mardi 15 novembre 2016

A suar pela unidade

UNIDADE, topa suar por ela?

O que a UNIDADE não é

Caso pretendamos assumir o desafio da unidade, precisamos primeiro ser sinceros a respeito do nosso próprio egoísmo natural quando se trata de relacionamentos. Quando procuramos amigos, muitas vezes pensamos naquilo que podemos ganhar com o relacionamento. Por isso, é necessário esclarecer o que a unidade não é. E entender porque Jesus disse para o Pai: “E peço para que todos sejam um. Pai, que eles estejam täo unidos a nós, como tu o estás a mim e eu a ti. Desta maneira, o mundo há-de acreditar que tu me enviaste”. João 17.21

Unidade não é encontrar alguém para cuidar de nós e satisfazer nossas necessidades. Não é elevar nossa vida e nossa comunidade  a um alto nível para se autopromover. E não é fingir que nos preocupamos com alguém para que ele se una à nossa causa ou compre nosso produto. O essencial da unidade é apoiar e ser apoiado, amar e ser amado, servir e ser servido, celebrar e ser celebrado.

Quais os possíveis problemas que posso enfrentar se começar a construir a unidade com as seguintes atitudes:

  • Procurar um amigo ou instituição que seja exatamente como eu ou como a minha comunidade.
  • Alguém ou instituição que concorde em tudo comigo e com a minha comunidade.
  • Uma pessoa ou instituição que esteja disposto, sempre, a satisfazer todas as minhas necessidades e as de minha comunidade.


Unidade exige esforço

Se pretendemos passar da solidão para a comunhão, precisamos enfrentar a realidade de que construir a unidade pode ser uma empreitada árdua e demorada. É um processo que exigirá energia, trará alguns riscos e, às vezes, deixará cicatrizes.

Quando a Bíblia diz que a unidade  são como o ouro e a prata, está confirmando a importância e o valor das amizades. A Bíblia também utiliza uma outra imagem, aquela de cavar em busca de ouro, pois elas sempre implicam em esforço e dedicação.

Reflita sobre um relacionamento que você guarda com carinho. Por que ele é tão importante para você?

Comente este versículo: “Descobri que na vida existe mais uma coisa que não vale a pena: é o homem viver sozinho, sem amigos, sem filhos, sem irmãos, sempre trabalhando e nunca satisfeito com a riqueza que tem. Para que é que ele trabalha tanto, deixando de aproveitar as coisas boas da vida? Isso também é ilusão, é uma triste maneira de viver”. Eclesiastes 4.7-8.

Unidade exige tempo e dedicação

É comum as pessoas entrarem na igreja porque estão solitárias, porque precisam de amigos. Mas tanto aquelas que estão chegando, como nós, que já estamos na igreja faz anos, devemos ter clara uma questão: a igreja é o melhor lugar para se fazer amizades, mas a construção de uma união verdadeira leva tempo.

E quanto tempo? Poderíamos dizer não sei, depende, mas é melhor ser mais preciso: a construção de uma união verdadeira leva anos. A união, chamada pelos gregos de amor fileo, pode nascer num momento, como na história do amor fileo entre Davi e Jônatas.

Ou como conta a Bíblia, Jônatas, filho de Saul, sentiu uma profunda amizade por Davi e veio a amá-lo como a si mesmo. E fizeram um juramento de amizade, pois Jônatas tinha grande amor por Davi. Depois do juramento, Jônatas tirou a capa que estava usando e a deu a Davi. Deu também a sua túnica militar, a espada, o arco e o cinto. (1Samuel 18.1-4) Essa amizade que começou num relance, quando Jônatas viu aquele jovem pastor que acabara de matar, sem armas de guerra, um guerreiro inimigo terrível, durou de sete anos e meio. Ou seja, desde a vitória de Davi sobre o gigante Golias, até a morte do rei Saul e seu filho Jônatas num ataque dos filisteus. Ao saber da morte de seu amigo, Davi compôs uma canção, que terminava assim: “Eu choro por você, meu irmão Jônatas/ como eu o estimava!/ Como era maravilhoso o seu amor para mim,/ melhor ainda do que o amor das mulheres”. (2Samuel 1.26). É, amizade exige tempo, exige dedicação e até mesmo sacrifício. Você aceita arriscar?

Reflita:

  • Por que é preciso tempo para estabelecer um relacionamento?
  • Conte ao grupo sobre algum relacionamento ao qual você tem dedicado tempo nesta fase da sua vida.
  • O que podemos fazer para encorajar esse(a) irmão(ã) no desafio de construir um relacionamento sólido?

E para meditar, leia com atenção este poema de Mário Quintana

Sermão da união

"Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?

Promete saber ser amiga(o) e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?

Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?

Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?

Promete se deixar conhecer?

Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?

Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?

Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?

Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?

Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?

Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher. Declaro-os maduros!"


(Mario Quintana nasceu em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 1906, e morreu em Porto Alegre. Sua poesia foi caracterizada especialmente pela simplicidade, utilização de uma linguagem coloquial e cotidiana, além de exprimir um sutil humor. Neste texto o poeta expressou o que achava do sermão dos padres durante o casamento.)




A lembrar Salomão Ginsburg

 

O Evangelho da Consolação

Isaías 52 e 53

Na história dos batistas brasileiros houve um pastor e missionário, Salomão Ginsburg, que pode servir de exemplo para as novas gerações. O historiador João Oscar descreve em seu livro Apontamentos para a História de São João da Barra a oposição sofrida pelo Evangelho em terras fluminenses.

"Em consequência da intolerância religiosa dos fazendeiros da região, não encontrou o protestantismo, quando da vinda dos primeiros missionários batistas para a planície, em fins do século passado (século XIX), terreno muito fértil para a sua expansão. A luta desses abnegados servidores de Deus foi tremendamente difícil para romper os seculares preconceitos ali firmados. Mas, com a ida para Campos, em 1893, do culto pastor americano Salomão Ginsburg, modificou-se inteiramente a situação: esse missionário, que havia encontrado ali apenas 45 adeptos de sua religião, granjeou, graças à sua bondade, as simpatias de todos os que dele se aproximavam, expandindo substancialmente seu ideário religioso".

E por que cito um herói da história batista brasileira? Porque todos que seguirem o Mestre, em maior ou menor grau, sofrerão perseguições. Mas antes de relatar um episódio da vida do pastor Salomão Guinsburg, vamos ler o Evangelho da Consolação (Isaías 52 e 53), que nos apresenta a boa notícia de que “o Senhor reina”.

O Evangelho da Consolação mostra a misericórida de Deus de nos tirar do pelourinho, ao oferecer o recurso capaz para livrar da situação mais aflitiva que alguém pode enfrentar: a morte eterna. A salvação oferecida por Cristo liberta da escravidão do pecado.

Os capítulos 52 e 53 de Isaías tratam do reinado de Cristo, que substituirá os governos, e que já tinha sido anunciado por Jeremias, Ezequiel, Miquéias e celebrado nos salmos do reino. O poema está dividido em estrofes, e começa falando dos mensageiros que chegam e dos sentinelas que os avistam e com alegria anunciam a inauguração do reinado so Senhor.


“Quäo formosos säo, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvaçäo, do que diz a Siäo: O teu Deus reina! Eis a voz dos teus atalaias! Eles alçam a voz, juntamente exultam; porque olho a olho veräo, quando o Senhor fizer Siäo voltar. Clamai cantando, exultai juntamente, desertos de Jerusalém; porque o Senhor consolou o seu povo, remiu a Jerusalém”.

Dona Mocinha começa a história

"No ano de 1918 houve uma grande perseguição aos primeiros crentes daqui. Um culto foi marcado para a casa do Sub-delegado, Francisco Nunes, cujo filho, Cesário Nunes, era crente. O pregador era o Missionário Salomão Ginsburg. Quando os crentes estavam cantando veio uma multidão que, aos gritos, exigia: Bota pra fora esse careca que nós queremos matá-lo. Foi uma cena muito triste”. (Fonte: Revista de Estudos Bíblicos e Históricos, no. 2, Campos, jul/1984, p. 45).

O quarto Cântico do Servo Sofredor, que vai de 52.13 a 53.12 tem início mostrando a dimensão humana do Cristo, sem beleza, rejeitado, desprezado, e as perseguições que sofreria com paciência, que escandalizariam as pessoas, mas que, na verdade, era a expiação por nossos pecados.

“Eis que o meu Servo procederá com prudência, será exaltado, elevado, e sublime. As multidões pasmaram à vista dele, pois sua aparência estava tão desfigurada a ponto de não parecer mais homem. Assim, as nações ficarão estupefactas a seu respeito, e os reis fecharäo as suas bocas por causa dele, ao verem coisas que não lhes foram contadas, e ao tomarem consciência de coisas que não tinham ouvido”.

Mas a comunidade da fé entende o anúncio e o destino do Servo que sofre. Vê que é uma revelação nova e quase inacreditável. E a surpresa inicial dá lugar à compreensão de que todo aquele sofrimento leva à salvação de muitos. Olhando a Cristo, estamos diante das dimensões do sacrifício, paciência e humildade. Ele era a oferta inocente e sem pecado. Mas se olharmos a partir de nós, pecadores salvos, estamos diante das dimensões da substituição, do arrependimento, da confissão do pecado e da redenção.

“E no entanto eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, eram nossas dores que ele carregava. Mas nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi trespassado por nossas transgressões, esmagado por nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados”.

Dona Mocinha termina a história

“O Sub-delegado saiu e pedia ao povo compreensão e que dispersassem. Mas eles estavam muito enfurecidos. O Salomão quis ir atrás do sub-delegado para ajudá-lo. Porém a filha do sub-delegado o segurou. Salomão começou a lutar para se livrar dos braços da moça que o segurava fortemente. Ela dizia: O senhor não sai porque eles não querem nada com o papai. Eles querem é o senhor. O Salomão se esforçava ainda mais. Assim, já perto da porta, os dois lutavam. Ela se interpôs na porta. Neste momento deram vários tiros. Uma bala passou entre a cabeça do missionário e da moça. Por um triz não atingia o missionário. A bala ficou encravada na parede e Salomão mandou tirá-la e engatá-la em seu relógio, pois aquilo era a providência de Deus”.

E o precursor do Senhor Jesus, o missionário João Batista, sintetizou os versículos 4 e 7 ao afirmar: “eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29)  E nós desejamos finalizar essa pastoral com o versículo 11:

“Após o trabalho fatigante da sua alma verá a luz e se fartará. Pelo seu conhecimento, o justo, meu Servo, justificará a muitos e levará sobre si as suas transgressões”.


Caro irmão, caríssima irmã, leia esses dois capítulos de Isaías. Ore e agradeça a Deus. Adore: o Senhor reina em sua vida! Do pastor e amigo, Jorge Pinheiro.

Caminhando ...


Caminhando em direção ao caminhante
Pr. Jorge Pinheiro
[O sermão é ilustrado por solo do negro spiritual “Anunciais pelas mnotanhas”, de origem desconhecida, mas cuja letra encontramos no Folk Songs of the American Negro publicado em 1907.por John Wesley Work, Jr.].



Com os começos

Paulo foi um apóstolo missionário. Em sua terceira e última viagem missionária, passou pela Galácia, Frígia e visitou as igrejas em Derbe, Listra, Icônio e Antioquia. Trabalhou em Éfeso, a capital da província romana da Ásia.

Depois de três invernos em Éfeso, Paulo passou o seguinte em Corinto. E ali fez preparativos para uma visita a Roma, pensando antes passar por Jerusalém.

Paulo não levou em conta as advertências sobre os perigos que o ameaçavam se voltasse a Jerusalém. Achava que devia ser o portador das ofertas que haviam sido levantadas para a igreja de Jerusalém. Lucas conta que “os irmãos nos receberam com alegria” (Atos 21.17), mas foi preso...

[O sermão é ilustrado por solo do negro spiritual “Anunciais pelas mnotanhas”, de origem desconhecida, mas cuja letra encontramos no Folk Songs of the American Negro publicado em 1907.por John Wesley Work, Jr.].

Falai pelas montanhas,
nos montes e por todo lugar;
falai pelas montanhas
que Cristo já nasceu.


1 .  O desejo de Paulo

Romanos 1:11-13   11 Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados,  12 isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha.  13 Porque não quero, irmãos, que ignoreis que, muitas vezes, me propus ir ter convosco (no que tenho sido, até agora, impedido), para conseguir igualmente entre vós algum fruto, como também entre os outros gentios.

Romanos 15:23-24   23 Mas, agora, não tendo já campo de atividade nestas regiões e desejando há muito visitar-vos,  24 penso em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que, de passagem, estarei convosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haver primeiro desfrutado um pouco a vossa companhia.

A finalidade da carta de Paulo aos Romanos, assim com sua intenção de visitar Roma, era dar-lhes um fundamento seguro. E Paulo achava que isso seria um bem para ele também. Há aqui a idéia da reciprocidade na comunhão espiritual do Evangelho.

Atos 23:11   11 Na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse: Coragem! Pois do modo por que deste testemunho a meu respeito em Jerusalém, assim importa que também o faças em Roma.

Jesus aparece a Paulo e diz para ele ter coragem, porque ele vai para Roma. Mas devemos nos perguntar: na vida, o que deve vir primeiro? Nosso propósito, nosso bem ou a alegria de Deus?

Nasceu na estrebaria
o grande Rei dos céus,
o eterno prometido,
Jesus, menino Deus.


2. Paulo vai para Roma

Atos 26:30-32   30 A essa altura, levantou-se o rei, e também o governador, e Berenice, bem como os que estavam assentados com eles;  31 e, havendo-se retirado, falavam uns com os outros, dizendo: Este homem nada tem feito passível de morte ou de prisão.  32 Então, Agripa se dirigiu a Festo e disse: Este homem bem podia ser solto, se não tivesse apelado para César.

Atos 27:1 Quando foi decidido que navegássemos para a Itália, entregaram Paulo e alguns outros presos a um centurião chamado Júlio, da Coorte Imperial.

É verdade, Paulo vai para Roma. Mas não como missionário, e sim como prisioneiro. Enfrentou a prisão sob Felix, tempestade, naufrágio e depois se fez caminhante na estrada em direção a Roma. Mas na estrada, em Puzzuoli/Nápoles, ...

Atos 28:11-14   11 Ao cabo de três meses, embarcamos num navio alexandrino, que invernara na ilha e tinha por emblema Dióscuros.  12 Tocando em Siracusa, ficamos ali três dias,  13 donde, bordejando, chegamos a Régio. No dia seguinte, tendo soprado vento sul, em dois dias, chegamos a Putéoli,  14 onde achamos alguns irmãos que nos rogaram ficássemos com eles sete dias; e foi assim que nos dirigimos a Roma.

... algo acontece.


3. Caminhando em direção ao caminhante

Atos 28:15  15 Tendo ali os irmãos ouvido notícias nossas, vieram ao nosso encontro até à Praça de Ápio e às Três Vendas. Vendo-os Paulo e dando, por isso, graças a Deus, sentiu-se mais animado.

Paulo escrevera a carta aos Romanos três anos antes. Sabiam do sofrimento do apóstolo e correram para a Praça de Apio, cerca de 70 quilômetros ao sul de Roma, e para Três Vendas, a 55 quilômetros de Roma. E aconteceu o encontro na estrada. E Lucas nos diz: "ao vê-los, dando graças a Deus, Paulo fica animado".

Nos campos os pastores
ouviram com temor
os anjos que cantavam
em glória e resplendor.

Com os fins

Deus, através de cada irmão e cada irmã, caminha em direção ao caminhante. Por isso, ao final da caminhada podemos ver que:

1. A alegria de Deus é a nossa força

2. Jesus sempre faz bem feito.

3. O gesto, o encontro dos irmãos com aquele que caminha sempre traz alegria e conforto. Não por uma qualidade especial, não pela quantidade de pessoas, mas pela própria presença. Eles estavam lá, caminharam em direção a Paulo.

E nós, que o conhecemos,
devemos proclamar
que Cristo veio ao mundo
e a todos quer salvar.


lundi 31 octobre 2016

A pensar a tragédia estalinista

A sopa de repolho e o cozinheiro de pratos picantes
A pensar a tragédia estalinista
Por Jorge Pinheiro


“Porque as vossas mãos estão contaminadas de sangue, e os vossos dedos, de iniqüidade; os vossos lábios falam mentiras, e a vossa língua profere maldade. Ninguém há que clame pela justiça, ninguém que compareça em juízo pela verdade; confiam no que é nulo e andam falando mentiras; concebem o mal e dão à luz a iniqüidade”. (Isaías 59. 3-4).

Quando falamos de assassinatos por envenenamento nos lembramos imediatamente de uma jovem chamada Lucrecia, que nasceu em Roma em 1480. E que teve por pai o cardeal Rodrigo Borgia, que mais tarde se tornaria o Papa Alexandre VI, e por mãe Vanozza Cattanei. Embora filha ilegítima, Rodrigo a reconheceu, lhe deu seu sobrenome, e a usou nas mais diferentes intrigas palacianas. Mas, ao contrário do que conta a lenda, seus contemporâneos não viam em Lucrecia Borgia nada mais que uma princesa usada por seu pai e por seu irmão Cesare Borgia, Il Valentino, em lutas políticas, por ser bela, culta, amante das artes e mulher caridosa.

Por isso, talvez seja melhor falar de filosofia e teologia. 

Definir prato picante pode variar, conforme a culinária ou o gosto de cada um. Mas uma coisa permanece nesta idéia: é um prato que chama a atenção por condimentos que excitam o paladar e deixam um gosto marcado na boca. Assim, o escritor Airton Ortiz,[1] por exemplo, tem uma receita de churrasco, onde recomenda que coloquemos «no primeiro espeto um pedaço de lingüiça calabresa, a mais picante que encontrar». Segundo ele, «aprendi a comer pratos picantes na Índia, fiquei contaminado e agora não abro mão da pimenta. Asso-a rapidamente, na labareda mesmo. Ela fica torradinha. Para torrar mais rápido, furo a tripa com um palito, para escorrer a água. Servida no início do churrasco, na hora dos aperitivos, serve especialmente para despertar nos meus convidados o gosto pela cerveja. Mesmo os que não são adeptos do álcool partem imediatamente para um copo estupidamente gelado». 

Mas, talvez, um dos pratos picantes mais conhecidos e citados na historiografia da culinária seja a Shchi[2] ou sopa de repolho russa, conforme receita usada e divulgada por Josef Stálin (1929-1953), ex-ditador da União Soviética. A shchi pode ser feita com carne ou sem ela, mas é indispensável o chucrute ou o repolho, ou ambos. Uma recomendação fundamental é que deve sentar e curar no mínimo por um ou dois dias, antes de ser comida. Esta receita que fazia parte do cardápio de Stálin, e era, segundo alguns, seu prato preferido, por causa da presença do chucrute e do repolho, é cheia de sabores e texturas e deve ser comida quente, com pumpernickel ou pão de centeio e manteiga. 

É importante dizer que não foi Stálin quem inventou a shchi, pois há evidências de que já era conhecido na Rússia desde antes do ano 988, quando o cristianismo foi aceito. Shchi originariamente significava "comida líquida" e só depois ficou conhecida como "sopa de repolho", quando o legume passou a ser cultivado na região. Foi a sopa favorita de mongóis, de Ivã, o terrível, Nicholas II, de Lênin, de Stalin, e de Mao Zedong. 

E Alexandre Dumas gostou tanto da shchi que a colocou no seu livro de receitas. E Lewis Carroll a achou bebível, mas um pouco azeda, condizente com o paladar russo. Isso é tão verdadeiro que ainda hoje na Rússia se alguém for chamado de “professor de shchi azedo” significa que é uma fraude, ou seja, incapaz de preparar algo que todo mundo sabe fazer.

Por isso, fugindo ao apodo de “professor de shchi azedo” segue aqui uma versão unânime da sopa de repolho russa. Ingredientes: quatro xícaras de repolho, duas ou três xícaras de chucrute não enlatado. Duas colheres de massa de tomate, doze xícaras de carne de boi, ou, se você não come carne, de legumes variados, em especial cogumelos. Três colheres de sopa de manteiga, uma cenoura descascada e cortada em Julienne, uma xícara e meia de cebola cortada, um talo de aipo bem cortadinho, um nabo grande descascado e também bem cortadinho. E ainda tomates cortados, sal e pimenta. E, por fim, cravo da Índia picado..

Como preparar: comece saturando os cogumelos, depois de lavados e secados e fatiados, em água.

Em uma frigideira grande derreta a manteiga em calor médio, refogue a cenoura, cebolas, aipo, nabos, e cogumelos até tudo ficar ligeiramente marrom (aproximadamente quinze minutos). Numa caçarola, coloque o repolho e o chucrute e refogue durante 15 minutos, mexendo sempre. Depois coloque os ingredientes da frigideira na caçarola, e os temperos. Mexa tudo, cubra e deixe cozinhar em fogo brando por vinte minutos. Por fim, acrescente o alho e cozinhe por mais cinco minutos. 

Deixe então sentar e curar por um ou dois dias. Se for inverno aqueça antes de servir. Se for no verão, como recomenda Edouard Limonov, sirva frio. Com guarnição sirva endro fresco cortado e misturado com nata azeda. Por ser um prato azedo e picante combina com vinho branco, mas os russos, logicamente, preferem acompanhar com vodca. Assim, presente tanto na historiografia da culinária, como na literatura , não seria de estranhar que também se fizesse presente na política russa.

Vladimir Illich Lênin, pai da revolução bolchevique, apelidou Stálin de “o cozinheiro de pratos picantes”.[3] Esse apelido partia do viés culinário de Stálin, mas guardava um outro sentido: a acusação velada de que Stálin envenenava seus desafetos. O apelido foi mais tarde utilizado por Trotsky contra Stálin e acabou se generalizando na Oposição de Esquerda.

Trotsky acreditava ou ao menos fez questão de publicitar que Stálin tinha envenenado Lênin.

Apesar de, durante todo o período stalinista, esta acusação ter ficado marginalizada da historiografia soviética, ela reapareceu com força com o fim da União Soviética. Ela por exemplo está presente em “Touro”, filme do cineasta russo Alexander Sokourov que evoca os últimos dias de Lênin em 1922, depois que sofreu um primeiro derrame. Prematuramente velho, caminha com dificuldade e tem surtos de depressão e delírios. Só Krupskaya, sua mulher, o trata com carinho. Rodeado por guardas e criados, alguns dos quais informantes da polícia política, aqui o retrato de Lênin é o do Minotauro, monstro e vítima, possuidor de poder, mas cada vez mais solitário e isolado.[4] A cena em que Lênin descobre que o telefone da datcha foi cortado mostra isso. E a visita de Stálin, discutida várias vezes, mas em especial num jantar, onde o prato servido é a shchi, traz à tona o medo de Lênin de ser envenenado pelo novo secretário-geral do Partido. E quando Stálin chega e entra na casa, Sokourov traduz em sombras e meia-luz esta presença maligna do anjo da morte. 

Trotsky décadas antes de Sukourov já havia apresentado sua versão: “Eu imagino que as coisas se passaram quase dessa forma. Lenin pede veneno ao final de fevereiro de 1923. No inverno, o estado de Lenin começou a melhorar lentamente. O uso da voz retornara. Stálin queria o poder. O objetivo estava próximo, mas o perigo emanado de Lênin estava mais próximo ainda. Stálin devia tomar a resolução que lhe era imperativa, de agir sem demora. Se Stálin enviou o veneno a Lênin depois que os médicos tinham deixado entender por meias palavras que ele não tinha mais esperança ou se recorreu a outros meios mais diretos, eu ignoro”. Essa leitura de Trotsky também é a de historiadores contemporâneos, como Domènech,[5] que afirma ter sido Lênin assassinado por Stálin. 

Certamente é difícil dar uma palavra final sobre a morte de Lênin. Em 1991, documentos foram divulgados, entre eles a autópsia de Lênin, assim como as memórias daqueles que acompanharam sua morte. Um trabalho publicado no "European Journal of Neurology" de junho de 2004 sugere que Lênin, aos 54 anos, morreu de neurossífilis.[6] Os autores, V. Lerner, Y. Finkelstein e E. Witztum, de Israel, com base em cinco anos de pesquisas em arquivos liberados da antiga União Soviética, relatórios de necropsia e livros de memória de antigos médicos, concluíram que Lênin sofreu de sífilis terciária, que no correr dos anos afeta o cérebro. A causa oficial da morte de Lênin foi uma arteriosclerose cerebral, mas apenas oito dos 27 médicos que trataram dele assinaram esse diagnóstico. Os dois médicos pessoais do revolucionário recusaram-se a assinar o atestado de óbito oficial. Segundo os médicos israelenses, a sífilis produziu lesões cerebrais e demência nos dois últimos anos de vida do líder. 

É verdade que a sífilis na época era incurável, mas é interessante que sua mulher Krupskaya viveu até 1939 e nunca apresentou nenhum sintoma da doença. Assim, a sífilis de Lênin pode ser mais uma especulação, principalmente quando nos lembramos que ele sofreu uma tentativa de assassinato em 1918 e que a bala nunca foi removida. Daí, uma outra hipótese, o do envenenamento lento causado pela bala não extraída.

Diante dessa comida que mata, dessa bebida que fulmina, talvez o jeito seja cantar o rock punk do k2o3: [7]

”Veneno que me rouba a vida
veneno, uoohhoo! 
é o veneno que me está a matar
mesmo que queria não consigo escapar
cruel e fria perseguição
que só acaba com destruição
Veneno que me rouba a vida veneno, uoohhoo”! 

Citações
[1] Airton Ortiz, O churrasco de um gaúcho viajante, Água na boca. Web: www.missd.com.br. 
[2] Shchi, Russian cabbage soup. Web:www.soupsong.com/bfaves. 
[3] León Trotsky, O cozinheiro de pratos picantes, citado por Ludo Martens, O testamento de Lênin, Centro de Mídia Independente. 
[4] Alexei Jankowski, Lénine en fauteuil roulant Taurus, film russe d’Alexandre Soukourov. Les Archives (do jornal) l´Humanité, L´Humanité. 
[5] Antoni Doménech, El eclipse de la fraternidad, Una revisión republicana de la tradición socialista, Barcelona, Ed. Crítica, 2004. Vide: Entrevista político-filosófica de Antoni Domènech, Salvador López Arnal. Web: 
www.nodo50.org/redrentabasica/descargas/Entrevista_TD_def.pdf.
[6] Julio Abramczyk, Estudo especula sobre morte de Lênin, Folha de S. Paulo, 01/08/2004. 
[7] «És capaz» da banda de punk rock k2o3, formada em 1994. Seu álbum de estréia foi lançado em 1996, pela El Tatu. O segundo álbum recebeu o título de “Grita!”. O grupo não existe mais.