mercredi 28 janvier 2015

Socialismo brasileiro

Questões que o socialismo brasileiro deve levar em conta

Jorge Pinheiro



É possível construir roteiros teóricos que possibilitam abordar a questão socialista a partir de uma leitura teológica. Com a finalidade de orientar nesse sentido apresento pontos que apontam nessa direção:

1. Condições especiais levam a massa proletária e a individualidade pessoal a formarem uma síntese chamada massa orgânica, que corresponde ao ideal da teonomia. Essa massa orgânica nem sempre caminha em direção ao ideal da teonomia, mas quando o tempo histórico orienta nessa direção temos a massa dinâmica. Esta é revolucionária, não só no sentido político do termo, mas em um sentido de fé espiritual e social. É necessário que a massa dinâmica seja revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do estado de massa.

2. O conflito interno do socialismo tem como ponto de partida a própria situação proletária. O conflito da situação proletária vem do fato de que o proletariado tem que se apoiar no princípio burguês e ao mesmo tempo deve se opor a esse princípio. Ou seja, o conflito tem por base o fato de que o proletariado deve ir além, sobrepujar o princípio burguês com os meios deste mesmo princípio. Esta oposição é inevitável, pois a existência proletária é a expressão conseqüente do princípio burguês: a objetivação, a reificação e a ruptura com sua própria origem estão presentes em sua existência. Então, o proletariado não pode reagir ao pensamento burguês com total liberdade e independência. Isto porque não se pode responder à reificação apenas com o ethos, isto é, há necessidade de usar meios políticos. 

3. A situação proletária mostra que a situação da existência humana está em contradição com o destino do ser humano. É por isso que o princípio protestante tem função especial na compreensão da situação humana quando se olha a partir da situação proletária, pois esta se apresenta como cisão demoníaca ou alienação. Estes elementos estão imbricados à situação de classe e à consciência de luta pelo socialismo, mas também têm uma significação universal. Eles não são atributos de uma classe, mas fazem parte do conteúdo humano e estão presentes na história. O proletariado descobriu que esses elementos o ligam aos outros grupos humanos. Nele, os elementos originais do ser humano são realidade presente que o leva à uma luta a favor de si mesmo, a uma recusa do princípio burguês. 

4. Quando analisada a partir do princípio protestante, a situação proletária mostra que a miséria humana toca tanto o corpo como a alma. E o socialismo, por sua parte, lembra ao protestantismo que o dualismo platônico, idealista ou burguês, não tem correspondência nem com a mensagem bíblica, nem com a teologia protestante. Tillich diz que “o protestantismo está livre para o materialismo proletário”. De sua parte, o princípio protestante diz ao socialismo que a miséria humana não é somente uma miséria socioeconômica, mas também humana.

5. A oposição entre o marxismo e a fé crista, não está no método dialético, e nem mesmo no materialismo, mas na leitura dos fatores intra-históricos. Na visão cristã é a combinação dos fatores intra e supra-históricos que define a história. A ausência desse elemento transistórico no marxismo, tende a levar as correntes socialistas a caminharem numa direção contrária a do próprio marxismo. Assim, o fator decisivo não é o contraste intelectual entre cristianismo e marxismo, mas o contraste na prática.

6. A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos e que é por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. E o progresso mitigado é o resultado dessa utopia revolucionária desencantada. A realização da espera socialista não é um conceito meramente empírico. A utopia é impotente para enfrentar os poderes da sociedade, por isso se não se pergunta a respeito da promessa socialista, sua espera deixa de estar orientada em direção à realização. 

7. Há um choque entre a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente e o kairós, que se traduz enquanto espírito profético da responsabilidade inelutável. E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito da profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, que irrompe no instante concreto, no sentido profético, enquanto plenitude do tempo. Kairós não é um momento qualquer, uma parte do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo da destinação. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma decisão inevitável é considerá-lo enquanto espírito da profecia. 

8. Toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro. Tal desafio não pode ser resolvido por um homem ou por uma mulher, por mais que encarnem o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última instância, o movimento da massa dinâmica.

9. A esperança exorta a luta política a caminhar na direção do futuro prometido. A ação humana deve criar novas possibilidades de existência, provocar antecipações significativas do futuro. Na ação animada pela espera, há transformações e superações, mas não se alcança uma existência humana isenta de ameaça. O princípio último da justiça é o reconhecimento concreto da dignidade de todo ser humano como pessoa e, em primeiro lugar, dos injustiçados ou ameaçados pela injustiça.

Assim, a teologia possibilita uma releitura do socialismo e das lutas dos trabalhadores, mas não podemos esquecer a produção latino-americana, construída nas últimas décadas. Esta leitura latino-americana é fundamental e nos possibilita uma crítica e enriquecimento tanto do socialismo e como da teologia.


A lembrar um passado presente

A alegria cristã e a reforma social

A lembrar um passado presente 15/10/2002
Jorge Pinheiro

O rei Josias foi um reformador social e sua reforma teve por base a justiça proposta na lei deuteronômica. O que isso tem a ver com o candidato eleito, Luís Inácio Lula da Silva? O que, nos evangélicos, queremos do futuro governo Lula?


No dia 15 de outubro, o então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, garantiu em João Pessoa que, se eleito, pretendia estabelecer um pacto social para a conquista da cidadania: (1) capaz de gerar empregos; (2) ampliar o acesso dos jovens ao ensino público de qualidade; (3) e elevar o padrão de qualidade de vida da população brasileira.

Falando no parque Sólon de Lucena, em João Pessoa, Lula garantiu que fará uma reforma agrária capaz de estabelecer a paz no campo, sem violência, sem invasões e com diálogo.

Disse ainda: "Vamos colocar empresários e trabalhadores na mesa de negociação" para firmar um pacto social a serviço do desenvolvimento brasileiro.

A Palavra de Deus nos diz: Tenham sempre alegria, unidos com o Senhor! Repito: tenham alegria! [Filipenses 4.4-5]. Este texto, que remete a Sofonias 3.14-18, nos ensina que a alegria cristã não deve ser evasiva, efêmera e superficial. A Palavra de Deus mostra que neste salmo de alegria Sofonias aponta para a salvação e para o retorno dos remanescentes a Israel [3.11-13.19-20] e, por isso, convida todos à alegria [3.14-18].

O convite de Sofonias coincide com a esperança trazida através do rei Josias, que se apresentou como reformador social, e também pelo declínio da Assíria, que afrouxava sua influência opressora.

A lei deuteronômica, encontrada no Templo durante o reinado de Josias, expressa a vida íntima da comunidade, a necessidade de que cada pessoa tenha o mínimo para sobreviver e que ninguém viva numa situação miserável.

Deste modo, a lei deixa de ser uma obrigação imposta e pesada e passa a ser um dom que Deus oferece a todo o povo. Este dom ou aliança se fundamenta no direito de cada pessoa e família a possuírem o necessário a uma vida digna e cidadã. Ou como diz a promessa deuteronômica: O Senhor, nosso Deus, os abençoará ricamente na terra que lhes vai dar. Portanto, não haverá nenhum israelita miserável, se todos derem atenção ao que o Senhor ordena e obedecerem a todos os mandamentos que hoje eu estou dando a vocês. [Deuteronômio 15.4-5].

A aliança, a lei, o dom deve ser interiorizado. A convivência no país que Deus deu ao povo peregrino exige uma mudança de mentalidade que se traduz numa organização social onde o direito divino prevalece sobre todas as instituições. O mais importante deste direito é a justiça entre as pessoas, que deve ser entendida como fundamento da convivência social.

Dez dias depois, das afirmações de Lula na Paraíba, pós-graduandos da Unicamp, em carta de apoio à candidatura de Lula, afirmaram que “a postura ética sempre foi uma importante característica da trajetória de vida de Lula, isso associado à sua maturidade política lhe fornece ainda mais credibilidade para liderar a execução de um projeto nacional que tenha como metas o crescimento econômico e a geração dos empregos de que o país tanto necessita. Consideramos, ainda, que com esse perfil de exímio aglutinador e integrador de forças, Lula criará as condições necessárias para o estabelecimento do diálogo com amplas camadas da sociedade, dentre as quais os empresários, os trabalhadores e os movimentos sociais, viabilizando a construção de um pacto social em torno de um novo modelo de desenvolvimento que possibilitará a inclusão sócio-econômica de cerca de 40 milhões de brasileiros”.

A isso nós chamamos reforma social. Não queremos que Lula seja um reformador religioso, esse papel cabe a nós, à igreja brasileira, mas que – como disseram os pós-graduandos da Unicamp -- estabeleça o diálogo com amplas camadas da sociedade, com os empresários, os trabalhadores e os movimentos sociais, viabilizando a construção de uma aliança social em torno de um novo modelo de desenvolvimento que possibilite a inclusão sócio-econômica de milhões de brasileiros.

Essa deve ser a oração dos evangélicos brasileiros. Para que possamos verdadeiramente nos alegrar com as maravilhas que o Deus Eterno pode fazer nesta terra brasileira.




mardi 27 janvier 2015

Jerry Lee Lewis

http://youtu.be/Fa5kKnRwgcc


Amar e ser amado

Diferentes interpretações de um mesmo tema
Jorge Pinheiro

Ai flores, ai, flores do verde pio,
se sabedes novas do meu amigo?
ai, Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
ai, Deus, e u é?
[Julião Bolseiro, Cantiga de amigo, do cancioneiro de Dom Diniz].

O Cântico dos Cânticos é o único livro da Bíblia que tem o amor como seu tema exclusivo. Seu título poderia ser traduzido como A mais bela das canções, o que faz juz a esta que é uma das mais bem escritas estórias de amor de toda a literatura universal. Ao traduzir a rica imaginação oriental, o texto fala de amada e amante, interligando os quadros com coros e falas de grupos de personagens, como as filhas de Jerusalém e os guardas.

O texto tem forte conteúdo erótico, parte da realidade vivida por uma jovem camponesa, mostrando que estamos diante de um exemplar da dramaturgia do período áureo da literatura poética hebraica. Várias interpretações têm sido apresentadas para O Cântico dos Cânticos.

Aqui, faremos a leitura do Cântico dos Cânticos partindo de um conselho do intelectual inglês Daniel de Morley em suas memórias de viagens, no século 12, conforme citado por Jacques Le Goff (Os intelectuais na idade média, Lisboa, Editorial Estúdios Cor, 1973, pp. 25-26).

Morley conta que seguiu “as Artes, que esclarecem as Escrituras, em vez de as saudar à passagem ou de as evitar, fazendo resumos. Então, como nos dias de hoje é em Toledo que o ensino dos Árabes, que consiste, quase exclusivamente nas artes do quadrivium, é dispensado às multidões, apressei-me a partir, para aí ouvir as lições dos mais sábios filósofos do mundo. Tendo alguns amigos pedido para eu voltar e tendo sido convidado a deixar a Espanha, vim para Inglaterra com uma preciosa quantidade de livros”.

“Que ninguém se indigne se, tratando da criação do mundo, eu invoco o testemunho não dos Padres da Igreja, mas de filósofos pagãos, porque, ainda que estes não figurem entre os fiéis, algumas das suas palavras, desde que sejam cheias de fé, devem ser incorporadas no nosso ensino. Nós que também fomos misticamente libertados do Egito, o Senhor ordenou-nos que despojássemos os Egípcios dos seus tesouros, enriquecendo com eles os Hebreus. Despojemos, pois, conforme o desejo do Senhor, e com a sua ajuda, os filósofos da sua sabedoria e da sua eloqüência, despojemos esses infiéis de modo a enriquecermo-nos com os seus despojos na fidelidade”.

As cantigas de amigo


Assim, queremos aprender com as cantigas de amigo, do medieval ibérico, por terem semelhanças que podem nos ajudar a entender a poesia de Cantares. As cantigas de amigo eram de autoria masculina, assim como Cantares e, também, apresentavam um eu lírico feminino.

Para entender esta questão do eu lírico feminino, é bom ler Magadelene Luise Frettloeh, O amor é forte como a morte: uma leitura de Cânticos dos Cânticos com olhos de mulher (in: Fragmentos de Cultura, Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, IFITEG, Goiânia/GO, Brasil, 2002, vol.12, no. 4, pp .633-642).

Ela explica que é necessário ler Cântico dos Cânticos em perspectiva de gênero, pois neste livro canta-se o amor espontâneo entre uma mulher e um homem, um amor que é forte como a morte. E que nos poemas do início e do final do livro há um protagonismo feminino: “no decorrer da história da interpretação tentou-se soterrar essa herança; hoje importa redescobri-la".

Assim, encontramos tanto no Cântico dos Cânticos como nas Cantigas de Amigo a questão do amante ausente: a amada estava a espera dele ou tinha sido abandonada. Ambas poéticas traduzem a força do Eros humano. Outra característica marcada das cantigas de amigo era o fato de estar dirigida às amigas, a mãe ou irmãs, ou as forças da natureza e, em alguns casos, a Deus. A ambientação, rural ou urbana, estava sempre distante do castelo do senhor feudal.

Um dos maiores cancioneiros do medieval ibérico foi Julião Bolseiro e um de seus poemas, que intercala este artigo, expressa esse eu lírico feminino, que se lamenta porque o amante desapareceu e ela não sabe onde se encontra.

O amor entre os dois, diferentemente do amor cortês, vigiado, expressa a força do natural e espontâneo no amor humano, pois a cantiga parece insinuar que houve um relacionamento físico entre os amantes.

Nesta cantiga de amigo, a ambientação é rural, e não somente distante do castelo do senhor feudal, mas com presença marcante da natureza.

Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi á jurado?
ai, Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss' amigo?
E eu ben vos digo que é são e vivo:
ai, Deus, e u é?

Salomão, o herói


Uma interpretação, quase unânime entre antigos rabinos e os pais da Igreja, considera o rei Salomão o herói da estória. Dentro desta perspectiva, o roteiro seria mais ou menos assim: o rei possuía um vinhedo na região de Efraim, 80 quilômetros ao norte de Jerusalém (8:11). Essas terras estavam arrendadas (8:11) a uma viúva e seus quatro filhos (dois rapazes e duas moças -- cf. 6:13, 1:5 e 6). A Sulamita, a mais bonita das filhas, era responsável pela casa e também cuidava dos rebanhos (1:8).

Certo dia, o rei, disfarçado para não ser reconhecido, visitou o vinhedo e ficou impressionado com a beleza da moça. Ela tomou Salomão por um pastor de ovelhas e este lhe dirigiu palavras de amor, prometendo voltar no futuro e lhe trazer presentes (1:8-11). À noite, a moça sonhava com a volta do amado, chegando mesmo, em determinado momento a pensar que ele estava chegando (3:1). Mais tarde, ele volta. Mas, agora, não como camponês e sim como rei de Israel (3:6 e 7). Segue-se, então, o casamento e seus desdobramentos.

Partindo desse roteiro temos cinco poemas:
Título e prólogo - Cap. 1:1 a 1:4
1. O desejo e a satisfação da jovem camponesa - Caps. 1:5 a 2:7
2. A visita do amado e o sonho da moça - Caps. 2:8 a 3:5
3. A festa de casamento e as canções do rei - Caps. 3:6 a 5:1
4. A tardia recepção da amada e sua busca prolongada - Caps. 5:2 a 6:3
5. Sulamita e seu amado conversam - Caps. 6:4 a 8:4.
Epílogo e últimas adições - Cap. 8:5 a 8:14.

Para o teólogo chileno Samuel Fernández Eysaguirre. A manifestis, ad occulta, Las realidades visibles como único camino hacia las invisibles en el comentario al Cantar de los Cantares de Orígenes (in: Anales de la Facultad de Teología. Universidad Católica - Campus Oriente, Santiago, Chile, 2000, vol. 51, no. 2, pp.135-159) a leitura literalista levou os teólogos da Igreja antiga a um beco sem saída:

"Una lectura meramente literal del Cantar de los Cantares presentaba graves dificultades a la sensibilidad religiosa de la antigüedad. El libro exalta, al menos en su sentido inmediato, el amor humano y abunda, como pocos textos bíblicos, en descripciones de los miembros del cuerpo. Y por otra parte, el Cantar no menciona explícitamente a Dios. El sentido literal del texto no parecía edificar moralmente a sus lectores. Era posible preguntarse ¿qué hace en las Escrituras un libro que no habla de Dios? Las serias dificultades que presentaba su lectura literal, sumadas al carácter poético del Cantar, favorecían fuertemente una interpretación de tipo simbólica, interpretación que se impuso tanto en el ámbito judío como cristiano. Las dificultades recién descritas llevaron a algunos rabinos a dudar de la canonicidad del Cantar...".

Vós me preguntades polo voss' amado?
E eu ben vos digo que é viv' e são:
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é são e vivo
e seerá vosc' ant' o prazo saido:
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv' e são
e s[e]erá vosc' ant' o prazo passado:
ai, Deus, e u é?

Salomão, o vilão


Outra interpretação, formulada pelo teólogo Heinrich Ewald, no século 19, vê no amante um pastor de quem a jovem estava noiva, antes de ser capturada e levada para o harém de Salomão, por um de seus servos. Depois de ter resistido com sucesso a todas as tentativas do rei para conquistar sua afeição, ela é libertada e se reúne a seu amado, com quem aparece na cena final.

A jovem relembra o amado (1:2 e 3). Pede que ele a leve de volta logo, pois o rei a introduziu nas seduções da corte (1:4). Suas recordações do amado a perturbam (1:7). O rei tenta seduzi-la com jóias (1:11) e perfumes (1:12), mas ela prefere o cheiro do campo que lembra o corpo do amado (1:13 e 14). A moça se recorda de uma visita feita por ele e de um sonho que se seguiu (2:8 - 3:5). Depois disso, ela é novamente visitada e louvada por Salomão (3:6 - 4:7). Diante da persistente ofensiva do rei, antecipa seu casamento com o jovem camponês (4:8 - 5:1). Sua vida e seus sonhos estão impregnados com as lembranças do amado (5:2 - 6:3). Salomão mais uma vez tenta conquistar Sulamita (6:4 - 7:9). Ela, no entanto, mantém sua fidelidade ao pastor e resiste às tentativas do rei (7:10 - 8:3). Diante disso, Salomão a liberta, verificando que é impossível conquistar a moça.

Dentro desta perspectiva, é interessante ler Cântico dos Cânticos, O fogo e a ternura de Ney Brasil Pereira e Pablo Andiñach, (Col. Comentário Bíblico, Petrópolis/São Leopoldo, Editora Vozes/Editora Sinodal, 1998, 128p., in: Estudos Bíblicos. Editora Vozes, Petrópolis/RJ, Brasil, 2000. no. 65, p9.81-84).

Para os dois teólogos, os poemas do Cântico foram redigidos, em sua redação final, por uma mulher. Seria, portanto, o único livro bíblico de uma autora. Isso dá ao comentário um cunho especial, uma vez que se assume que ela, a autora, tenha deixado nos poemas sua marca feminina e seu modo peculiar de viver a sexualidade e a vida. Ao mesmo tempo, a autora teria feito uma crítica sutil, mas firme, ao modelo salomônico de sexualidade, marcado pela frivolidade e a poligamia.

A partir dessa interpretação temos outro roteiro:
1. No palácio, a moça relembra o amado e é assediada por Salomão - Caps. 1:1 a 2:7
2. Lembra-se de uma visita do jovem e de um sonho - Caps. 2:8 a 3:5
3. Sulamita mais uma vez é visitada e elogiada por Salomão - Caps. 3:6 a 4:7
4. Resiste às investidas do rei e antecipa seu casamento - Caps. 4:8 a 5:1
5. A moça relata outro sonho e descreve seu amado - Caps. 5:2 a 6:3
6. Salomão mais uma vez tenta conquistar Sulamita - Caps. 6:4 a 7:9
7. Saudosa e fiel, a moça anseia a companhia do amado - Caps. 7:10 a 8:3
8. Enfim, recebe alforria, e retorna para casa com seu esposo - Cap. 8:4 a 8:14.

O amor é mais forte

Em meio às várias interpretações, é bom relembrar, como diz Isidoro Mazzarolo, Cântico dos Cânticos - Uma leitura política do amor (1a. ed., Mazzarolo Editor, Rio de Janeiro/RJ, Brasil, 2002. 249 p.), que "o livro dos Cânticos está entre as grandes obras da sabedoria bíblica ao propor uma visão do ser humano, homem e mulher, como duas criaturas colocadas no universo e dotadas de liberdade e dignidade".

Assim, a mensagem de amor permanece. E talvez possamos dizer, como nos lembram as Cantigas de Amigo, que esta é a grande mensagem do livro.




samedi 24 janvier 2015

Política i religió

Yoffe ShemTov

És Doctor postgrau en Ciències de la religió de la Universidade Metodista de São Paulo (2011) i la Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doctor en Ciències de la religió de la Universidade Metodista de São Paulo (2006), Màster en Ciències de la religió de la Universidade Metodista de São Paulo (2001) i llicenciat en teologia per la Baptista teològica College a São Paulo (2001). Professor a temps complet a São Paulo Bautista col legi teològica i periodista professional. Actes a l'àrea de Ciències de la religió, especialitzada en la relació entre política i religió; filosofia, teologia i cristianisme.


lundi 19 janvier 2015

O menino e o rifle

Fomos chamados à liberdade. O que significa isso? Bem, talvez falar de corvos, gaviões e passarinhos ajude...

O menino e o rifle
Jorge Pinheiro

Em 1965, Pier Paolo Pasolini, um dos gênios do cinema italiano, filmou Gaviões e passarinhos, história que vi como metáfora sobre liberdade e consciência política. Numa estrada vazia, um senhor (Totó) e seu filho (Ninetto Davoli) encontram um corvo que fala. O corvo os transforma em dois monges franciscanos e eles são obrigados a pregar para gaviões e passarinhos. O próprio Pasolini diria:

“Nunca criei um filme tão desarmado, frágil e delicado como esse. Ele não se parece com meus filmes anteriores e não se parece com nenhum outro filme... Seu surrealismo tem pouco a ver com o surrealismo histórico, mas fundamentalmente com o surrealismo das fábulas”.

O filme é uma parábola sobre a crise do socialismo, representada pelo corvo, na Itália dos anos 50. “Totó e Ninetto representam os italianos inocentes, que não se envolvem na história, que conquistam a primeira noção de consciência ao encontrar o marxismo no semblante do corvo”, afirmou Pasolini.

Ter vivido parte da infância em fazenda, no sul de Minas, foi um privilégio que marcou minha vida, não somente fornecendo memórias para a velhice, mas plasmando conteúdo que amo e defendo: a liberdade.

Talvez seja essa compreensão telúrica da liberdade, que fez de mim, já na alta maturidade, batista, e me permitiu construir uma ponte entre o pensamento liberal inglês e o socialismo religioso de Paul Tillich.

Voltemos à minha infância. Meu tio Ary tinha uma Winchester 44 na casa da fazenda. E eu olhava para aquela arma com respeito e paixão. Eu e milhares de pessoas mundo afora.

Os rifles Winchester 44, conhecidos como papo amarelo, foram populares no interior do Brasil e nos Estados Unidos: símbolo de uma época, como a pistola Colt e os cavalos quarto de milha.

Conta-se que Lampião, quando começou sua vida guerrilheira, usava uma Winchester 44, que os sertanejos chamavam de cruzeta. Segundo o historiador  Frederico Pernambucano de Mello:

Lampião tinha uma paixão pelo rifle cruzeta, não somente por ser arma de estréia, mas também por ter permitido criar um processo de aceleração de tiros. Ele conseguiu transformar a arma em um modelo automático. A transformação permitia que o rifle, quando usado, produzisse um clarão que, segundo os sertanejos, alumiava como um lampião.

A Winchester era mágica e eu amava ver meu tio usando-a contra alvos imóveis: latas velhas e garrafas. Mas, certa tarde, um gavião começou a piar e a fazer círculos no céu. O gavião, accipiter nisus, é uma ave de rapina pequena, de cauda comprida e vôo certeiro. Pia forte, assustando suas presas, geralmente pequenos pássaros e pintos soltos na pastagem.

E era isso mesmo que aquele gavião estava planejando: atacar os pintinhos que, juntos com a galinha, corriam de um lado para o outro, em pânico.

Meu tio pegou a Winchester, que reinava numa das paredes da sala, e me chamou. Fomos para a varanda e ele começou a seguir os círculos do gavião. Esperou. Quando o gavião mergulhou em direção aos pintos ele atirou.

E eu vi o gavião explodir em penas.

Onde nos leva a liberdade quando não temos consciência do que ela significa? A vida em liberdade significa a aceitação da exigência incondicional de realizar a verdade e fazer o bem.

Ao reconhecer a existência de uma situação-limite, de ameaça à vida e à existência, devemos entender que:

(1) não podemos virar as costas ao mundo; (2) aquilo que é eterno deve ser expresso em relação à situação presente; (3) a realidade da graça deve ser expressa com ousadia e risco; (4) e o poder transformador do Evangelho deve expressar uma fé não superficial, que vai à raiz.

Por isso, como na parábola de Pasolini, somos chamados a pregar para gaviões e passarinhos. Somos livres em Cristo: chamados a viver o desafio incondicional de realizar a verdade e fazer o bem.