Primeira leitura: Introdução
Estudos sobre A Decisão Socialista de Paul Tillich
Por Jorge Pinheiro
Para Paul Tillich [A Decisão Socialista, Introdução:
As duas raízes do pensamento político, Potsdam 1933, Gesammelte Werke,
II, pp. 219-365], nem sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno
espiritual ou social. Muitas vezes tal pergunta mostra-se supérflua,
principalmente quando um testemunho saudável revela a integridade das raízes.
Mas quando se apresentam distorções ou desvios, quando o testemunho congela ou
a vida principia a desaparecer, então se torna necessário perguntar: quais são
suas raízes?
Em 1993, Tillich considerava que esta era a
situação do socialismo e, em particular, do socialismo alemão. Para ele, os
eventos que preanunciavam a ascensão do nazismo, revelavam o estado de profunda
crise do socialismo. E esse estado não só se explicava pelos eventos dos
últimos anos, mas deviam ser pesquisadas a partir da segunda metade do século
de 19, pois faziam parte de sua constelação histórica de origem. Por isso,
acreditava Tillich, a tarefa mais urgente dos anos futuros seria um exame das
razões do debilitamento do socialismo. E tal tarefa seria impossível de ser
realizada se não se achasse uma resposta à pergunta das raízes.
Porém,
afirmava Tillich, assim que se levanta a pergunta das raízes do pensamento socialista,
faz-se necessário ir mais fundo, porque o socialismo é um movimento de
oposição, de mão dupla, um movimento de oposição à sociedade burguesa, mas
enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e
patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo, ajudaria a entender
as raízes do pensamento político que lhe deu origem.
É necessário procurar pelas raízes do pensamento
político no próprio do homem[1], declara Tillich. Para
ele, sem uma imagem do homem, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada
sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. Sem uma teoria do
homem, não se pode construir uma teoria
das orientações políticas.
A antropologia
política de Paul Tillich
O homem, afirma o teólogo, diferente da natureza, é
um ser dividido. Não importa saber onde termina a natureza e onde começa o
homem, não importa que a passagem entre os dois se faça através de lentas
transições ou por um salto. O importante é que em determinado momento, a diferença
ficou clara.
Há no entanto, para Tillich, um processo vital
indiviso, que desdobra natureza sem interrogar nem requerer, um processo que
está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte do que ele é. Assim, existe
um processo vital que deseja saber sobre o homem, e que coloca algumas questões
para ele: já não é indiviso, mas também dividido. É idêntico a si mesmo quando
diante de si mesmo, no ato de pensar e de conhecer. Mas não apenas isso.
Segundo Tillich, o homem tem consciência de si
mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da natureza enquanto ser que se
desdobra, tornando-se um ser consciente de si mesmo. A natureza ignora esta
divisão. Por isso, o homem não é uma combinação de duas partes autônomas, tais
como natureza e mente ou corpo e alma, mas um só ser, porém fendido em sua
unidade.
Estas determinações gerais, considera Tillich,
levam a algumas considerações no que se refere à pesquisa do pensamento
político. Elas negam qualquer dedução do pensamento político enquanto puro
movimento de pensamento, de exigências ético-religiosas, ou considerações
ditadas por determinada cosmovisão. O pensamento político vem do homem enquanto
unidade. Está enraizada no ser e na sua consciência, mais precisamente em sua
unidade indissolúvel. É por isso que não se pode entender um sistema de
pensamento político sem contextualizar seu enraizamento no ser humano enquanto
ser social, ou seja, o imbricamento de pulsões e interesses, os constrangimentos e as aspirações
constituintes do ser social.
Mas também é impossível separar o ser de sua
consciência, ou ver o pensamento político como simples subproduto do ser.
Assim, para Tillich, a consciência estrutura todo o ser do homem, todo o ser
social, em cada um de seus elementos, inclusive as sensações pulsantes mais
primitivas[2].
Quando tenta desfazer laços, explica Tillich,
passa-se ao largo da primeira e mais importante característica da essência
humana, o que produz uma distorção no quadro geral que ele faz de si próprio,
de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência, mas que não
invalida a unidade do ser e da consciência. Isto porque, afirma, o conceito de
falsa consciência não é possível quando a coisa que se designa é não
conhecível. Assim, a consciência justa é uma consciência que emerge do ser e ao
mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o homem
é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as duas raízes de todo
pensamento político.
A origem do
pensamento político conservador
O homem se encontra enquanto realidade dada, assim
como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa aquele não
vem da si mesmo, que ele não é sua própria origem. Para Tillich, que cita a
expressão de Martin Heidegger, o homem é um “ser lançado”. Esta situação leva o
homem a colocar-se a questão da fonte (Woher). O que mais tarde vai aparecer
como questão filosófica. Mas tal discussão é uma construção, e o mito apresenta
a primeira resposta, enquanto determinante para a discussão de conjunto.
A origem (Ursprung) é o que faz emergir
(entspringen). Este aparecimento (Sprung) dá lugar a algo novo, que não existiu antes, que
produz uma consciência própria, diferente da origem. A realidade que somos está
colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão entre o ser-posto e o
ser-próprio.
Para Tillich, a origem não nos liberta. Não se pode
dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela
nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto
essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte.
Assim, para Tillich, a concepção conservadora admite o surgimento do
eterno no tempo, que repousa no passado. Por essa razão nega toda mudança,
presente ou futura[3].
A força dessa concepção repousa no fato de que considera o eterno como dado e
não como resultado da ação cultural e religiosa do ser humano.
A concepção conservadora também reconhece o kairós[4],
mas o situa no passado. Desconsidera que se aconteceu no passado como
acontecimento único, é ele quem se revela em todos os sim e não
do passado, do presente e futuro. Sob tal visão repousa o pensamento político
conservador. Perdeu o sentido supratemporal do kairós[5].
O mito expressou com profunda riqueza este estado
de coisas, com o testemunho de objetos e
eventos nos quais o grupo humano percebe sua origem. Em todos os mitos ressoam
a lei cíclica do nascimento e da morte. Todo o mito é mito da origem, responde
à pergunta da providência e conta porque somos segurados na origem e estamos debaixo
de seu império. A consciência mítica original é a raiz de todo o pensamento
político conservador e romântico[6].
Embora
haja pontos de contado entre os conceitos expressos por Paul Tillich e o
pensamento marxista, principalmente no que se refere à construção de um
pensamento político conservador, é interessante ver semelhanças e diferenças.
Assim, para Marilena Chauí, “um mito fundador é
aquele que não cessa de encontrar novo meios para exprimir-se, novas
linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser
outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo”[7].
Para a filósofa brasileira, teórica do Partido dos
Trabalhadores, o mito deve ser entendido enquanto conceito antropológico, no
qual a narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições
que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade. Dessa
maneira, o mito é sempre falsa consciência.
Por isso, para Chauí, a diferença é definida por
formação versus fundação. E explica que quando se fala em formação, refere-se
não só às determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um
acontecimento histórico, mas também se pensa em transformação e, portanto, em
continuidade ou descontinuidade dos acontecimentos. Assim, o registro da formação
é a história propriamente dita, aí incluídas suas representações, sejam aquelas
que conhecem o processo histórico, sejam aquelas que o ocultam (isto é, as
ideologias).
Já a fundação, considera Chauí, se refere a um
momento passado imaginário, tido como originário que se mantém vivo e presente
no curso do tempo. A fundação visa a algo tido como perene (quase eterno) que
trava e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende
situar-se fora do tempo, fora da história, num presente que não cessa nunca sob
a multiplicidade de formas ou aspectos que pode tomar. A marca peculiar da
fundação é a maneira como ela situa a transcendência e a imanência do momento
fundador[8].
Assim, as ideologias, que necessariamente
acompanham o movimento histórico da formação, alimentam-se das representações
produzidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadra
histórica. É exatamente por isso que, sob novas roupagens, o mito pode
repetir-se indefinidamente.
O mito, uma
crença desvelada
Paul Tillich vê diferente. Para ele, a exigência
que o homem faz na experiência diante do incondicionado não é estranha a ele.
Se fosse estranha à sua essência, não lhe seriam concernentes e ele não poderia
discernir tal coisa como exigência. Se ela lhe toca é porque coloca diante de
seus olhos gás sua essência enquanto exigência. Funda-se a incondicionalidade,
a irrevogabilidade com que o dever-ser aborda o homem e exige ser afirmado por
ele.
Se a exigência é a própria essência do homem, então
ela encontra seu fundamento na sua
origem, e então a providência e o destino não pertencem a mundos
diferentes. Ainda, diante do original, o que é requerido é o incondicionalmente
novo. Assim, para Tillich, a origem é ambígua. Há nela uma separação
entre origem verdadeira e a origem real.
O que é realmente original não é o
que é original de verdade[9].
A realização da origem é esta exigência e este
dever-ser pelo qual o homem é confrontado. O “por que” do homem é a realização
da sua providência. A origem real é
negada pela origem verdadeira; mas certamente, não é uma pura e simples
negação. A origem real tem que levar à real verdadeira, ela é sua expressão,
mas também disfarce e distorção. A pura consciência mítica original ignora
todas as ambigüidades da origem. É por isto que esta consciência está presa à
origem e considera sacrilégio toda a ultrapassagem da origem. Só a consciência
que, fazendo a experiência da exigência da incondicionalidade, se livra dos
laços de origem e se apercebe da ambigüidade da origem.
A exigência quer a realização da origem verdadeira.
Porém o homem não recebe uma exigência incondicionada de outros. É no
reencontro do "eu e você" que a exigência torna-se concreta. Seu
conteúdo é reconhecido no você com a dignidade do "eu", a dignidade
para ser livre, portador da realização daquilo que apontada à origem. Reconhecer no você uma
dignidade igual ao do eu, isto é justiça. A exigência que nos arrasta à
ambigüidade da origem é a exigência de
justiça[10].
A origem não rompida conduz a poderes em tensão que procuram a dominação e
destroem um ao outro. Quando a origem é rompida vem o poder do ser, o declínio
dos poderes que "expiam e são julgados por seu sacrilégio, de acordo com a
ordem do tempo", como já evocou a filosofia grega.
A exigência incondicional eleva acima deste ciclo
trágico. Diante do poder e da impotência do ser, opõe a justiça, que provém do
dever-ser. Portanto, para Tillich, não há uma simples oposição, porque o
dever-ser é a realização do ser. A justiça é o verdadeiro poder do ser.
Nisto se torna realidade o que é apontado na origem. Na relação entre os dois
elementos da existência humana e as duas raízes do pensamento político, a
exigência predomina sobre a pura origem, e a justiça, sobre o puro poder do
ser. A pergunta do “por que” é superior à da providência. O mito original
não deve representar no pensamento político mais do que uma crença rompida, uma
crença desvelada[11].
Esse é o caminho da utopia. Sem o espírito utópico
não há protesto, nem espírito profético[12].
Isto é exato na medida em que cada tensão orientada
para adiante comporta uma representação daquilo que deve vir e de como se
entende a realização desse ideal. Eis porque o espírito da utopia está presente
em todo agir incondicionalmente decidido, em todo agir orientado à
transformação do presente [13].
A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas
esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos. É por isso que a
utopia leva, necessariamente, à decepção. Progresso mitigado é o resultado da
utopia revolucionária desencantada.
A idéia do kairós nasce da discussão com a
utopia. O kairós comporta a irrupção da eternidade no tempo, o caráter
absolutamente decisivo deste instante histórico enquanto destino, mas tem a
consciência de que não pode existir um estado de eternidade no tempo, a
consciência de que o eterno é, em sua essência, aquele que faz a irrupção no
tempo, sem contudo fixar-se nele.
Assim, a realização da visão profética se encontra
além do tempo, lá onde a utopia desaparece, mas não a sua ação[14].
Metodologicamente, Tillich mostra que toda mudança,
toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do
meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro, deve entender
que há no espírito profético da responsabilidade inelutável um choque entre
este kairós[15] e a
utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente. Tal desafio não
pode ser resolvido por um homem, por mais que encarne o espírito da profecia. O
sujeito da transformação será, em última instância, a massa.
A origem do
pensamento democrático e socialista
Mas o homem vai além do colocar-se como realidade
dada, vai além do saber colocar-se diante do ciclo do nascimento e a morte. Faz
a experiência de uma exigência que separou o imediato da vida e o leva a
colocar-se diante da pergunta da providência uma outra pergunta: "por
que?”
Esta pergunta quebra o ciclo de uma maneira
fundamental, eleva o homem acima da esfera do simples viver. Porque é a
exigência de algo que não está aí, que tem que se tornar realidade. Quando se
faz a experiência desse tipo de exigência não se está mais colado à origem.
Vai-se além da afirmação do que já está. A exigência nomeia o que deve ser. E o
que deve ser não é determinado com a afirmação daquilo que já é, disso que é,
significa que tal exigência impôs ao homem o incondicionado.
O “por que” não está dentro dos limites da fonte. É
o incondicionalmente novo. É através do “por que” que o homem deve alcançar
algo do incondicionalmente novo. Este é o sentido da exigência, quando o homem,
por ser dividido, faz esta experiência. Ele detém um conhecimento próprio, por
isso é possível ir além da realidade, além daquilo que o cerca.
Tal é a liberdade do homem: não que ele tenha uma
vontade livre, mas não está preso, enquanto homem, ao que está dado. O ciclo do
nascimento e morte foi quebrado, sua existência e sua ação não estão amarradas
na simples propagação de sua origem. Quando esta consciência se impõe, são rasgados os laços da origem, o
mito original está quebrado. A ruptura do mito original pelo incondicionado de
exigência é a raiz do pensamento político liberal, democrático e socialista.
Mas, a concepção progressista considera o eterno um
alvo infinito, existente em cada época, mas que não se apresenta enquanto
irrupção. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem decisão, sem responsabilidade.
Na concepção progressista existe uma tensão diante do que foi. Mas a
consciência de que o alvo é inacessível a debilita e produz um compromisso
continuado com o passado. A concepção progressista não oferece nenhuma opção ao
que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica pontual
desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade última [16].
Este progressismo mitigado é a atitude
característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é a
supressão do não e do sim incondicionados, a supressão do anúncio da
plenitude dos tempos. É o verdadeiro adversário do espírito profético
[17].
Ser, consciência
e socialismo
Para Tillich, as duas raízes do pensamento político
mantêm entre elas uma relação que é mais do simples justaposição. A exigência
predomina na origem. Considerando as várias tendências políticas, não se pode
supor que elas sejam atitudes humanas justificadas. Onde são requeridas
decisões, o conceito tradicional de realidade não é aplicável. Outro, no
entanto, é quando estamos diante de uma exigência do incondicionado.
As raízes do pensamento político não são apenas
pensamentos. O pensamento político é a expressão de um ser político, de uma
situação social. Não se pode entender o pensamento quando se subestimam as
realidades sociais das quais vem o pensamento político. As raízes do pensamento
político não podem agir com uma força igual em todo momento e em todo grupo. Um
ou outro pode predominar, depende de uma situação social, grupos ou formas de
dominação determinadas. Depende de estruturas sócio-psicológicas, da interação
com a situação social objetiva.
A
consciência está ligada ao ser, mas esta ligação é funcional, não de ordem
biográfica. Existem pensamentos que têm por função expressar o ser burguês, não
importa se são de fato aristocratas ou burgueses. E há pensamentos que têm por
função expressar o ser proletário, não importa se são expressos por burgueses
ou proletários. O fato é que foram os aristocratas que lançaram as bases para
sociedade burguesa e que foram burgueses aqueles que deram ao proletariado consciência deles próprios, o que demonstra
que a questão biográfica tem pouca importância.
Pode-se dizer que a distância que separa ser e
consciência é necessária para que o ser se eleve à consciência. A
consciência supõe não somente uma ligação ao ser, mas também uma distancia que
permita reflexão. Assim, o que é abalado em sua ligação original com um
grupo ou com uma classe é chamado a dar consciência a outra classe que não é a
sua. Marx e Lênin são o exemplo mais evidente disto. Eles mostram que a relação
entre a situação social e o pensamento político deve se elevar da esfera
biográfica para aquela das relações funcionais.
A palavra princípio serve para caracterizar
de maneira global os grupos políticos. O pensamento tem como tarefa extrair uma
multiplicidade de fenômenos que constitui a característica comum a todos os
indivíduos. Normalmente, se cumpre esta tarefa com ajuda do conceito de
essência. Desde Platão, a relação entre essência e o fenômeno domina no
Ocidente a teoria do conhecimento. Porém a lógica da essência não é suficiente
para explicar as realidades históricas. A essência de um fenômeno histórico é
uma abstração vazia, de onde se expulsou a força viva de história.
Por isso, não se pode entender o socialismo se não
experimentar a exigência de sua justiça como uma exigência do incondicionado. Quem
não é confrontado pelo socialismo não pode falar do socialismo, a não ser
enquanto expressão que vem do exterior[18]. Não podem falar dele em verdade, porque é
contrário às tendências políticas que defendem. Aí está o nó da origem.
Algumas
conclusões
Neste
texto, Paul Tillich traduz uma confiança no progresso humano. Parte de uma
filosofia política onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido,
podemos dizer que faz uma fenomenologia política quando analisa questões como o
ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procura
trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político conservador.
Lembramos aqui, em passant, a crítica de
Ernst Bloch[19]
a Freud – conforme exposto por Etienne Higuet --, quando apresenta a
Psicanálise como uma volta à origem, que resultaria em conformidade às normas
sociais. Assim, o mito não é transformador. Só a utopia, enquanto sonho
acordado, é progressivo e pode se apresentar como revolucionário.
Tillich não é tão radical como Bloch ou Marilena
Chauí. Ele parte do mito, entendendo que devemos rompe-lo passando através
dele, a fim de resgatá-lo. Nesse sentido, os símbolos devem ser atravessados
para que se possa conhecer aquilo que ele evoca. E isso é o que deve acontecer
em relação ao mito de origem, ele não pode ser abandonado, mas atravessado.
Assim, a questão existencial, presente nessa
filosofia política, leva a uma antropologia existencial.
É importante, também, entender que o pensamento
político liberal, a que Tillich se refere no texto, fala da experiência liberal
européia, que teve sua origem no Iluminismo, na Revolução Francesa e nas
constituições do século XIX. Essas constituições foram criticadas por Marx, que
não as via como fruto das reais necessidades da sociedade.
Perguntas
1. Até que ponto a Teologia da Cultura pode dizer algo a respeito da ação
social e humana?
2. Qual a pertinência do discurso teológico?
3. O que Paul Tillich está produzindo neste texto? Uma história da
religião, sociologia da religião ou filosofia da religião?
4. Qual é o estatuto epistemológico e teórico da análise de Paul Tillich?
5. Quais os referenciais de Paul Tillich? Uma filosofia da vida? Qual a
validade desses referenciais?
Notas
[1] Paul Tillich, La décision
socialiste, Introduction: Les deux racines de la pensée politique,
L´être humain et la conscience politique, p. 26 [do original publicado em
alemão: Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365].
[2] Paul Tillich, La décision
socialiste,op. cit., p. 27.
[6] Paul Tillich, La
décision socialiste,op. cit., p. 28.
[7] Marilena Chauí,
Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo, Editora
Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 9.
[8] Marilena Chauí, Brasil...,
op. cit., p. 10.
[9] Paul Tillich, La décision
socialiste, op. cit., p. 29.
[10] Paul Tillich, La
décision socialiste, op. cit., p. 30.
[11] Paul Tillich, La
décision socialiste, op. cit., p. 30.
[15] E é a partir dessa compreensão do que significa o
espírito de profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, mas agora com
novos conteúdos, construído enquanto responsabilidade inetulável. [Paul
Tillich, História do pensamento cristão, Kairós, São Paulo, ASTE, 2000,
p. 24]. Kairós significa tempo concluído, o instante concreto e, no sentido
profético, a plenitude do tempo, a irrupção do eterno no tempo. Kairós não é um
qualquer momento pleno, uma parte ou outra do curso temporal: kairós é o tempo
onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo do
destino. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de
uma decisão inevitável, de uma responsabilidade inelutável, é considerá-lo
enquanto espírito da profecia. [Kairós II, idem, op. cit., p. 259].
[18] Paul Tillich, La
décision socialiste, op. cit., p.31.
[19] Ernst Bloch, The Principle of Hope, três
volumes (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1986). Considerado o principal trabalho de Bloch,
nele o filósofo marxista faz a crítica da cultura e da ideologia no século XX.