus é um porque a justiça
é uma. A ameaça profética que pende sobre o povo eleito, de ser rechaçado por
Deus, por causa da injustiça, é a verdadeira vitória sobre os deuses do espaço.
A interpretação da história que nos dá o dêutero-Isaías, segundo o qual Deus
chama os demais povos para castigar o povo por Ele escolhido, devido à sua
injustiça, confere a Deus um caráter universal. A tragédia e a injustiça são
próprias dos deuses do espaço; a realização histórica e a justiça o são de Deus
que atua no tempo, e por seu intermédio, unindo no amor o vasto espaço de seu
universo”.[179]
Quando
analisamos o espírito profético a partir desta problemática, vamos constatar
que ele não testemunha em benefício do presente, diferentemente da profecia
clássica dos hebreus. Ele profere um não ao tempo presente. Um não
abstrato, amplo, já que não critica o tempo presente em concreto, de forma
particular, pelo simples fato de não aceitar os símbolos das forças demoníacas
de nosso tempo, como o fizeram os antigos profetas, o cristianismo primitivo,
Lutero, Marx e Nietzsche.[180]
Ao renunciar a um não concreto à situação presente, apresenta um sim
a esta situação. O não abstrato torna profanas todas as oposições e as rebaixa
de tal modo que deixam de ter importância última. E por isso a santa paixão
profética perde sua razão de ser.
O
individualismo religioso e o criticismo na filosofia são, quando consideramos a
situação do tempo presente, movimentos reacionários.[181]
E é terrível ver que, muitas vezes, ambos estão sob a proteção de um falso
profetismo, cuja essência e mensagem consistem em congregar tudo sob o mesmo não.
Assim, o combate profético concreto perde forças e fica amarrado diante das
forças demoníacas da época. Ao contrário, agrega Tillich, o espírito profético
está envolvido na situação histórica concreta, tem a coragem de decidir e
colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. Sem esquecer que sua relação
aponta ao incondicionado, e que o ponto mais elevado que é possível alcançar no
tempo está submetido ao não. Mas não deverá, por temer o não, perder a audácia
do não e do sim concretos. E é a partir dessa compreensão do que significa o
espírito de profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, mas
agora com novos conteúdos.[182]
Kairós significa tempo concluído, o instante concreto e, no sentido profético,
a plenitude do tempo, a revolução do eterno no tempo. Kairós não é um qualquer
momento pleno, uma parte ou outra do curso temporal: kairós é o tempo onde se
completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo do destino.
Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma
decisão inevitável, de uma responsabilidade inelutável, é considerá-lo enquanto
espírito da profecia. Diante dessa responsabilidade inelutável existem, para
Tillich, três posições distintas, que se definem na sua compreensão do tempo
presente. Vamos analisar duas: a concepção conservadora e a concepção
progressista, que se apresentam com variáveis e modulações.
A concepção
conservadora admite o surgimento do eterno no tempo, que repousa no passado. Por
essa razão nega toda mudança, presente ou futura. A força dessa concepção
repousa no fato de que considera o eterno como dado e não como resultado da
ação cultural e religiosa do ser humano. A concepção conservadora também
reconhece o kairós, mas o situa no passado. Desconsidera que se
aconteceu no passado como acontecimento único, não é ele quem se revela em
todos os sim e não do passado, do presente e futuro. Sob tal
visão repousam os conservadorismos. Perderam o sentido supratemporal do kairós.
Noutro extremo, a concepção
progressista considera o eterno um alvo infinito, existente em cada época, mas
que não se apresenta enquanto revolução. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem
decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma tensão diante
do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível a debilita e produz
um compromisso continuado com o passado. A concepção progressista não oferece
nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica
pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade última. Este
progressismo mitigado é a atitude característica da sociedade burguesa. É um
perigo que ameaça constantemente, é a supressão do não e do sim
incondicionados, a supressão do anúncio da plenitude dos tempos.[183] É o
verdadeiro adversário do espírito profético.
A esperança:
mais poderosa que os canhões
Mas ao contrário
de negar o conservadorismo e o progressismo, Tillich mostra que reação e
progresso estão entrelaçados na consciência do kairós. E é esse
entrelaçamento que leva a um terceiro caminho. E o terceiro caminho é a utopia.
Sem o espírito utópico não há protesto, nem espírito profético. Isto é exato na
medida em que cada tensão orientada para adiante comporta uma representação
daquilo que deve vir e de como se entende a realização desse ideal. Eis porque
o espírito da utopia está presente em todo agir incondicionalmente decidido, em
todo agir orientado à transformação do presente. Para Tillich, a utopia quer
realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos
seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção.
Progresso mitigado é o resultado da utopia revolucionária desencantada.
A idéia do kairós,
explica Tillich, nasce da discussão com a utopia. O kairós comporta a
irrupção da eternidade no tempo, o caráter absolutamente decisivo deste
instante histórico enquanto destino, mas tem a consciência de que não pode
existir um estado de eternidade no tempo, a consciência de que o eterno é, em sua
essência, aquele que faz a revolução no tempo, sem, contudo, fixar-se nele.
Assim, a realização da visão profética se encontra além do tempo, lá onde a
utopia socialista perde força, mas não a sua ação.[184] Toda
transformação, metodologicamente, exige uma compreensão do momento vivido que
vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro,
deve entender que há no espírito profético da responsabilidade inelutável um
choque entre este kairós e a utopia. Tal desafio, para Tillich, não pode
ser resolvido por uma pessoa, por mais que encarne o espírito da profecia. O
sujeito da transformação será, em última instância, o movimento da massa
dinâmica.
Para Tillich, o
período que se abre com o final da Segunda Guerra Mundial, em vez de se caracterizar
por um kairós criativo, surgiu como vazio, que só poderia ser
transformado se a humanidade rejeitasse as soluções prematuras e não se
afundasse na esperança nula do sagrado. Em junho de 1949, Tillich afirmou não
duvidar de que as concepções básicas do socialismo religioso fossem válidas,
pois apontavam para o modo político e cultural de vida pela qual a Europa
poderia ser reconstruída. Mas não estava seguro de que a adoção dos princípios
do socialismo religioso fosse de fato uma possibilidade num futuro próximo.[185] Sua
frustração se devia, em grande parte, à ruptura entre Leste e Oeste, e à
divisão da Alemanha, fenômeno particular da divisão do mundo em dois blocos.
Assim, em conferência realizada em Nottinghan, Inglaterra, em 1953, Tillich
disse que a diminuição das soberanias nacionais, o surgimento de grupos de
poder abrangentes e a divisão do mundo em dois blocos de poder político
abrangentes colocavam a questão da possibilidade ou não de uma humanidade
unida.[186]
Tillich naquele momento acreditava na possibilidade de que um dos blocos de
poder pudesse se desenvolver na direção de um centro mundial, embora isso não
representasse o reino de Deus, “pois a desintegração e a revolução não estão
excluídas”.[187] Tal
compreensão da realidade mundial levou-o não a abandonar suas preocupações
políticas, mas a se debruçar sobre projetos que tiveram início ainda na sua
fase alemã, como o de uma nova leitura da sistemática cristã e suas reflexões
sobre a cultura. Mas a maioria de seus companheiros, que esperavam a realização
do socialismo religioso, com o crescente desprezo pelas liberdades civis e aos
direitos humanos, assim como a descoberta da existência de gulags nos
países comunistas, se desiludiu. O
movimento marxista, segundo Tillich, não foi capaz de se criticar por causa da
estrutura em que caiu, transformando-se no que passou a ser chamado de
stalinismo. Dessa maneira, todas as coisas em favor das quais os grupos
originais tanto lutaram acabaram sendo reprimidas e esquecidas.[188]
Porém,
é importante lembrar que a oposição entre o marxismo e a fé crista não está no
método dialético e nem mesmo no materialismo, mas na leitura dos fatores
intra-históricos, que para Marx determinam a história. Já na visão cristã é a
combinação dos fatores intra e supra-históricos que define a história. A
ausência do elemento transistórico no marxismo, não somente o colocou em
oposição ao cristianismo, mas levou o stalinismo a caminhar numa direção
contrária a do próprio marxismo. Assim, o fator decisivo não é o contraste
intelectual entre cristianismo e marxismo, mas o contraste na prática. O
marxismo percebe a condição humana, incluindo a historia humana, como
completamente circunscrita ao tempo. Propõe, então, trabalhar com a organização
da sociedade dentro do tempo e, quanto mais está convencido da verdade de sua
própria concepção, mais tenta realizá-la em todos os sentidos, a ponto de
desconsiderar a dignidade humana. Espera uma reconciliação entre o espaço e o
tempo, o que o leva a uma visão utópica, e ao desapontamento que segue toda
utopia e, em última instância, ao terror. Já o cristianismo vê a condição
humana, incluindo a história humana, a partir de uma posição entre tempo e
eternidade. Percebe a infinita dignidade da pessoa, que decorre de sua relação
com a eternidade, e percebe também o limite de tudo que é humano, no espaço e
no tempo, submisso às condições de finitude e culpa. Por isso, coloca a questão
concernente à reconciliação na qual o temporal é elevado ao que é eterno. E o
eterno se torna efetivo no reino do tempo. A escolha entre essas duas
possibilidades de vida não é nem econômica, nem política, é religiosa.[189]
O fortalecimento
do stalinismo fez com que Tillich, que não se considerava um utópico,
constatasse que o amanhecer de uma nova era criativa se distanciava da
humanidade.[190]
E alertou para o perigo, a partir da experiência stalinista, de o socialismo
transformar-se em totalitarismo, já que não aceitava a pluralidade de partidos
políticos e as liberdades civis, que ele e os socialistas religiosos defendiam.
Mas é interessante ver que descartava qualquer possibilidade de hegemonia
permanente, quer por parte do bloco soviético, quer por parte do bloco
ocidental.
“Novos
centros de poder podem aparecer, primeiro secretamente, e depois, então,
abertamente, levando para a separação de ou para a transformação radical do
todo. (...) O poder inicia a luta novamente e o período determinado do império
mundial será tão limitado quanto o foi o período augustiniano de paz”.[191]
E disse que um
mundo sem as dinâmicas do poder, sem a tragédia da vida e da história não é o
reino de Deus, nem a finalidade do ser humano, pois o fim está limitado à
eternidade e nenhuma imaginação pode atingir o eterno. Mas as antecipações
fragmentárias são possíveis.[192] Assim, falar
de socialismo religioso significa entender que ele se traduz na defesa do
sentido último do significado profundo das raízes do ser humano e, no mundo
contemporâneo, que ele, diante do trovejar dos canhões e da ameaça à vida,
levanta-se como voz profética de um mundo novo.
Segundo Higuet, em Tillich, a espera/esperança exorta
a luta política a caminhar
na direção do futuro prometido. A ação humana deve
criar novas possibilidades
de existência, provocar antecipações significativas
do futuro. Na ação
animada pela espera, há transformações e superações,
mas não se alcança uma
existência humana isenta de ameaça. Nas Escrituras, o
objetivo central da espera é a
realização do reino de Deus e da sua
justiça. O princípio último da justiça é o
reconhecimento concreto da dignidade de todo ser
humano como pessoa, e, em primeiro
lugar, dos injustiçados ou ameaçados pela injustiça.
“O ‘espírito
da utopia’, que se
identifica com o espírito profético, reanima a esperança, que está no
coração de toda espera responsável. Assim
deve ser também a espera política”.[193]
Talvez por isso, Albrecht e Schussler
finalizaram a biografia de Tillich, lembrando suas palavras sobre os quatro
primeiros versículos do salmo 90:
“Na noite de 20 de agosto de 1915, meu
aniversário de nascimento, fui despertado duas vezes pelos tiros de canhão que
me lembravam que eu comemorava um aniversário de guerra. À partir daquele ano,
o salmo 90
[Senhor tu tens
sido o nosso refúgio. Antes de formares os montes e de começardes a criar a
terra e o universo, Tu és eternamente. Tu dizes aos seres humanos que voltem a
ser o que eram antes. Diante de Ti mil anos são como um dia, como o dia de
ontem que já passou, são como uma hora noturna que passa depressa.]
tornou-se
uma verdade para mim e ele jamais deixou de soar em meu coração a cada
aniversário e a cada entrada de ano (São Silvestre) e, ainda hoje, ele é mais
poderoso do que todos os tiros de canhão”.[194]
Conclusão
Questões que um
político deve levar em conta
Vimos que Tillich nos apresenta
roteiros teóricos que possibilitam abordar a questão política a partir de uma
leitura teológica. Com a finalidade de facilitar o leitor, à guisa de
conclusão, levantamos alguns pontos que o estudioso da correlação política e
religião deve levar em conta:
·
Condições especiais levam a massa proletária e a individualidade pessoal a
formarem uma síntese chamada massa orgânica, que corresponde ao ideal da
teonomia. Essa massa orgânica nem sempre caminha em direção ao ideal da
teonomia, mas quando o tempo histórico orienta nessa direção temos a massa
dinâmica. Esta é revolucionária, não só no sentido político do termo, mas em um
sentido de fé espiritual e social. É necessário que a massa dinâmica seja
revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do
estado de massa.
· O
conflito interno do socialismo tem como ponto de partida a própria situação
proletária. O conflito da
situação proletária vem do fato de que o proletariado tem que se apoiar no
princípio burguês e ao mesmo tempo deve se opor a esse princípio. Ou seja, o
conflito tem por base o fato de que o proletariado deve ir além, sobrepujar o
princípio burguês com os meios deste mesmo princípio. Esta oposição é
inevitável, pois a existência proletária é a expressão conseqüente do princípio
burguês: a objetivação, a reificação e a ruptura com sua própria origem estão
presentes em sua existência. Então, o proletariado não pode reagir ao
pensamento burguês com total liberdade e independência. Isto porque não se pode
responder à reificação apenas com o ethos, isto é, há necessidade de usar meios
políticos.
· A situação proletária mostra que a
situação da existência humana está em contradição com o destino do ser humano.
É por isso que o princípio protestante tem função especial na compreensão da
situação humana quando se olha a partir da situação proletária, pois esta se
apresenta como cisão demoníaca ou alienação. Estes elementos estão imbricados à
situação de classe e à consciência de luta pelo socialismo, mas também têm uma
significação universal. Eles não são atributos de uma classe, mas fazem parte
do conteúdo humano e estão presentes na história. O proletariado descobriu que
esses elementos o ligam aos outros grupos humanos. Nele, os elementos originais
do ser humano são realidade presente que o leva à uma luta a favor de si mesmo,
a uma recusa do princípio burguês.
· Quando analisada a partir do
princípio protestante, a situação proletária mostra que a miséria humana toca
tanto o corpo como a alma. E o socialismo, por sua parte, lembra ao protestantismo
que o dualismo platônico, idealista ou burguês, não tem correspondência nem com
a mensagem bíblica, nem com a teologia protestante. Tillich diz que “o
protestantismo está livre para o materialismo proletário”. De sua parte, o
princípio protestante diz ao socialismo que a miséria humana não é somente uma
miséria socioeconômica, mas também humana.
· A
oposição entre o marxismo e a fé crista, não está no método dialético, e nem
mesmo no materialismo, mas na leitura dos fatores intra-históricos. Na visão
cristã é a combinação dos fatores intra e supra-históricos que define a
história. A ausência desse elemento transistórico no marxismo, tende a levar as
correntes socialistas a caminharem numa direção contrária a do próprio
marxismo. Assim, o fator decisivo não é o contraste intelectual entre
cristianismo e marxismo, mas o contraste na prática.
· A
utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o
tempo e todos seus conteúdos e que é por isso que a utopia leva, necessariamente,
à decepção. E o progresso mitigado é o resultado dessa utopia revolucionária
desencantada. A realização da
espera socialista não é um conceito meramente empírico. A utopia é impotente
para enfrentar os poderes da sociedade, por isso se não se pergunta a respeito
da promessa socialista, sua espera deixa de estar orientada em direção à
realização.
· Há
um choque entre a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente
e o kairós, que se traduz enquanto espírito profético da responsabilidade inelutável.
E é a partir dessa compreensão do que
significa o espírito da profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, que
irrompe no instante concreto, no sentido
profético, enquanto plenitude do tempo.
Kairós não é um momento qualquer, uma
parte do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é
absolutamente significativo, é o tempo da destinação. Considerar uma época como um kairós, considerar o
tempo como aquele de uma decisão inevitável é considerá-lo enquanto espírito da profecia.
· Toda
mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além
do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro. Tal
desafio não pode ser resolvido por um homem ou por uma mulher, por mais que
encarnem o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última
instância, o movimento da massa dinâmica.
· A esperança exorta a luta política a caminhar
na direção do futuro prometido. A ação humana deve
criar novas possibilidades
de existência, provocar antecipações significativas
do futuro. Na ação
animada pela espera, há transformações e superações,
mas não se alcança uma
existência humana isenta de ameaça.
O princípio último da justiça é o
reconhecimento concreto da dignidade de todo ser
humano como pessoa e, em primeiro
lugar, dos
injustiçados ou ameaçados pela injustiça.
Essas questões
nos permitem pensar a política brasileira. E poderíamos dizer, a partir dessa leitura tillichiana, que a práxis participativa somada
ao movimento de formas de economia solidária devem ser entendidas como caminhos
de construção do poder, projetos de transição, que podem abrir espaços de
experiência social para inovações de caráter nacional. A práxis do cristianismo
pode ser, também, uma forma de disputar valores na democracia representativa e
de participação. E neste encontro entre religião e política deve-se
repensar as relações entre utopia e kairós, já que o conceito de transição
formulado no contexto de avanços da democracia participativa deve atualizar seu
sentido, unindo as conquistas do cotidiano com a noção de uma civilização
organizada fora dos parâmetros do mundo dominante.
E porque as
utopias não cessaram de interrogar suas origens, a política deve revisitar a
práxis das comunidades, solidárias e religiosas, que se fazem presentes como
forças básicas de sua formação. Conhecer origens, transformar-se a si mesmo
para transformar o mundo: neste campo da práxis não há derrota definitiva para
as forças da emancipação, pois os cristianismos, enquanto sínteses de práxis,
adquiriram no processo da civilização brasileira uma universalização. Nesta
correlação entre política e religião, o ideal de justiça deve ser redentor:
“ erit opus iustitiae pax, et cultus iustitiae silentium, et securitas ”.
Isaiae 32.17.
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O autor
Jorge
Pinheiro é
cientista da religião e teólogo. É Doutor e Mestre em Ciências da Religião pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de
São Paulo. Tem graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São
Paulo. É professor de Teologia e História na Graduação e no Mestrado da
Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Entre seus livros publicados estão Somos
a imagem de Deus, ensaios de antropologia teológica, São Paulo, Ágape
Editores, 2001; Ética e Espírito Profético, revisitando a História com Paul
Tillich, São Paulo, Ed. Igreja sem fronteiras, 2002; Teologia e
Modernidade, Etienne Higuet (org.), vv.aa., São Paulo, Fonte Editorial,
2005; e A Forma da Religião, Etienne Higuet e Jaci Maraschin (orgs,),
vv.aa., São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2006.
[1]
Paul Tillich, “Systematic Theology I”, Chicago, University Chicago Press, XI,
1951, pp. 3-4. “Das System der
Wissenschaften nach Gegenstanden und Methoden”, Fruhe Hauptwerke,
Gesammelte Werke I, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1955, pp. 265-290.
[2]
Paul Tillich, Systematic Theology I (1951), p. 421.
[3] Paul Tillich, Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands, 1919-1931, Paris, Genebra, Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions
Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1990, 1992. Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, VI, IX, X, XII, XIII, Evangelisches
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Paris, Genève, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les
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Grondin e Lucien Pelletier.
[4] “To be or not to be”, Time
Magazine, 16.03.1959, Vol. LXXIII, No. 11, pp. 47ss. Tillich foi capa desse
número da revista, com chamada especial: “A theology for protestants”.
[5] André Gounelle, Fernand
Chapey: “Paul Tillich: esquisse
biographique”, Montpellier, Institut Protestant de Théologie, Etudes
Théologiques et Religieuses/ETR, 1978/2, 53, pp. 223-224.
[6] Paul Tillich, “Kairos I” in Christianisme
et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra,
Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992, pp. 116-117. Der Widerstreit von Raum und Zeit, Gesammelte Werke, VI, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1963,
pp. 53-72. Trad. fr. Nicole
Grondin e Lucien Pelletier.
[7] Na sua tese sobre Friedrich Wilhelm
Joseph Schelling, La mystique et la conscience de la culpabilité dans le
développement philosophique de Schelling (1912), Tillich apresentou o ponto de vista de
Schelling sobre mito e mitologia. Martin
Leiner, “ Mythe et modernité chez Paul Tillich ”, in Marc Boss, Doris
Lax, Jean Richard (ed.), Mutations religieuses de la modernité tardive,
Actes du XIVe. Colloque International Paul Tillich, Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT, 2002, p. 9.
[8]
Cláudio de Oliveira Ribeiro, “Teologia e Ciências: Uma aproximação entre a
produção teológica latino-americana e a de Paul Tillich”, in Por Uma
Nova Teologia Latino-Americana, A Teologia da Proscrição, vv. aa., São
Paulo, Paulinas, 1996, pp. 211-212.
[9] Paul Tillich, “ La
situation spirituelle du temps présent. Rétrospective et perspective ” in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra,
Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992, pp. 330-331. Die religiose deutung der
gegenwart, Gesammelte Werke, X, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1968, pp.
108-120. Trad.
fr. de Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[10] Paul Tillich, “Ernst Troeltsch. Son importance pour
l’histoire de l’esprit ” in Christianisme et Socialisme, Écrits
socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les
Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval,
1992, pp. 219-220. “ Ernst Troeltsch, Versuch einer geistesgeschichtlichen
Wurdigung ”, Begegnungen, Gesammelte Werke XII, Evangelisches
Verlagswerk Stuttgart, 1971, pp. 166-174. Trad. fr. de Nicole Grondin et
Lucien Pelletier.
[11]
Paul Tillich, “On the boundary, an autobiographical sketch”, in The
Interpretation of History, New York-London, Scribner, 1936, p. 54. Aux Confins, Paris, Planète, p. 67. Trad. fr. Jean-Marc
Saint.
[12] Marc Boss, “ Protestantisme et
modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistas de
Tillich (1919-1920) ”, in A Dumais et J. Richard, editores, Ernst
Troeltsch et Paul Tillich, pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la
culturele de notre temps, Québec : Les Presses de l’Université Laval,
L’Harmattan, 2002, pp. 88.
[13] Jean-Claude Petit, La
Philosophie de la Religion de Paul Tillich, Genèse et évolution, la période
allemande 1919-1933. Montréal :
Fides, Héritage et Projet, 1974, pp. 17-19.
[14] Jean-Claude Petit, La Philosophie de la Religion de
Paul Tillich, op. cit.,
pp. 19-20.
[15] Paul Tillich, “Le socialisme religieux I” in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra,
Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992, pp. 355-362. Christentum und soziale
Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp.
151-158. Trad.
fr. de Nicole Grondin et Lucien Pelletier.
[16] Paul Tillich, “La
Décision Socialiste”, in Écrits contre les nazis (1932-1935), Paris,
Genève, Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1994, pp. 17-170. “Die sozialistische Entscheidung”,
in Christentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum
religiösen Sozialismus, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, Gesammelte
Werke II, 1962, pp. 219-365. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier, introd. de
Jean Richard.
[17] Pedro Rubens, Discerner la foi dans des contextes religieux ambigus, enjeux d’une théologie du croire,
Paris, Les Editions du Cerf, 2004, p. 183.
[18] Marc Boss, “Persistance du socialisme
religieux dans la Philosophie existentielle de Paul Tillich”, in Marc Dumas,
François Nault e Lucien Pelletier (ed.), Théologie et culture: hommages à
Jean Richard; Quebec, Les Presses de l’Université Laval, 2004, p. 343-347.
[19]
Henrique C. de Lima Vaz, “Ontologia da Cultura” in Cultura
e Filosofia, aula inaugural
do Curso de Filosofia do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC), da
Universidade Federal de Ouro Preto, setembro de 1994, pp. 6-12.
[20] Paul Tillich, “De quoi est-il question?
Réponse à Emanuel Hirsch”, in Ecrits contre les nazis, Paris, Genève,
Québec, Editions du Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l’Université
Laval, 1994, pp. 301-302. “Theologische
Blatter”, Der Widerstreit von Raum und Zeit, Gesammelte Werke, VI, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1963,
pp. 214-218. Trad. fr. Nicole
Grondin e Lucien Pelletier.
[21] Paul Tillich, “Le socialisme religieux II” in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp.
451-466. “ Religioser
sozialismus II”, Christentum und
Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke
Stuttgart, 1962, pp.151-158. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[22] Embora Tillich e Martin Heidegger tenham trabalhado
na mesma época em Marburg, a maioria dos estudiosos e biógrafos dos dois,
atualmente, são da opinião de que não desenvolveram nenhum relacionamento
especial, a não ser de forma indireta através de alunos. Houve, no entanto, um
relacionamento estrutural (Thomas O’Meara, “Tillich and Heidegger, a structural
relationship”, Harvard Theological Review 61, 1968, pp. 249-261) de idéias
entre os dois, em especial, como defende Boss, sobre o conceito de kairos.
“Em sua Fenomenologia da vida religiosa (inverno de 1920-1921),
Heidegger cita Sobre a idéia de uma teologia da cultura de um certo Paul
Tillich para ilustrar o interesse da época nos problemas da filosofia da
religião. Heidegger, definitivamente, não fez caso do artigo que Tillich
escreveu. Na verdade, para ele era apenas um texto marcado pela influência de
Troeltsch”. Marc Boss, “Tillich, Heidegger et la question du kairos”,
Paris/Montpellier, études
Théologiques et Religieuses, ETR, tomo 76, 2001/1, p. 59.
[23] Paul Tillich, The Protestant Era,
Chicago, The University of Chicago Press, 1948, p. 94-112. “Die protestantische Ara”, Der
Protestantismus als Kritik und Gestaltung, Gesammelte Werke VII,
Evangelische Verlag Stuttgart, 1962, pp. 105-123. Trad. al. Walter De Gruyter.
[24] A nova tradução francesa do texto
original em inglês Systematic Theology, Three volumes in one [Volume I,
1951; volume II, 1957; volume III, 1963], Chicago, Illinois, The University of
Chicago, [Théologie Systématique, vol. I, p.28, de Mireille Hébert e Claude Conedera, Les
Éditions du Cerf, Labor et Fides e de l’Université Laval, 2000, e vol. II,
idem, p. 29] optou pela expressão “préoccupation ultime”, mas
utilizaremos a expressão em inglês ultimate concern, mais conhecida e
teologicamente aceita.
[25]
Etienne Alfred Higuet, “O método da Teologia Sistemática de Paul Tillich – A
relação da razão e da revelação” in Paul Tillich trinta anos depois, São
Bernardo do Campo, Estudos de Religião, Ano X, no 10, julho de 1995, p. 43.
[26] Paul Tillich, “Nature et Sacrament”, in
Etudes théologiques et religieuses,ETR, Montpellier/Paris, Institut Protestant
de Théologie, 1989, no. 2, pp. 191-210.
[27] Alain Probst, “Paul Tillich, la foi, le dieu des philosophes”, Aix-en-Provence, Faculté Libre de
Théologie Réformée, 2004, Revue Réformée n° 227, mars 2004, p. 95.
[28] Paul Tillich, “La signification de la condition
sociale pour la vie de l’esprit” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands
(1919-1931), Paris,
Genebra, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les
Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 300. “Die Bedeutung der Gesellschaftslage fur das
Geistesleben”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches
Verlagswerke Stuttgart, 1962, pp. 133-138. Trad. fr. de Nicole Grondin et Lucien Pelletier.
[29] Friedrich Wilhelm Joseph Schelling, “Sur
le dogmatisme et le criticisme” in Premiers écrits (1794-1795), Paris,
Presses Universitaires de France, 1987, pp. 199-207; e Jean-François Courtine,
“Finitude e Liberté. Le status du Moi fini et la destination de l’homme du Vom
Ich aux Brife”, in F. W. J. Schelling, Premiers
écrits (1794-1795), op. cit., pp. 237-256.
[30] Pedro Rubens, Discerner la foi dans des contextes religieux ambigus, enjeux d’une théologie du croire,
Paris, Les Editions du Cerf, 2004, p. 184.
[31] Paul Tillich, Christianisme et
socialisme (CES), Oeuvres de Paul Tillich, sob a direção de André Gounelle
et Jean Richard, Paris-Genève-Québec : Editions du Cerf, Labor et Fides,
Presses de l’Université Laval, pp. 21-30 e pp. 39-45. “Christentum und Sozialismus I” (1919), in
Gesammelte Werke II, pp. 21-28; e “Christentum und Sozialismus II” (1920), GW
II, pp. 29-33. Trad. fr.
CES, N. Grondin e L. Pelletier.
[32]
James Luther Adams, “O conceito de era protestante segundo Paul Tillich”, in
Paul Tillich, A Era Protestante, São Bernardo do Campo, Ciências da
Religião, 1992, p. 301. Trad. pt. de
Jaci Maraschin. The
Protestant Era,
Chicago, The University of Chicago Press, 1948. “Die protestantische Ara”, Der Protestantismus
als Kritik und Gestaltung, Gesammelte Werke VII, Evangelische Verlag
Stuttgart, 1962, pp. 105-123. Trad. al. W. De Gruyter.
[33]
“Observamos aqui um dos aspectos mais originais e notáveis da doutrina da
justificação em Tillich. Lutero aplicava essa doutrina apenas à vida
religiosa-moral. O pecador, não obstante ser injusto era ‘justificado’. Tillich
aplica a mesma doutrina igualmente à esfera religiosa-intelectual. Nenhuma autoridade
tem o direito de exigir, na verdade, a aceitação de qualquer crença ‘correta’
de quem quer que seja. A devoção à verdade é suprema; é devoção a Deus. Existe
sempre um elemento sagrado na integridade que conduz à dúvida mesmo sobre Deus
e a religião. Na verdade, se Deus é a verdade, Ele é a base e não o objeto das
questões a seu respeito. Qualquer lealdade à verdade será sempre religiosa,
mesmo quando acabar constatando a falta de verdade. Parafraseando Agostinho, a
pessoa que duvida com seriedade terá de dizer: ‘Duvido, logo sou religioso’. O
divino se faz presente até mesmo na dúvida. O ateísmo absolutamente sério pode
se dirigir ao incondicional; pode ser uma forma de fé na verdade. Vê-se aqui a
conquista da falta de sentido pela consciência da presença paradoxal do
‘sentido na própria falta de sentido’. Assim é ‘justificado’ aquele que duvida.
A única atitude fundamentalmente irreligiosa é, então, a do cinismo absoluto
com sua completa falta de seriedade”. James Luther Adams, “O conceito de era protestante
segundo Paul Tillich”, op. cit., pp. 302-303.
[34] Paul Tillich, “Principe protestant et
situation prolétarienne” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes
allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions
Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, tradução de Nicole Grondin e
Lucien Pelletier, 1992, pp. 413-419. “Protestantisches
Prinzip und Proletarische Situation”, Der Protestantismus als Kritik und Gestaltung, Gesammelte Werke VII, Evangelische Verlag Stuttgart,
1962, pp. 84-104. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[35] Klaus George Rempel, “Protestantismo”, exposição de A
Era Protestante, bloco IV, (Paul Tillich, São Bernardo do Campo,
Ciências da Religião, 1992, trad. pt. de Jaci Maraschin), in Seminário Paul Tillich, Faculdade
Teológica Batista de São Paulo, agosto de 2000.
[36] Paul Tillich, “Le problème de l’éthique sociale évangélique”, in Christianisme
et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les
Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval,
1992, p. 276. “Zum Problem
der evangelischen Sozialetik”, Begegnungen,
Gesammelte Werke XII, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1970, pp. 212-218.
[37]
Paul Tillich, “Ethics in a changing world”,
in The Protestant Era, Chicago: The University of Chicago Press, 1948,
p. 150-160.
[38] André Gounelle, “Une
éthique social pour aujourd’hui?”,
Montpellier: Institut Protestant de Théologie, Etudes Théologiques et
Religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/3, p. 354.
[39] Paul Tillich, “Le problème de l’éthique
sociale évangélique, a propos d´un article de Wilhelm Loew” in Christianisme
et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931),
idem, op. cit., p. 276.
[40] Claude Schwab, “Morale protestante et
morale catholique d’après et après Paul Tillich”, Montpellier/Paris, Etudes
Théologiues et Religieuses, ETR, 1989/2, pp. 226-227.
[41] Paul Tillich, “Rapport au Consistoire de
la Marche de Brandenbourg, 1919” in
Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931),
Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les
Presses de l’Université Laval, 1992, p. 3. “Christentum und sozialismus, Bericht an das
Konsistorium der Mark Brandenbourg”, Impressionen und reflexionen,
Gesammelte Werke, XIII, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1972, pp.
154-160. Trad. fr. Nicole
Grondin e Lucien Pelletier.
[42] Paul Tillich, “Rapport au
Consistoire de la Marche de Brandenbourg, 1919” in Christianisme et
socialisme, op. cit. p. 4.
[43] Paul Tillich, “Masse et Esprit. Études de
philosophie de la masse” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes
allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf,
Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 72. “Masse und Geist”, Christentum und
Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke
Stuttgart, 1962, pp. 35-90. Trad.
fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[44] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”,
in Écrits contre les nazis (1932-1935), op. cit., p. 25.
[45]
Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX,
São Paulo, ASTE, 1999, p. 193. Perspectives of 19th. and 20th. Century
Protestant Theology, Ed. Carl E. Braaten, Nova York, Harper, 1967. Trad.
pt. Jaci Maraschin.
[46]
Paul Tillich, A Era Protestante, São Benardo do Campo, Ciências da
Religião, 1992, p. 271. Trad. pt. de
Jaci Maraschin. The
Protestant Era,
Chicago, The University of Chicago Press, 1948. “Die protestantische Ara”, Der Protestantismus
als Kritik und Gestaltung, Gesammelte Werke VII, Evangelische Verlag
Stuttgart, 1962, pp. 105-123. Trad. al. Walter De Gruyter.
[47]
Paul Tillich, A Era Protestante, op. cit., p. 274.
[48]
Paul Tillich, On the Boundary, An autobriographial sketch, New York,
Charles Screibner’s Sons, 1966. “Aux frontières: esquisse autobiographiques“
(1936) in Documents biographiques, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions
du Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 2002, p.
13. Tradução e introdução da edição francesa de Roland Galibois.
[49] Paul Tillich, Documents biographiques,
Paris, Genebra, Quebec, Les Editions du Cerf, Editions Labor et Fides, Les
Presses de l’Université Laval, 2002, p. 52-53. Sein Leben, Frankfurt, Germany, 1993.
[50] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”,
in Écrits contre les nazis (1932-1935), op. cit., p. 27.
[51]
Paul Tillich, Teologia de la cultura y
otros ensayos, A dimensão religiosa
na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp.
16-17. Man’s right to knowledge, Columbia University Press, 1954.
[52] Paul Tillich, “Kairos II. Idées à propos de la situation spirituelle
du temps présent”, in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra,
Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992, pp. 253-267. “Kairos II, Ideen zur Geisteslage der Gegenwart”, Die Widerstreit von
Raum und Zeit, Gesammelte Werke VI, 1963, pp. 29-41. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[53] Paul Tillich, “Kairós II”, in Christianisme et socialisme, Écrits
socialistes allemands (1919-1931), op. cit., pp. 259-260.
[54] Paul Tillich, “Kairós II”, in Christianisme et socialisme,
Écrits socialistes allemands (1919-1931), op.cit., p. 260.
[55] Martin Leiner, “Mythe et modernité chez
Paul Tillich”, in Marc Boss, Doris
Law, Jean Richard (ed.), Mutations religieuses de la modernité, Actes du
XIVe. Colloque International Paul Tillich, Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT, 2002, p. 13.
[56] Paul Tillich, La Décision Socialiste, op. cit., p. 17.
[57]
Marilena Chauí, Brasil, mito fundador e
sociedade autoritária, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p.
9.
[58]
Paul Tillich, “Kairós II”, op.cit., p. 260.
[59] Mary Ann Stenger, “La justice créative dans les écrits de
Tillich sur le socialisme et dans ‘Amour, pouvoir et justice’”, in Etudes
théologiques et religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/4, p. 527, Montpellier, Institut Protestant de Théologie, 2004.
[60]
Paul
Tillich, Kairós II, op.cit., p. 260.
[61] Paul Tillich, “Idéologie et utopie. À propos d’un
ouvrage de Karl Mannheim” in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp.
320-322. “Ideologie und Utopie”, Begegnungen, Gesammelte Werke XII, Evangelisches Verlagswerk
Stuttgart, 1971, pp. 255-261. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[62]
Paul
Tillich, “Kairós II”, op. cit., p. 261.
[63]
Paul Tillich, História do Pensamento
Cristão, São Paulo, ASTE, 2000, p. 24. Texto original: A History of
Christian Thought, Ed. Carl E. Braaten, Nova York, Harper and Row
Publishers, Inc., 1968. Vorlesungen
uber die Geschichte des christlichen Denkens, Stuttgart, Evangelische Verlag W., 1971.
[64] Paul Tillich, “La décision socialiste”, op. cit., p.31.
[65] Paul Tillich, “Le problème du pouvoir. Essai de
fondation philosophique” in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp.
486-488. “Das Problem der Macht”, Christentum und soziale
Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962,
pp. 193-208. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[66] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos,
op. cit., pp. 239-240.
[67] Paul Tillich, “Le socialisme” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands
(1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor
et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 346. “Sozialismus”, Christentum und Soziale
Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962,
pp.139-150. Trad. fr. Nicole
Grondin e Lucien Pelletier.
[68] André Gounelle, “Une éthique sociale pour aujourd’hui?”,
Montpellier : Institut Protestant de Théologie, Etudes Théologiques
et Religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/3, p. 355.
[69] Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme,
op. cit., p. 4.
[70] A tradução francesa utiliza a expressão “économie
de l’entreprise privée et du profit”. Paul Tillich, “Rapport au
Consistoire” in Christianisme et
socialisme, idem, op. cit., p. 4.
[71] Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme,
idem, op.cit., p. 5.
[72] Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme,
op.cit., p. 5.
[73] Paul Tillich, “Christianisme e socialisme
I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931),
Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les
Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 23-30. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum
und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke
Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad.
fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[74] Hugues Portelli, Gramsci
e a questão religiosa, São Paulo, Edições Paulinas, 1984, p. 188.
[75]
Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 23.
[76]
Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 24.
[77]
Jurandir Freire Costa, “O inferno de
todos nós”, São Paulo, Caderno Mais, Folha de S. Paulo, 02.05.1999, pp. 5-7.
[78] Paul Valadier, Essais sur la
modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 35-37.
[79] Gustave Martelet, Deux mille ans
d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, Paris, Les
Éditions du Cerf, 1990, p. 185-186.
[80] Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands
(1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor
et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 24. “Christentum
und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke
II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad.
fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[81] Gustave Martelet, Deux mille ans
d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, op. cit., p. 185.
[82]
Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, Vida Nova, São
Paulo, 1992, págs. 320-331.
[83] Paul Tillich, “Christianisme et
Socialisme I”, op.cit., p. 24.
[84]
Earle E. Cairns, O Cristianismo Através
dos Séculos, op. cit., pp. 330-331.
[85] Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée,
1974, p. 31.
[86] Paul Tillich, “L’homme et l’État” in Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf,
Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 478-479. “Mensch und Staat”, Impressionen und
Reflexionen, Gesammelte Werke XIII, EvangelischesVerlagswerk Stuttgart,
1972, pp. 167-177. Trad. fr.
Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[87] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 25.
[88]
Paul Tillich, On the boundary, An autobiographical sketch, New York,
Charles Scribner´s Sons, 1966. Aux frontières, Esquisse autobiographique (1936), Entre l´idéalisme et le
marxisme, Paris, Genebra,
Quebec, Les Editions de Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de
l´Université Laval, 2002, p. 55.
[89] Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers
écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, in A Dumais e J. Richard, ed., Ernst Troeltsch et Paul Tillich,
pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la culture de notre temps,
Les Presses de l’Université Laval e L’Harmattan, p. 95-96.
[90] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op.cit, p. 25.
[91]
Aqui devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência,
nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica
é que são”. Paul Valadier, Essais
sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, pp. 15 e
31.
[92] Paul Tillich, “Christianisme et
Socialisme I”, op. cit., p. 25.
[93] Paul Tillich, “Christianisme et
Socialisme I”, op. cit., p. 25.
[94] Marc Boss, “Protestantisme et modernité:
résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich
(1919-1920)”, op. cit., pp. 93-94.
[95] Paul Tillich, “Christianisme et
Socialisme I”, op. cit., p. 26.
[96] Marc Boss, “Protestantisme et modernité:
résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich
(1919-1920)”, op. cit., p. 99.
[97] Paul Tillich, “Christianisme et
Socialisme I”, op.cit, p. 26.
[98] María del Carmen Domínguez Matos, La relación marxismo-cristianismo en Cuba
después de 1959. Marco de interpretación teórica para las iglesias del
protestantismo histórico, San José de Costa Rica, DEI, 2001, Havana,
Proyecto Pensamiento Cubano: Pensadores cubanos de hoy, 2002.
[99] Paul Tillich, “Christianisme et
Socialisme I”, op.cit, p. 26.
[100] Thomas
d’Aquin, De regno, II, 2, trad. M. Sénellart, in Machiavélisme et raison d’Etat, Paris, FUP, col. Philosophes,
1989, pp. 111-112.
[101] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., pp. 26-27.
[102] Paul Tillich,
Amor, poder e justiça, São Paulo, Novo Século, 2004, p. 109. Amour, pouvoir et justice, Analyses ontologiques et applications
éthiques, Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses, Paris, Presses
Universitaires de France, 1963 et 1964, números 4 e 5. Love, Power and Justice, Ontological
Analyses and Ethical Applications, Nova York, Londres, Oxford University Press, 1954.
[103] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., p. 27.
[104] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., p. 5.
[105] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., p. 8.
[106] Paul Tillich, “Le socialisme” in Christianisme et socialisme, Écrits
socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et
Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 346.
[107] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op.cit., p. 6.
[108] Franklin
Sherman, “Tillich’s Social Thought:
New Perspectives”, Christian Century, 25.02.1976, pp. 168-172.
[109] Paul Tillich,
Aux frontières, Esquisse autobiographique (1936), Entre l´idéalisme
et le marxisme, op.cit., p. 56.
[110] Paul Tillich,
A Era Protestante, op. cit., p.
194.
[111] Ikonga Wetshay, “Théorie de la religion, théorie
sociale et théorie de la culture: une homologie de structure chez Paul
Tillich”, in Marc Boss, Doris Law, Jean Richard (ed.), Mutations religieuses
de la modernité, Actes du XIVe. Colloque International Paul Tillich,
Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT,
2002, p. 199.
[112] Paul Tillich,
A Era Protestante, op. cit., p. 268.
[113] Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos de
1844, in Economia, Política e Filosofia, Rio de Janeiro: Melso,
1963.
[114] Paul Tillich,
A Era Protestante, op. cit., p. 269.
[115] Paul Tillich,
A Era Protestante, op. cit., p. 269.
[116] Paul Tillich,
A Era Protestante, op. cit., p. 274.
[117] Paul Tillich, “La lutte des classes et le
socialisme religieux” in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec: Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp.
382-385. “ Klassenkampf und religioser Sozialismus”, Christentum und soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II,
EvangelischesVerlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 175-192. Trad. fr. Nicole
Grondin e Lucien Pelletier.
[118] Paul Tillich,
A Era Protestante, op. cit., p. 271.
[119] Paul Tillich, Perspectivas
da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, São Paulo, ASTE, 1999, p.
193. Perspectives on 19th and 20th century protestant
theology, Ed. Carl E. Braaten, Nova York, Harper and Row Publishers, Inc.,
1967. Tradução de Jaci Maraschin.
[120] “Sob todos os
aspectos, o socialismo religioso quer aprofundar a crítica, trazer à tona as
questões últimas e decisivas; ele se faz mais radical e mais revolucionário que
o socialismo, porque vê a krisis do ponto de vista do incondicionado”. Paul Tillich, “Kairos I”, Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), op. cit., p. 159.
[121] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op.cit., p.6.
[122] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., p.7.
[123] Paul Tillich, “Masse et Esprit”, Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra,
Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
L’Université Laval, 1992, pp. 48-112. Christentum und soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, EvangelischesVerlagswerk
Stuttgart, 1962. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[124] Paul Tillich, “Masse et Esprit”, op. cit.,
p. 76.
[125] Paul Tillich, “Masse et Esprit”, op. cit.,
p. 77.
[126] Jean Richard, “Introduction au Tillich
Socialiste, La masse prolétarienne”, in Paul Tillich, Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf,
Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. XLI.
[127] Jean Richard, “Introduction au Tillich
Socialiste, La masse prolétarienne”, op.cit., p.XLI.
[128] Ikonga Wetshay, “Théorie de la religion, théorie sociale et théorie de la culture: une
homologie de structure chez Paul Tillich”, in Marc Boss, Doris Law, Jean Richard (ed.), Mutations
religieuses de la modernité, Actes du XIVe. Colloque International Paul
Tillich, Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT, 2002, p. 125.
[129] Jean Richard, “Introduction au Tillich
Socialiste, La masse prolétarienne”, op. cit., pp. XLI-XLII.
[130] Jean Richard, “Introduction au Tillich
Socialiste, La masse prolétarienne”, op. cit., p. XLII.
[131] Jean Richard, “Introduction au Tillich
Socialiste, La masse prolétarienne”, op. cit., p. XLV.
[132] Paul Tillich, “Masse et Esprit”, op. cit., p. 81.
[133] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op. cit., pp. 111.
[134] Paul Tillich, “La
psychologie du socialisme. À propos d’un ouvrage de Hendrik de Man” in Christianisme et Socialisme,
Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les
Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval,
1992, pp. 283-284. “ Zur Psychologie des Sozialismus ”,
Begegnungen, Gesammelte Werke XII, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart,
1971, pp. 239-243. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[135] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 111.
[136] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 112.
[137] Paul Tillich, “Principe protestant et situation prolétarienne”,
op. cit., p. 435.
[138] Martin Leiner, “Protestantisme
et situation prolétarienne chez Paul Tillich et Karl Barth”, Etudes
Théologiques et Religieuses, ETR, Montpellier: Institut Protestant de
Théologie, tomo 80, 2005/1, p. 87-88.
[139] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 113.
[140] Ikonga Wetshay, “Théorie de la religion, théorie
sociale et théorie de la culture: une homologie de structure chez Paul
Tillich”, in Marc Boss, Doris Law,
Jean Richard (ed.), Mutations religieuses de la modernité, Actes du
XIVe. Colloque International Paul Tillich, Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT, 2002, p. 133.
[141] Paul Tillich, “Principe
protestante et situation prolétarienne”, op. cit., p. 425.
[142] Martin Leiner, ”Protestantisme
et situation prolétarienne”, op. cit., p. 88.
[143] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 114.
[144] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 115.
[145] Paul Tillich, “L’État comme attente et comme
exigence” in Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genève,
Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992, pp. 391-392. “ Der staat als erwartung und
forderung ”, Gesammelte Werke, IX, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1967, pp. 123-138. Trad. fr.
Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[146] Etienne Higuet, “Política e espiritualidade”,
Correlatio, out. 2004, no. 6, p. 108. Site: www.metodista.br/correlatio
(Acesso em 18.05.2005).
[147] Rosa Luxemburg foi assassinada junto com seu companheiro
Karl Liebknecht no dia 15 de janeiro de 1919, no correr da revolução alemã, que
tinha começado em novembro de 1918.
[148] Rosa Luxemburg, “A ordem reina em Berlim”. “Die Ordnung
herrscht in Berlin”, Dietz Verlag, Gesammelte Werke:
Politische Schriften, Band 2 Europäische Verlagsanstalt, Frankfurt a. Main,
1975 Seite 203-209. Site: www.mlwerke.de/lu/lu2_203.htm. “Order Prevails in Berlin”:
Marxists.org 1999. Trad. ing. Andy Lehrer, Brian Basgen. Site: www.marxists.org/archive/luxemburg/index.htm
(acesso em 04.07.2005). Trad. port. Nildo Viana.
[149] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”,
op. cit., p. 116.
[150] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 117.
[151] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 119.
[152] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 120.
[153] Etienne Higuet, “Política e espiritualidade”, op.
cit., p. 109.
[154] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 122.
[155] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, op.
cit., p. 123.
[156] Paul Tillich, Ecrits contre les nazis,
op. cit., p. 174.
[157] Martin Leiner, “Protestantisme
et situation prolétarienne”, op. cit., p. 89.
[158] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I” ,
op. cit., p. 27.
[159] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I” ,
op. cit., p.27.
[160] Paul Tillich, “ Christianisme et Socialisme
I ” , idem, op. cit. p. 28.
[161] Paul Tillich, Teología de
la cultura y otros ensayos, La dimensión religiosa en la vida espiritual del
hombre, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 16-17. Man’s right to knowledge, Columbia University Press, 1954.
[162] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I” ,
op. cit., pp. 28-29.
[163] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., p. 29.
[164] Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”,
op. cit., p. 30.
[165] Paul Tillich, “Kairós
II” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands
(1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992, pp. 255-267. “Kairos II, Ideen zur Geisteslage der Gegenwart”, Die
widerstreit von raum und zeit, Gesammelte Werke, VI,
EvangelischesVerlagswerk Stuttgart, 963, pp. 29-41. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien
Pelletier.
[166] Paul Tillich,
“ Kairós II ”, op. cit., p. 255.
[167] León
Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia,
São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 116 cita E. Troeltsch, Das Ethos der
hebraischen Propheten, in Log., 191, p. 1:28.
[168] Antonio Gramsci, Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto
Croce, Turim, Einaudi, 1966, p. 115.
[169] M. Buber, The
Prophetic Faith, Nova York, 1949, in León Epsztein, A Justiça Social no
Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990,
p. 113.
[170] Paul Tillich, “Le
pasteur social” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands
(1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor
et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 290. “Die verhandlungen
des funfunddreibigsten evangelisch-sozialen kongresses”, artigo publicado nas
Atas do 35o Congresso Social-Protestante de Dresden, em 1928. Trad.
fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[171] León Epsztein, op. cit., p.
115.
[172] Paul Tillich,
História do pensamento cristão, O conflito de Lutero com os
evangélicos radicais, São Paulo, ASTE, 2000, p. 238.
[173] Paul Tillich,
“Kairós II”, op. cit., p. 257.
[174] Paul Tillich,
Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, A visão marxista
da situação humana (alienação), São Paulo, ASTE, 1999, p. 194.
[175] Paul Tillich,
“Kairós II”, op. cit., p. 257.
[176] Jean Richard,
“Tillich lecteur de Troeltsch”, in A. Dumas e J. Richard (ed.), Philosophie
de la religion et théologie chez Ernst Troeltsch e Paul Tillich, Québec,
Paris, Les Presses de l´Université Laval, l´Harmattan, 2002, p. 31.
[177] Marc Boss, “Protestantisme et modernité :
résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich
(1919-1920)”, in A Dumais e J. Richard, ed., Ernst Troeltsch et Paul
Tillich, pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la culture de notre
temps, Les Presses de l’Université Laval e L’Harmattan, p. 91.
[178] Paul Tillich, “Kairós II”, op.cit., p.
258.
[179] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros
ensayos,op. cit., pp. 40-42.
[180] Paul Tillich, “Kairós II”, op.
cit., p. 258.
[181] Paul Tillich,
“Kairós II”, op.
cit., p. 259.
[182] Paul Tillich, História do Pensamento Cristão,
São Paulo, ASTE, 2000, p. 24. A History of Christian Thought, Ed. Carl
E. Braaten, Nova York, Harper and Row Publishers, Inc., 1968. Vorlesungen uber die
Geschichte des christlichen Denkens, Stuttgart, Evangelische Verlag W., 1971.
[183] Paul Tillich, “Kairós II“, op. cit., p. 260.
[184] Paul Tillich, “Kairós II”, op. cit., p. 261.
[185] Paul Tillich,
“Além do Socialismo Religioso”, artigo publicado no Christian Century em
15.06.1949.
[186] Paul Tillich, “Le
problème du pouvoir. Essai de fondation philosophique” in Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra,
Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université
Laval, 1992, pp. 493-495. “Das problem der macht, Versuch einer philosophischen
Grundlegung”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II,
Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1962, pp. 193-208. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien
Pelletier.
[187] Paul Tillich,
Amor, poder e justiça, op. cit., p. 94.
[188] Paul Tillich,
Perspectivas da Teologia Protestante nos
séculos XIX e XX, op. cit., p. 200.
[189] Paul Tillich, Political
Expectation, New York, Mercer University Press, 1981, pp. 95-96.
[190] Paul Tillich,
“Além do Socialismo Religioso”, artigo citado.
[191] Paul Tillich,
Amor, poder e justiça, op. cit., p. 94-95.
[192] Paul Tillich,
Amor, poder e justiça, op. cit., p. 108.
[193] Etienne
Higuet, “Política e espiritualidade”, op. cit., p. 109.
[194] Renate Albrecht e Werner Schussler, Biographie
de Paul Tillich, in Documents
biographiques, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions de Cerf, Editions Labor
et Fides, Les Presses de l´Université Laval, 2002, p. 251-252. Erganzungsund Nachlassbande zu den
Gesammelten Werken V, p.
90.