As lágrimas negadas
Os dois rapazes, armados, trombaram a velhinha. Arrancaram a bolsa e começaram
a tirar tudo que tinha lá dentro. Tiraram a Bíblia, revolveram tudo, mas não
acharam o que queriam: dinheiro.
Eu creio nestas promessas! Até mais ver, querida mãe!
Os dois rapazes, armados, trombaram a velhinha. Arrancaram a bolsa e começaram
a tirar tudo que tinha lá dentro. Tiraram a Bíblia, revolveram tudo, mas não
acharam o que queriam: dinheiro.
-- Diz velha, onde está o dinheiro? Diz logo, senão a gente te apaga.
-- Meninos, por que vocês fazem isso? Vocês são tão bonitos...
A velhinha -- tinha mais de 70 anos -- pegou a Bíblia que estava nas mãos de um
deles e encostou-a no peito.
-- Jesus muda tudo, faz tudo novo... Qualquer vida...
-- Deixa essa velha pra lá. Vamos embora, ela parece minha mãe.
Maria chegou em casa e contou a história como se fosse a coisa mais normal do
mundo. Depois disse:
-- Vou orar por eles. Deus pode mudar a vida daqueles meninos.
O pai era atacadista de café nos ricos anos 20 nas Minas Gerais. Mas cedo foi
morar no Rio de Janeiro, em Copacabana. Estudou no Sacré Coeur de Marie. O grande amor de sua vida foi meu pai,
jornalista e socialista.
Mas o mundo dá voltas e Maria ficou viúva com dois filhos, Jorge e Alex. E aos
poucos a herança foi virando fumaça. E aquela mulher, educada para ser dondoca,
de fina cultura, lutou, batalhou para criar os dois meninos. Enfrentou momentos
difíceis, sofreu um forte stress e tentou o suicídio, cortando os pulsos. Foi
internada. E, no meio do desespero, uma voz suave falou ao seu coração.
Dez anos depois na morte de meu pai, Maria conheceu o Salvador, aquele que dá
sentido à vida. Maria me lembra outra mulher, Mônica, mãe de Agostinho.
"É verdade que minha mãe,
vivificada em Cristo, antes mesmo de ser livre dos laços da carne, viveu de tal
modo, que Teu nome era louvado em sua fé e em seus costumes".[1]
Foi com Maria que aprendi o doce dom do amor. Eu, com minha cabeça
materialista, ficava chocado, quando ela alimentava famintos ou cuidava de
mendigos. Eu, adolescente, brigava com ela, dizia que era piegas, que isso não
adiantava nada e outras tantas coisas. E Maria, com paciência, me respondia:
-- Um dia você vai entender.
Não, de forma nenhuma foi perfeita. De novo, me lembro das palavras de Agostinho
sobre Mônica.
"Não me atrevo a dizer que desde
que a regeneraste (...) não saiu de sua boca nenhuma palavra contrária a sua
lei. Porque a Verdade, que é teu Filho, disse: Quem chamar a seu irmão de louco
será réu do fogo da Geena. Ai da vida dos homens, por mais louvável que seja,
se tu a julgares sem a tua misericórdia!".[2]
Minha mãe, Maria, morreu aos 87 anos, na quinta-feira, dia 27 de novembro de
2003. Pode parecer estranho, mas apesar do profundo amor que sempre nutri por
ela e de toda a saudade que ficou, não chorei. Ao menos até agora, doze horas
depois do sepultamento. Mais uma vez recorro a Agostinho.
"De fato, não julgávamos correto
celebrar aquele funeral com lágrimas e choros, pois tais demonstrações
deploravam geralmente o triste fim dos que morrem, ou sua total extinção. A
morte de minha mãe não era uma desgraça, e ela não morria para sempre, e disto
estávamos certos pelo testemunho de seus costumes. Por sua fé sincera e outras
razões inequívocas".[3]
Há promessas...
Então vi um novo céu e uma nova terra.
O primeiro céu e a primeira terra desapareceram, e o mar sumiu. E vi a Cidade
Santa, a nova Jerusalém, que descia do céu. Ela vinha de Deus, enfeitada e
preparada, vestida como uma noiva que vai se encontrar com o noivo. Ouvi uma voz
forte que vinha do trono, a qual disse:
-- Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles,
e eles serão os povos dele. O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles.
Ele enxugará dos olhos deles todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem
tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram.
Aquele que estava sentado no trono disse:
-- Agora faço novas todas as coisas!
E também me disse:
-- Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e merecem confiança.
E continuou:
-- Tudo está feito! Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tem
sede darei água para beber, de graça, da fonte da água da vida. Aqueles que
conseguirem a vitória receberão de mim este presente: eu serei o Deus deles, e
eles serão meus filhos.[4]
Eu creio nestas promessas! Até mais ver, querida mãe!
[1]
Agostinho, Confissões, Livro
Nono, Capítulo XIII, Preces pela mãe
morta.
[2]
Agostinho, idem.
[3]
Agostinho, Confissões, Livro
Nono, Capítulo XII, As lágrimas
negadas.
[4]
Apocalipse 21.1-7.
Extraído de:
Extraído de:
Jorge Pinheiro, Teologia da Vida, uma paixão radical, São Paulo, Fonte Editorial, 2009.
Online nas boas livrarias.
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