Primeira
parte
Mas de onde partir? Sem
dúvida, das origens das teologias cristãs, que estão presentes no pensamento
dos pais do deserto e na Patrística, e do acesso às línguas originais dessa
produção cristã, ou seja, do grego e do latim. E por que? Porque a Patrística é
a filosofia cristã que
fundamentou as doutrinas da fé cristã. Mas o estudo da Patrística deve nos
remeter também ao pensamento divergente, que apresentou à igreja cristã de
conjunto, desde seus primórdios, hermenêuticas que caminhavam na contramão do
catolicismo romano institucionalizado.
Assim, o estudo de pensadores como Pelágio, da teologia trinitária e da pneumatologia da ortodoxia oriental, e das teologias libertárias de albigenses, valdenses e anabatistas são importantes porque nos apresentam a riqueza do pensamento cristão e nos permitem construir hermenêuticas que respondam às necessidades da contemporaneidade. Essa produção filosófica cristã, institucional e divergente, inclui pensadores como Justino Mártir, passa por Agostinho e Clemente Alexandrino e vai desaguar em Boécio. Sem a compreensão da produção patrística, em toda sua riqueza e diversidade, é difícil compreender as bases dogmáticas da igreja cristã medieval e da Escolástica.
O escolasticismo fez parte da filosofia medieval, e aquele de acento cristão, já que podemos falar de escolasticismo judaico e muçulmano, surgiu como seqüência natural da Patrística em responder às exigências da fé ensinada pela igreja hegemônica. Esse pensamento filosófico cobriu os anos que vão do começo do século nove até o fim do século dezesseis. O nome dessa filosofia cristã deve-se aos ensinos ministrados pelos professores cristãos nas escolas medievais. Estes ensinos faziam parte do trivium, gramática, retórica e dialética, e do quadrivium, aritmética, geometria, astronomia e música. A escolástica, porém, é resultado do aprofundamento do estudo da dialética.
A filosofia até o surgimento da Escolástica estava calcada no estudo dos clássicos gregos, e sofreu influências das culturas judaica e cristã. E, assim, pelo viés das teologias, temas como criação, providência, e revelação tornaram-se presentes nas reflexões filosóficas. A Escolástica foi influenciada também pelo neoplatonismo, que correlacionava elementos da filosofia de Platão com a espiritualidade cristã. E mesmo Tomás de Aquino, que trouxe Aristóteles para o pensamento escolástico cristão, não colocou de lado a filosofia neoplatônica.
Mas, por que, para um protestante, é importante entender o escolasticismo? Porque a questão central que atravessou o pensamento escolástico foi a possibilidade ou não da harmonia entre a fé e a razão. E essa questão foi tema fundamental durante a Modernidade e ainda hoje faz parte de qualquer reflexão teológica séria. O pensamento conservador de Agostinho defendeu uma subordinação da razão em relação à fé, por crer que ela restaurava a condição decaída da razão humana. Já Tomás de Aquino trabalhou com a possibilidade de certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força de sua leitura de Aristóteles, apesar de afirmar, em última instância, a subordinação da razão à fé.
E são os desafios da permanência e possibilidade de uma Dogmática cristã
na contemporaneidade que nos remetem aos estudos das Ciências da Cultura e às
análises de conjuntura dentro das Ciências Sociais. As Ciências da Cultura
estudam as organizações e as formas de expressão das sociedades e, nesse
sentido, são ramos das Ciências
Sociais. Ou seja, podemos dizer que as ciências da Cultura são, principalmente,
a Sociologia, a Antropologia e a História, cuja finalidade comum é estudar a
sociedade através de suas evidências culturais.
Citações
5. Madalena de Oliveira Molochenco, “Planejamento e currículo, uma relação estreita”, São Paulo, Faculdade Teológica Batista de São Paulo, Reunião de Congregação, jul. 2007.
“A educação
moral é impossível sem uma visão de grandeza. Se não somos grandes, pouco
importa o que fazemos e o sentido da grandeza é uma intuição imediata e não a
conclusão de uma argumentação lógica. Por isso precisamos criar um Brasil e não
ensiná-lo”. Décio Pignatari (1)
Tenho
recebido de alunos e professores de Teologia, de diferentes regiões do Brasil,
questionamentos sobre como seminários e faculdades de teologia devem encarar o
desafio de formar profissionais contextualizados à realidade brasileira. Ou seja, como construir
uma teobrás? Diante disso, decidi escrever um artigo, dividido
em duas partes, apresentando algumas ideias sobre a questão.
A
faculdade de teologia que funciona enquanto realidade isolada não entendeu uma
das exigências da alta modernidade: o ensino que não se integra na vida real,
em sentido horizontal e também vertical, não é motivador, abandonou o fator
experiência. Por isso, o estudo da realidade brasileira e a riqueza do multiculturalismo
das brasilidades precisam chegar às salas de aula. Da mesma maneira, não
podemos esquecer a mediação da emoção na produção dessa correlação entre as
teologias e as brasilidades.
Hoje, o desafio da educação teológica nasce da
correlação entre educação clássica e educação profissional. Como bem observou
Gramsci (2), em relação à escola italiana de sua época, podemos dizer que o
Brasil vive a dicotomia entre uma educação clássica, que forma pensadores, e
uma educação profissional, que forma instrumentalizadores. Assim, é normal ver
defensores de educações teológicas com posições diametralmente opostas.
Acreditamos que essa discussão tem solução quando
entendemos que o profissional de teologia deve ser formado para a sociedade e
não somente para a igreja local. É nesse sentido que educação clássica e
educação profissional se combinam e remetem ao desafio de um currículo
teológico unitário. E quando falamos em currículo unitário, falamos da
construção de currículos que valorizam espaços de reflexão, ensino e pesquisa
sobre religião a partir das leituras teológicas cristãs. (3) Nesse sentido, um
currículo unitário para a realidade brasileira vai além do quadrivium reformado: estudos bíblicos, históricos, sistemáticos e
práticos.
Segundo Mendonça (4), tal currículo unitário teria
de atender áreas distintas, mas complementares, como dogmática e pastoral,
tradição cristã geral e ciências de apoio. A primeira atenderia às necessidades
e objetivos profissionalizantes; a segunda ofereceria aos estudantes os elementos
básicos do depositum fidei comum ao
cristianismo; e a última consistiria nas disciplinas da cultura científica
geral, cujo fim principal seria o de proporcionar aos estudantes o contato com
a metodologia científica.
Mas a relação entre currículo e planejamento é
estreita e, por isso, o planejamento, enquanto organização, diálogo crítico e
ética que possibilita a interdisciplinaridade, não pode ser esquecido. E se o
currículo é documento de identidade que define o percurso, está prenhe de uma
dimensão política: influencia, cria padrões, elabora material e direciona
alunos e professores no desenvolvimento das atividades docentes e discentes.
(5) Nesse sentido, a partir de Mendonça, constatamos que se o objetivo é formar
pensadores e profissionais, o currículo deve levar em conta os fenômenos
referentes ao campo religioso e correlacioná-los com as teologias cristãs. Ou
seja, somos desafiados a reconstruir com nossos alunos o processo
histórico que deu origem às teologias protestantes, que desde o início
estiveram ligadas às filosofias e à cultura modernas.
E
somos obrigados, por imposição da contemporaneidade, a refazer anos de
História, quando o pensamento protestante deu continuidade a sua tradição de
origem, tornando o pensamento filosófico alemão hegemônico nas universidades da
Europa protestante, no direcionamento das ciências históricas e da pesquisa
bíblica. Essa reconstrução atravessou o século dezenove até o início do século
vinte, quando as teologias, calcadas no Iluminismo e no humanismo, marcaram o
pensamento europeu da época, embora depois da Primeira Guerra Mundial tenham
descoberto caminhos novos. Assim, as correntes teológicas contemporâneas devem
ser estudadas a partir das raízes filosóficas e culturais da Modernidade, para
então se entrar na leitura dos principais teólogos do século vinte.
Assim, o estudo de pensadores como Pelágio, da teologia trinitária e da pneumatologia da ortodoxia oriental, e das teologias libertárias de albigenses, valdenses e anabatistas são importantes porque nos apresentam a riqueza do pensamento cristão e nos permitem construir hermenêuticas que respondam às necessidades da contemporaneidade. Essa produção filosófica cristã, institucional e divergente, inclui pensadores como Justino Mártir, passa por Agostinho e Clemente Alexandrino e vai desaguar em Boécio. Sem a compreensão da produção patrística, em toda sua riqueza e diversidade, é difícil compreender as bases dogmáticas da igreja cristã medieval e da Escolástica.
O escolasticismo fez parte da filosofia medieval, e aquele de acento cristão, já que podemos falar de escolasticismo judaico e muçulmano, surgiu como seqüência natural da Patrística em responder às exigências da fé ensinada pela igreja hegemônica. Esse pensamento filosófico cobriu os anos que vão do começo do século nove até o fim do século dezesseis. O nome dessa filosofia cristã deve-se aos ensinos ministrados pelos professores cristãos nas escolas medievais. Estes ensinos faziam parte do trivium, gramática, retórica e dialética, e do quadrivium, aritmética, geometria, astronomia e música. A escolástica, porém, é resultado do aprofundamento do estudo da dialética.
A filosofia até o surgimento da Escolástica estava calcada no estudo dos clássicos gregos, e sofreu influências das culturas judaica e cristã. E, assim, pelo viés das teologias, temas como criação, providência, e revelação tornaram-se presentes nas reflexões filosóficas. A Escolástica foi influenciada também pelo neoplatonismo, que correlacionava elementos da filosofia de Platão com a espiritualidade cristã. E mesmo Tomás de Aquino, que trouxe Aristóteles para o pensamento escolástico cristão, não colocou de lado a filosofia neoplatônica.
Mas, por que, para um protestante, é importante entender o escolasticismo? Porque a questão central que atravessou o pensamento escolástico foi a possibilidade ou não da harmonia entre a fé e a razão. E essa questão foi tema fundamental durante a Modernidade e ainda hoje faz parte de qualquer reflexão teológica séria. O pensamento conservador de Agostinho defendeu uma subordinação da razão em relação à fé, por crer que ela restaurava a condição decaída da razão humana. Já Tomás de Aquino trabalhou com a possibilidade de certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força de sua leitura de Aristóteles, apesar de afirmar, em última instância, a subordinação da razão à fé.
Para
a Escolástica, as fontes patrísticas eram fundamentais, pois seus autores
tinham a autoridade de fé e de santidade. Os maiores representantes do
pensamento escolástico, que já citamos, foram Agostinho de Hipona e Tomás de
Aquino. Mas não são as únicas referências importantes do período medieval, já
que podemos também falar de protoescolásticas e escolásticas de contramão apresentadas por pensadores de grande expressão.
O primeiro deles, Ário (260-330), cristão cuja
visão antitrinitária foi duramente combatida e por fim rejeitada pela igreja
institucional. Sabélio, que viveu no século três, e que também apresentou uma
hermenêutica divergente em relação à Trindade. Esses dois pensadores, assim
como outros, foram chamados por Atanásio, pai da Igreja, de assassinos que não
eram os verdadeiros possuidores das Escrituras. E assim as hermenêuticas que
produziram foram anatematizadas. Mas, há um outro escolástico, muçulmano,
chamado Averroés (1126-1198), na época um dos maiores especialistas em
Aristóteles, que a partir da visão da unidade do intelecto humano considerou
desnecessária uma doutrina da imortalidade pessoal. Sua escolástica teve presença
marcante, e Tomás de Aquino se viu obrigado a contestá-lo apologeticamente.
Dessa
forma, sem fazer o caminho da Patrística e da Escolástica e das hermenêuticas
de contramão será difícil entender a Teologia Sistemática, enquanto lastro do depositum
fidei. As
doutrinas oriundas das leituras das Escrituras Sagradas, definidas por
assembleias gerais conciliares e pelo magistério da igreja cristã institucional
são muitas vezes apresentadas como dogmas basilares da fé. Alguns dos temas
tratados pela Dogmática são aqueles referentes à Cristologia e a Eclesiologia,
entre outros.
No que diz respeito à Cristologia, um currículo que
responda às necessidades de uma educação brasileira, deve partir da análise dos
estudos doutrinais cristológicos e soteriológicos, sem esquecer a visão
contemporânea da tensão entre história e dogma, assim como a identidade entre o
Jesus histórico e o Cristo da fé. Mas, além de estudar as etapas vividas pela
história dos dogmas cristológicos, deve fazer a leitura da Cristologia brasileira,
tanto no que se refere às correntes cristãs, como aquela Cristologia não-cristã
presente nos terreiros e comunidades afrobrasileiras e brasilíndias. Já a
Eclesiologia, também estudada na perspectiva exposta, analisará a importância teórica e prática da compreensão da
Igreja, institucional ou não, a partir dos diferentes referenciais culturais e
sociais, e a importância dos mitos e ritos para sua existência.
Citações
1.
Décio Pignatari, Contracomunicação, São Paulo, Editora Perspectiva,
1971, p. 61.
2.
Antonio Gramsci, Os intelectuais e a
organização da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, pp.
118-120.
3.
Antonio Maspoli de Araújo Gomes (org.), Teologia:
Ciência e Profissão, São Paulo, Fonte Editorial, 2007, p. 93.
4. Antônio Gouvêa
Mendonça, “Currículo teológico básico”, in
Márcio Fabri dos Anjos (org.), Teologia:
Profissão, São Paulo, Soter/ Loyola, 1996, p. 145.5. Madalena de Oliveira Molochenco, “Planejamento e currículo, uma relação estreita”, São Paulo, Faculdade Teológica Batista de São Paulo, Reunião de Congregação, jul. 2007.
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