O caminho a percorrer
Jorge Pinheiro
As relações humanas, sociais, entre pessoas de convívio próximo, têm, ao
contrário do que se imagina, características próprias e peculiares, que ultrapassam o ethos e as maneiras próprias de cada um e se manifestam não só nas
relações da comunidade, mas nas
relações que essas pessoas mantêm entre si. Essas relações humanas resultam de mútuas interações interpessoais e
coletivas, e geram dinâmicas que podem ser medidas
e direcionadas, a partir do relacionamento interpessoal. E duas questões desestruturantes
que estão relacionadas e fazem parte dessas relações humanas são as síndromes
geradas por ofensas e culpa. E é esta questão que queremos abordar aqui, não
numa leitura apenas sociológica, embora esta abordagem seja importante, mas
principalmente teológica.
O
que é ofensa, o que é culpa? Quando é que ofendemos e nos tornamos culpados? A
ofensa, a princípio, é sempre vista como afronta, desconsideração, injúria. Seria
postergar responsabilidades, violar mandamentos e, por extensão, alienação e transgressão.
Assim, e esta é a leitura teológica cristã, ofendemos quando mascaramos a
verdade, quando manipulamos pessoas e fugimos às responsabilidades. E, ao
contrário do que propõe a ética cristã, estes padrões acabam sempre presentes
na vida em comunidade e nas relações humanas, sociais.
Assim,
teria culpa a pessoa que opta por uma conduta negligente que causa dano. Seria
culpado quem falta voluntariamente a uma obrigação. E essa leitura penetrou na cultura
e hoje faz parte de nossa ética social, onde a culpa no Código Penal brasileiro
é sinônimo de delito e crime. Já na tradição judaico-cristã, culpa é sinônimo
de transgressão da vontade do Eterno, quer em relação direta com Ele próprio,
quer em relação ao próximo. Seria, então, e sempre alienação e pecado.
Poucas
vezes, no dia-a-dia, relacionamos ofensas e traição. Mas a traição,
tecnicamente, seria uma forma de decepção, um repúdio, enfim, um rompimento sem
razões de uma amizade ou de uma aliança. Por isso, tais violações de confiança
causam tantos conflitos morais e psicológicos nas comunidades. Mas, vejamos
como, teologicamente, podemos vencer ofensas, a começar por sua expressão mais
violenta, a traição.
1. A traição e a culpa:
o exemplo de Judas Iscariotes (Mateus 27.3-5).
“Quando Judas, o
traidor, viu que Jesus havia sido condenado, sentiu remorso e foi devolver as
trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e aos líderes judeus, dizendo:
- Eu pequei, entregando à morte um homem inocente. Eles responderam: - O que é
que nós temos com isso? O problema é seu. Então Judas jogou o dinheiro para
dentro do Templo e saiu. Depois foi e se enforcou”.
Assim,
traição é também o crime de quem, com deslealdade, entrega, denuncia ou vende
alguém ou alguma coisa ao inimigo. É covardia e infidelidade. Judas traiu o
sangue inocente. Pecou e foi se enforcar. Segundo Atos 1.18, cheio de remorso,
quando se enforcou, a corda rompeu-se e Judas caiu no abismo, tendo as
entranhas derramadas no solo. Culpa sem arrependimento é remorso, gera
descrença e desespero (falta de fé e esperança) e leva à morte.
2.
A traição e o arrependimento: temos o exemplo de Pedro, o pescador (João
21.15-17).
“Quando
eles acabaram de comer, Jesus perguntou a Simão Pedro: - Simão, filho de João,
você me ama mais do que estes outros me amam? - Sim, o senhor sabe que eu o
amo, Senhor! - respondeu ele. Então Jesus lhe disse: - Tome conta das minhas
ovelhas! E perguntou pela segunda vez: - Simão, filho de João, você me ama?
Pedro respondeu: - Sim, o senhor sabe que eu o amo, Senhor! E Jesus lhe disse
outra vez: - Tome conta das minhas ovelhas! E perguntou pela terceira vez: -
Simão, filho de João, você me ama? Então Pedro ficou triste por Jesus ter
perguntado três vezes: "Você me ama?" E respondeu: - O senhor sabe
tudo e sabe que eu o amo, Senhor! E Jesus ordenou: - Tome conta das minhas
ovelhas”.
Neste
diálogo vemos o arrependimento de Pedro e o perdão de Jesus. Arrependimento é
contrição, profunda insatisfação pela nossa conduta moral. Por isso, o
arrependimento leva à aceitação do castigo e à disposição de não repetir o
erro. E o perdão de Jesus é um perdão para a ação: cuida das minhas ovelhas!
3.
O arrependimento e o perdão: o conselho do apóstolo João nos fala da solução do
Eterno para as ofensas e culpas.
“Se dizemos que não temos pecados, estamos nos
enganando, e não há verdade em nós. Mas, se confessarmos os nossos pecados a
Deus, ele cumprirá a sua promessa e fará o que é correto: ele perdoará os
nossos pecados e nos limpará de toda maldade”. (1a. João 1.8-9).
Quando
há arrependimento e reconhecimento de ofensas e culpas, o Eterno é fiel e justo
para perdoar. Ora, se a comunidade constrói modelos de relações
intersubjetivas, o ágape deve ser o paradigma da comunidade que busca a paz, já
que esse ágape será transmitido às gerações. E porque na comunidade que busca a
paz uma pessoa apoia outra, é necessário pensar a comunidade não somente como
organismo, mas como processo que atravessa gerações. Por isso, o reconhecimento
de ofensas e culpas e o perdão do Eterno são tão importantes, porque
possibilitam a reconstrução dos relacionamentos. E é a partir daí que devemos
voltar ao ágape solidário e à parceria com irmãos e irmãs.
Do amigo, Jorge
Pinheiro.