lundi 27 mars 2017

Estudos sobre a Decisão Socialista de Paul Tillich

Primeira leitura: Introdução
Estudos sobre A Decisão Socialista de Paul Tillich
Por Jorge Pinheiro

Para Paul Tillich [A Decisão Socialista, Introdução: As duas raízes do pensamento político, Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365], nem sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno espiritual ou social. Muitas vezes tal pergunta mostra-se supérflua, principalmente quando um testemunho saudável revela a integridade das raízes. Mas quando se apresentam distorções ou desvios, quando o testemunho congela ou a vida principia a desaparecer, então se torna necessário perguntar: quais são suas raízes?

Em 1993, Tillich considerava que esta era a situação do socialismo e, em particular, do socialismo alemão. Para ele, os eventos que preanunciavam a ascensão do nazismo, revelavam o estado de profunda crise do socialismo. E esse estado não só se explicava pelos eventos dos últimos anos, mas deviam ser pesquisadas a partir da segunda metade do século de 19, pois faziam parte de sua constelação histórica de origem. Por isso, acreditava Tillich, a tarefa mais urgente dos anos futuros seria um exame das razões do debilitamento do socialismo. E tal tarefa seria impossível de ser realizada se não se achasse uma resposta à pergunta das raízes.   
Porém, afirmava Tillich, assim que se levanta a pergunta das raízes do pensamento socialista, faz-se necessário ir mais fundo, porque o socialismo é um movimento de oposição, de mão dupla, um movimento de oposição à sociedade burguesa, mas enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo, ajudaria a entender as raízes do pensamento político que lhe deu origem.

É necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio do homem[1], declara Tillich. Para ele, sem uma imagem do homem, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. Sem uma teoria do homem, não se  pode construir uma teoria das orientações políticas.

A antropologia política de Paul Tillich


O homem, afirma o teólogo, diferente da natureza, é um ser dividido. Não importa saber onde termina a natureza e onde começa o homem, não importa que a passagem entre os dois se faça através de lentas transições ou por um salto. O importante é que em determinado momento, a diferença ficou clara.

Há no entanto, para Tillich, um processo vital indiviso, que desdobra natureza sem interrogar nem requerer, um processo que está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte do que ele é. Assim, existe um processo vital que deseja saber sobre o homem, e que coloca algumas questões para ele: já não é indiviso, mas também dividido. É idêntico a si mesmo quando diante de si mesmo, no ato de pensar e de conhecer. Mas não apenas isso.

Segundo Tillich, o homem tem consciência de si mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da natureza enquanto ser que se desdobra, tornando-se um ser consciente de si mesmo. A natureza ignora esta divisão. Por isso, o homem não é uma combinação de duas partes autônomas, tais como natureza e mente ou corpo e alma, mas um só ser, porém fendido em sua unidade.
   
Estas determinações gerais, considera Tillich, levam a algumas considerações no que se refere à pesquisa do pensamento político. Elas negam qualquer dedução do pensamento político enquanto puro movimento de pensamento, de exigências ético-religiosas, ou considerações ditadas por determinada cosmovisão. O pensamento político vem do homem enquanto unidade. Está enraizada no ser e na sua consciência, mais precisamente em sua unidade indissolúvel. É por isso que não se pode entender um sistema de pensamento político sem contextualizar seu enraizamento no ser humano enquanto ser social, ou seja, o imbricamento de pulsões e  interesses, os constrangimentos e as aspirações constituintes do ser social.

Mas também é impossível separar o ser de sua consciência, ou ver o pensamento político como simples subproduto do ser. Assim, para Tillich, a consciência estrutura todo o ser do homem, todo o ser social, em cada um de seus elementos, inclusive as sensações pulsantes mais primitivas[2].

Quando tenta desfazer laços, explica Tillich, passa-se ao largo da primeira e mais importante característica da essência humana, o que produz uma distorção no quadro geral que ele faz de si próprio, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência, mas que não invalida a unidade do ser e da consciência. Isto porque, afirma, o conceito de falsa consciência não é possível quando a coisa que se designa é não conhecível. Assim, a consciência justa é uma consciência que emerge do ser e ao mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o homem é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as duas raízes de todo pensamento político.

A origem do pensamento político conservador  


O homem se encontra enquanto realidade dada, assim como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa aquele não vem da si mesmo, que ele não é sua própria origem. Para Tillich, que cita a expressão de Martin Heidegger, o homem é um “ser lançado”. Esta situação leva o homem a colocar-se a questão da fonte (Woher). O que mais tarde vai aparecer como questão filosófica. Mas tal discussão é uma construção, e o mito apresenta a primeira resposta, enquanto determinante para a discussão de conjunto.  

A origem (Ursprung) é o que faz emergir (entspringen). Este aparecimento (Sprung) dá lugar  a algo novo, que não existiu antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A realidade que somos está colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão entre o ser-posto e o ser-próprio.

Para Tillich, a origem não nos liberta. Não se pode dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte.

Assim, para Tillich, a concepção conservadora admite o surgimento do eterno no tempo, que repousa no passado. Por essa razão nega toda mudança, presente ou futura[3]. A força dessa concepção repousa no fato de que considera o eterno como dado e não como resultado da ação cultural e religiosa do ser humano.

A concepção conservadora também reconhece o kairós[4], mas o situa no passado. Desconsidera que se aconteceu no passado como acontecimento único, é ele quem se revela em todos os sim e não do passado, do presente e futuro. Sob tal visão repousa o pensamento político conservador. Perdeu o sentido supratemporal do kairós[5].

O mito expressou com profunda riqueza este estado de coisas, com o testemunho de  objetos e eventos nos quais o grupo humano percebe sua origem. Em todos os mitos ressoam a lei cíclica do nascimento e da morte. Todo o mito é mito da origem, responde à pergunta da providência e conta porque somos segurados na origem e estamos debaixo de seu império. A consciência mítica original é a raiz de todo o pensamento político conservador e romântico[6].

Embora haja pontos de contado entre os conceitos expressos por Paul Tillich e o pensamento marxista, principalmente no que se refere à construção de um pensamento político conservador, é interessante ver semelhanças e diferenças.

Assim, para Marilena Chauí, “um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novo meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo[7].

Para a filósofa brasileira, teórica do Partido dos Trabalhadores, o mito deve ser entendido enquanto conceito antropológico, no qual a narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade. Dessa maneira, o mito é sempre falsa consciência.

Por isso, para Chauí, a diferença é definida por formação versus fundação. E explica que quando se fala em formação, refere-se não só às determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um acontecimento histórico, mas também se pensa em transformação e, portanto, em continuidade ou descontinuidade dos acontecimentos. Assim, o registro da formação é a história propriamente dita, aí incluídas suas representações, sejam aquelas que conhecem o processo histórico, sejam aquelas que o ocultam (isto é, as ideologias).

Já a fundação, considera Chauí, se refere a um momento passado imaginário, tido como originário que se mantém vivo e presente no curso do tempo. A fundação visa a algo tido como perene (quase eterno) que trava e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende situar-se fora do tempo, fora da história, num presente que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou aspectos que pode tomar. A marca peculiar da fundação é a maneira como ela situa a transcendência e a imanência do momento fundador[8].

Assim, as ideologias, que necessariamente acompanham o movimento histórico da formação, alimentam-se das representações produzidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadra histórica. É exatamente por isso que, sob novas roupagens, o mito pode repetir-se indefinidamente. 

O mito, uma crença desvelada  


Paul Tillich vê diferente. Para ele, a exigência que o homem faz na experiência diante do incondicionado não é estranha a ele. Se fosse estranha à sua essência, não lhe seriam concernentes e ele não poderia discernir tal coisa como exigência. Se ela lhe toca é porque coloca diante de seus olhos gás sua essência enquanto exigência. Funda-se a incondicionalidade, a irrevogabilidade com que o dever-ser aborda o homem e exige ser afirmado por ele.

Se a exigência é a própria essência do homem, então ela encontra seu fundamento na sua  origem, e então a providência e o destino não pertencem a mundos diferentes. Ainda, diante do original, o que é requerido é o incondicionalmente novo. Assim, para Tillich, a origem é ambígua. Há nela uma separação entre origem verdadeira e a  origem real. O que é realmente  original não é o que é original de verdade[9].

A realização da origem é esta exigência e este dever-ser pelo qual o homem é confrontado. O “por que” do homem é a realização da sua providência. A  origem real é negada pela origem verdadeira; mas certamente, não é uma pura e simples negação. A origem real tem que levar à real verdadeira, ela é sua expressão, mas também disfarce e distorção. A pura consciência mítica original ignora todas as ambigüidades da origem. É por isto que esta consciência está presa à origem e considera sacrilégio toda a ultrapassagem da origem. Só a consciência que, fazendo a experiência da exigência da incondicionalidade, se livra dos laços de origem e se apercebe da ambigüidade da origem.   

A exigência quer a realização da origem verdadeira. Porém o homem não recebe uma exigência incondicionada de outros. É no reencontro do "eu e você" que a exigência torna-se concreta. Seu conteúdo é reconhecido no você com a dignidade do "eu", a dignidade para ser livre, portador da realização daquilo que  apontada à origem. Reconhecer no você uma dignidade igual ao do eu, isto é justiça. A exigência que nos arrasta à ambigüidade da  origem é a exigência de justiça[10]. A origem não rompida conduz a poderes em tensão que procuram a dominação e destroem um ao outro. Quando a origem é rompida vem o poder do ser, o declínio dos poderes que "expiam e são julgados por seu sacrilégio, de acordo com a ordem do tempo", como já evocou a filosofia grega.

A exigência incondicional eleva acima deste ciclo trágico. Diante do poder e da impotência do ser, opõe a justiça, que provém do dever-ser. Portanto, para Tillich, não há uma simples oposição, porque o dever-ser é a realização do ser. A justiça é o verdadeiro poder do ser. Nisto se torna realidade o que é apontado na origem. Na relação entre os dois elementos da existência humana e as duas raízes do pensamento político, a exigência predomina sobre a pura origem, e a justiça, sobre o puro poder do ser. A pergunta do “por que” é superior à da providência. O mito original não deve representar no pensamento político mais do que uma crença rompida, uma crença desvelada[11].   

Esse é o caminho da utopia. Sem o espírito utópico não há protesto, nem espírito profético[12]. 

Isto é exato na medida em que cada tensão orientada para adiante comporta uma representação daquilo que deve vir e de como se entende a realização desse ideal. Eis porque o espírito da utopia está presente em todo agir incondicionalmente decidido, em todo agir orientado à transformação do presente [13].

A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. Progresso mitigado é o resultado da utopia revolucionária desencantada.

A idéia do kairós nasce da discussão com a utopia. O kairós comporta a irrupção da eternidade no tempo, o caráter absolutamente decisivo deste instante histórico enquanto destino, mas tem a consciência de que não pode existir um estado de eternidade no tempo, a consciência de que o eterno é, em sua essência, aquele que faz a irrupção no tempo, sem contudo fixar-se nele.

Assim, a realização da visão profética se encontra além do tempo, lá onde a utopia desaparece, mas não a sua ação[14].

Metodologicamente, Tillich mostra que toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro, deve entender que há no espírito profético da responsabilidade inelutável um choque entre este kairós[15] e a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente. Tal desafio não pode ser resolvido por um homem, por mais que encarne o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última instância, a massa.

A origem do pensamento democrático e socialista


Mas o homem vai além do colocar-se como realidade dada, vai além do saber colocar-se diante do ciclo do nascimento e a morte. Faz a experiência de uma exigência que separou o imediato da vida e o leva a colocar-se diante da pergunta da providência uma outra pergunta: "por que?”

Esta pergunta quebra o ciclo de uma maneira fundamental, eleva o homem acima da esfera do simples viver. Porque é a exigência de algo que não está aí, que tem que se tornar realidade. Quando se faz a experiência desse tipo de exigência não se está mais colado à origem. Vai-se além da afirmação do que já está. A exigência nomeia o que deve ser. E o que deve ser não é determinado com a afirmação daquilo que já é, disso que é, significa que tal exigência impôs ao homem o incondicionado.

O “por que” não está dentro dos limites da fonte. É o incondicionalmente novo. É através do “por que” que o homem deve alcançar algo do incondicionalmente novo. Este é o sentido da exigência, quando o homem, por ser dividido, faz esta experiência. Ele detém um conhecimento próprio, por isso é possível ir além da realidade, além daquilo que o cerca.

Tal é a liberdade do homem: não que ele tenha uma vontade livre, mas não está preso, enquanto homem, ao que está dado. O ciclo do nascimento e morte foi quebrado, sua existência e sua ação não estão amarradas na simples propagação de sua origem. Quando esta consciência se  impõe, são rasgados os laços da origem, o mito original está quebrado. A ruptura do mito original pelo incondicionado de exigência é a raiz do pensamento político liberal,  democrático e socialista.

Mas, a concepção progressista considera o eterno um alvo infinito, existente em cada época, mas que não se apresenta enquanto irrupção. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma tensão diante do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível a debilita e produz um compromisso continuado com o passado. A concepção progressista não oferece nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade última [16]. 

Este progressismo mitigado é a atitude característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é a supressão do não e do sim incondicionados, a supressão do anúncio da plenitude dos tempos. É o verdadeiro adversário do espírito profético [17].

Ser, consciência e socialismo


Para Tillich, as duas raízes do pensamento político mantêm entre elas uma relação que é mais do simples justaposição. A exigência predomina na origem. Considerando as várias tendências políticas, não se pode supor que elas sejam atitudes humanas justificadas. Onde são requeridas decisões, o conceito tradicional de realidade não é aplicável. Outro, no entanto, é quando estamos diante de uma exigência do incondicionado.

As raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. O pensamento político é a expressão de um ser político, de uma situação social. Não se pode entender o pensamento quando se subestimam as realidades sociais das quais vem o pensamento político. As raízes do pensamento político não podem agir com uma força igual em todo momento e em todo grupo. Um ou outro pode predominar, depende de uma situação social, grupos ou formas de dominação determinadas. Depende de estruturas sócio-psicológicas, da interação com a situação social objetiva.

A consciência está ligada ao ser, mas esta ligação é funcional, não de ordem biográfica. Existem pensamentos que têm por função expressar o ser burguês, não importa se são de fato aristocratas ou burgueses. E há pensamentos que têm por função expressar o ser proletário, não importa se são expressos por burgueses ou proletários. O fato é que foram os aristocratas que lançaram as bases para sociedade burguesa e que foram burgueses aqueles que deram ao proletariado  consciência deles próprios, o que demonstra que a questão biográfica tem pouca importância.

Pode-se dizer que a distância que separa ser e consciência é necessária para que o ser se eleve à consciência. A consciência supõe não somente uma ligação ao ser, mas também uma distancia que permita reflexão. Assim, o que é abalado em sua ligação original com um grupo ou com uma classe é chamado a dar consciência a outra classe que não é a sua. Marx e Lênin são o exemplo mais evidente disto. Eles mostram que a relação entre a situação social e o pensamento político deve se elevar da esfera biográfica para aquela das relações funcionais.   
   
A palavra princípio serve para caracterizar de maneira global os grupos políticos. O pensamento tem como tarefa extrair uma multiplicidade de fenômenos que constitui a característica comum a todos os indivíduos. Normalmente, se cumpre esta tarefa com ajuda do conceito de essência. Desde Platão, a relação entre essência e o fenômeno domina no Ocidente a teoria do conhecimento. Porém a lógica da essência não é suficiente para explicar as realidades históricas. A essência de um fenômeno histórico é uma abstração vazia, de onde se expulsou a força viva de história.

Por isso, não se pode entender o socialismo se não experimentar a exigência de sua justiça como uma exigência do incondicionado. Quem não é confrontado pelo socialismo não pode falar do socialismo, a não ser enquanto expressão que vem do exterior[18].  Não podem falar dele em verdade, porque é contrário às tendências políticas que defendem. Aí está o nó da origem.

Algumas conclusões


Neste texto, Paul Tillich traduz uma confiança no progresso humano. Parte de uma filosofia política onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido, podemos dizer que faz uma fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político conservador.

Lembramos aqui, em passant, a crítica de Ernst Bloch[19] a Freud – conforme exposto por Etienne Higuet --, quando apresenta a Psicanálise como uma volta à origem, que resultaria em conformidade às normas sociais. Assim, o mito não é transformador. Só a utopia, enquanto sonho acordado, é progressivo e pode se apresentar como revolucionário.

Tillich não é tão radical como Bloch ou Marilena Chauí. Ele parte do mito, entendendo que devemos rompe-lo passando através dele, a fim de resgatá-lo. Nesse sentido, os símbolos devem ser atravessados para que se possa conhecer aquilo que ele evoca. E isso é o que deve acontecer em relação ao mito de origem, ele não pode ser abandonado, mas atravessado.

Assim, a questão existencial, presente nessa filosofia política, leva a uma antropologia existencial.

É importante, também, entender que o pensamento político liberal, a que Tillich se refere no texto, fala da experiência liberal européia, que teve sua origem no Iluminismo, na Revolução Francesa e nas constituições do século XIX. Essas constituições foram criticadas por Marx, que não as via como fruto das reais necessidades da sociedade.


Perguntas

1. Até que ponto a Teologia da Cultura pode dizer algo a respeito da ação social e humana?
2. Qual a pertinência do discurso teológico?
3. O que Paul Tillich está produzindo neste texto? Uma história da religião, sociologia da religião ou filosofia da religião?
4. Qual é o estatuto epistemológico e teórico da análise de Paul Tillich?
5. Quais os referenciais de Paul Tillich? Uma filosofia da vida? Qual a validade desses referenciais?



Notas

[1] Paul Tillich, La décision socialiste, Introduction: Les deux racines de la pensée politique, L´être humain et la conscience politique, p. 26 [do original publicado em alemão: Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365].
[2] Paul Tillich, La décision socialiste,op. cit., p. 27.
[3] Paul Tillich, Kairós II in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 255-267, tradução francesa do original Kairós. Zur Geisteslage und Geisteswendung,  Gesammelte Werke, 1926, VI, pp. 29-41.
[4] Paul Tillich ao falar da plenitude do tempo no evento Jesus, explica a construção de sua concepção de kairós: um tempo carregado de tensão, de possibilidades e impossibilidades, qualitativo e rico de conteúdo. Nem tudo é possível sempre, nem tudo é verdade em todos os tempos, nem tudo é exigido em todo momento. Diversos mestres, diferentes poderes cósmicos, reinam em tempos diferentes, e o Senhor que triunfa sobre anjos e poderes, reina no tempo pleno de destino e de tensões, que se estende entre a Ressurreição e a Segunda vinda. Ele reina no tempo presente que, em sua essência, é diferente dos outros tempos do passado. É nessa viva e profunda consciência da história que está enraizada a idéia de kairós, e é a partir dela que deve ser elaborado o conceito de uma filosofia consciente da história. [Kairos I in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 116-117].   
[5] Paul Tillich, Kairós II, op.cit., p. 260.
[6] Paul Tillich, La décision socialiste,op. cit., p. 28.
[7] Marilena Chauí, Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 9.
[8] Marilena Chauí, Brasil..., op. cit., p. 10.
[9] Paul Tillich, La décision socialiste, op. cit., p. 29.
[10] Paul Tillich, La décision socialiste, op. cit., p. 30.
[11] Paul Tillich, La décision socialiste, op. cit., p. 30.
[12] Para Tillich, o espírito profético está envolvido na situação histórica concreta, tem a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. Sem esquecer que sua relação aponta ao incondicionado, e que o ponto mais elevado que é possível alcançar no tempo está submetido ao não. Mas não deverá, por temer o não, perder a audácia do não e do sim concretos. [Kairós II, idem, op.cit., p. 259].    
[13] Paul Tillich, Kairós II, op.cit., p. 260.
[14] Paul Tillich, Kairós II, op. cit., p.261.
[15] E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito de profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, mas agora com novos conteúdos, construído enquanto responsabilidade inetulável. [Paul Tillich, História do pensamento cristão, Kairós, São Paulo, ASTE, 2000, p. 24]. Kairós significa tempo concluído, o instante concreto e, no sentido profético, a plenitude do tempo, a irrupção do eterno no tempo. Kairós não é um qualquer momento pleno, uma parte ou outra do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo do destino. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma decisão inevitável, de uma responsabilidade inelutável, é considerá-lo enquanto espírito da profecia. [Kairós II, idem, op. cit., p. 259].
[16] Paul Tillich, Kairós II, op.cit., p. 260.
[17] Paul Tillich, Kairós II, op.cit., p. 260.
[18] Paul Tillich, La décision socialiste, op. cit., p.31.
[19] Ernst Bloch, The Principle of Hope, três volumes (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1986).  Considerado o principal trabalho de Bloch, nele o filósofo marxista faz a crítica da cultura e da ideologia no século XX.

Yo era ninya - Janet Jak Esim & Yansımalar

samedi 25 mars 2017

A Decisão Socialista, de Tillich

Paul Tillich apresenta três questões como fundamentais para uma análise teológica do socialismo: as relações entre ser e consciência, as relações entre massa e mobilização, e as relações entre mito e utopia. E, a partir da história da Europa, mostra que no final da Idade Média são lançadas as bases do socialismo contemporâneo, quando grupos rompem com as estruturas da sociedade medieval e começam a fazer um caminho que tem por base a autonomia. 

Em A Decisão Socialista[1] afirma que o socialismo é um movimento de oposição, mas também de mão dupla, porque se por um lado é um movimento de oposição à sociedade burguesa, por outro, enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo ajuda a compreender as raízes do pensamento político. Assim, na teologia política de Tillich seu primeiro referencial é o ser. 

Nesse sentido, podemos dizer que Tillich faz uma fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político conservador. E é a partir da análise do pensamento conservador que Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do socialismo. 

Nota
[1] Introdução: As duas raízes do pensamento político, Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365.

Religião e relações internacionais na construção do Partido dos Trabalhadores no Brasil

Seminário de Estudos Inter-religiosos / Religião e Política
Faculdade Teológica Batista de São Paulo
Segundo semestre de 2016 – Agosto/ Dezembro.

Religião e relações internacionais
na construção do Partido dos Trabalhadores no Brasil

Coordenação do Seminário
Prof. Dr. Jorge Pinheiro dos Santos
É Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre religião e política, e filosofia, teologia e cristianismo.

Currículo Lattes / CNPq

FaceBook: Jorge Pinheiro / https://www.facebook.com/profile.php?id=100004812210748
WEB: jorgepinheirosanctus.blogspot.com.br


Ementa e proposta do curso

A religião e mais precisamente o cristianismo foram componentes fundamentais na formação do pensamento socialista do Partido dos Trabalhadores. Esse fato histórico, que estudaremos neste seminário, tem dois desdobramentos: em primeiro lugar, o pensamento socialista europeu, em especial o trabalhismo, fruto das relações internacionais de muitos de seus fundadores, esteve presente na construção desse partido brasileiro. E em segundo lugar, a experiência cristã vivida na Europa, a partir do Concílio Vaticano II e dos levantes das igrejas na América Latina, também marcaram a construção pensamento socialista do Partido dos Trabalhadores. Donde a questão a estudar e pesquisar é qual o sentido da religião e das relações internacionais para um partido socialista que se formou desta maneira?

A partir da hipótese central, e de seus dois desdobramentos, em nosso Seminário trabalharemos com duas outras hipóteses, de caráter mais factual e histórico, de que um tipo de socialismo religioso predominou no conjunto do pensamento do Partido dos Trabalhadores, fazendo com que as propostas marxistas e leninistas de organização partidária e de transformação radical da sociedade, fundamentadas na teoria da luta de classes e da tomada violenta do poder, fossem deslocadas no correr dos primeiros vinte anos de construção do novo partido.

Assim, tal socialismo deixou de defender o partido único, o centralismo democrático, a ditadura do proletariado e a tomada violenta do poder. E passou a levantar a bandeira da expansão da democracia e da solução de problemas brasileiros historicamente pendentes, como a questão da terra, do trabalho e da liberdade cidadã, porque a visão cristã de justiça social foi a que prevaleceu no ideário socialista do pensamento petista.

Analisar tais hipóteses, e procurar responder o que o socialismo do Partido dos Trabalhadores tem a ver com a religião e a situação internacional do último quarto do século vinte, nos abre perspectivas de compreensão, ou seja, de saber em que medida o desenvolvimento do pensamento socialista dentro do Partido dos Trabalhadores pode ter uma leitura que vá além das crises e choques expressos hoje na política brasileira?

Bibliografia

DUSSEL, Enrique
  • Caminhos da Libertação Latino-Americana, 4 volumes, São Paulo, Paulinas, 1984.
·      Las metáforas teológicas de Marx, Navarra, Editorial Verbo Divino, 1993
  • Teologia da Libertação, um panorama de seu desenvolvimento, Petrópolis, Vozes, 1999.
  • Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão, Petrópolis, Vozes, 2000.

TILLICH, Paul
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·      Écrits contre les nazis, 1932-1935, Paris, Genève, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1994. Christentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum religiösen Sozialismus, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, Gesammelte Werke II, 1962. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.  
·      La dimension religieuse de la culture, 1919-1926, Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1990. Trad. fr., Nicole Grondin e Lucien Pelletier, 1992.
  • “Le Socialisme: Une question pour l’Église” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval. Artigo publicado em Berlim, Gracht, em 1919. “ Der Sozialismus als Kirchenfrage ”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1962, pp.13-20. Trad. fr., Nicole Grondin e Lucien Pelletier, 1992.

PINHEIRO, Jorge
  • Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, Fonte Editorial, São Paulo, 2006.

PINHEIRO, Jorge e PINHEIRO, Naira
  • Ciências da Religião, reflexões para hoje, Fonte Editorial, São Paulo, 2014.

E também

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  • Trabalho e política. A origem do Partido dos Trabalhadores. Petrópolis, Vozes, 1988.

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  • Os Socialismos Utópicos, São Paulo, Círculo do Livro.

POMAR, Wladimir
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PORTELLI, Hugues
  • Gramsci e o bloco histórico, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
  • Gramsci e a questão religiosa, São Paulo, Edições Paulinas, 1984.

PORTELLI, Hugues e ARCADIAS, Yves (Org.)
  • L'Internationale Socialiste, Paris, Les Editions Ouvrieres, 1983.

POULAIN, J. (org),
  • A Social-democracia hoje, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980.

PRZEWORSKI, Adam
  • Capitalismo e social-democracia, São Paulo, Ed. Cia. das Letras, 1988.