vendredi 17 janvier 2025
Para compreender o neocalvinismo de Kuyper
O neocalvinismo de Kuyper
Jorge Pinheiro, PhD
Abraham Kuyper (1837-1920), segundo Philippe Gonzalez, foi um teólogo reformado que procurou realçar a relevância do pensamento calvinista para a vida contemporânea, tanto a nível individual como coletivo. A posteridade o vê como um dos principais iniciadores da tendência teológica conhecida como neo-calvinismo. A visão de Kuyper é fiel à de Calvino no seu desejo de enfatizar a importância da glória de Deus, um tema recorrente no pensamento calvinista.
"Deus criou o cosmos geocentricamente, ou seja, colocou o centro espiritual desse cosmos no nosso planeta, e fez com que todas as divisões dos reinos da natureza nesta terra culminassem no homem. Deus chamou este homem, como portador da sua imagem, para consagrar o cosmos à sua glória. Portanto, na criação de Deus, o homem ocupa os cargos de profeta, sacerdote e rei; e apesar do fato de o pecado ter vindo perturbar estes planos elevados, Deus leva-os por diante”.
No pensamento calvinista, a glória de Deus está ligada ao reinado de Deus sobre o universo. Para o cristão, então, trata-se de glorificar o soberano divino, confessando esta verdade, tanto em pensamento como em ação, em todas as dimensões da vida. Mas a sua soberania não se limita ao íntimo do crente, à sua espiritualidade individual. Esta soberania é cósmica: estende-se a todas as esferas da existência.
Neste correr do século 21, o protestantismo tem vivido transformações significativas. Na Europa secular, as igrejas que emergiram da Reforma Magisterial viram suas fileiras e sua influência diminuir. Já as correntes que reivindicam a herança da Reforma Radical, e sua concepção de igreja livre, gozam de uma relativa estabilidade. Esta transformação tem repercussões na relação entre os diferentes protestantismos e a sociedade.
Só que o chamado declínio do protestantismo institucional pode ser visto como o sucesso de ideias que defendia, a começar pela liberdade individual e pela separação entre religião e política. Este sucesso deve-se à extensão destas ideias a toda a sociedade, contribuindo para a sua secularização. Essas mesmas idéias infundiram no evangelicalismo, outra vertente do protestantismo, uma concepção fortemente individualista da salvação. O individualismo parece assim ser uma componente central do protestantismo. Hoje, a ênfase na figura do indivíduo tende a eliminar qualquer forma colectiva de relação com a fé, a começar pela comunidade eclesial.
Questionar o bem comum, os desafios sociais, enquanto questões que fazem parte dos desígnios de Deus, leva a igreja a enfrentar temas novos. Entram em jogo, então, a família, a sociedade e o Estado. Ou seja, está levantada a questão da relação que os cristãos e a comunidade de fé deve estabelecer com estes grupos. E como o questionamento diz respeito às entidades que estruturam as relações sociais, temos então o desafio político.
Por razões históricas evidentes, na Europa, nos territórios onde eram majoritárias, as igrejas saídas da Reforma Magisterial mantiveram laços privilegiados com o Estado. Inversamente, as igrejas livres mantiveram uma espécie de distância das autoridades políticas.
No entanto, se o modelo de cristianismo deixou de ser estruturante para as igrejas oficiais e deu lugar a uma concepção do pluralismo religioso inerente às sociedades modernas, é entre as correntes próximas do evangelicalismo que se assiste à emergência de reivindicações preocupadas em preservar o carácter cristão das nações ocidentais.
Estas reivindicações apontam para uma transformação importante no seio do protestantismo evangélico. Elementos centrais relacionados com a salvação, o significado da história e a relação com o mundo estão a ser redefinidos. Esta redefinição é conseguida através do papel que as comunidades de fé desempenham no plano de Deus para o mundo. Assim, tornar a nação uma categoria teologicamente relevante implica transformações essenciais. E a relação com o mundo proposta por este novo discurso prevê o acesso dos cristãos regenerados a lugares de decisão nos vários sectores da sociedade, a começar pela política e pela economia, de modo a imprimir uma visão cristã à convivência.
Quando se trata de fazer essa conversão do quadro de pensamento evangélico habitual, os defensores destes novos desenvolvimentos retiram uma parte considerável dos seus argumentos do contexto da teologia política neo-reformada.
Ao contrário da teologia anabatista, o pensamento neo-reformado considera sistematicamente o envolvimento na sociedade em situações de antagonismo entre os apoiadores do protestantismo e os adeptos de outras visões do mundo. Aproveita o papel favorável atribuído ao magistrado no pensamento calvinista e permite assim encarar o exercício do poder por um cristão como um bem para a sociedade, desde que este se deixe guiar por princípios extraídos das Escrituras. Em comparação, uma concepção anabatista não parece adequada para pensar este tipo de situação.
A posição kuyperiana apresenta aspectos problemáticos. A leitura neo-reformada da fé cristã e da sua relação com a sociedade é incapaz de pensar o pluralismo fora da visão de confronto e visa o estabelecimento de uma nação cristã. Simultaneamente, esta teologia é deficiente na forma como revela a presença do Cristo no mundo, ou seja, o milagre da encarnação.
Kuyper fundou, em 1880, uma instituição dedicada à cosmovisão calvinista: a Universidade Livre de Amsterdam. Foi um dos responsáveis pelo movimento de reforma que as igrejas reformadas holandesas viveram e que deu origem, em 1886, ao nascimento de uma denominação que pretendia fazer um regresso às fontes do calvinismo, e que se chamou "Gereformeerde Kerk" [Igreja Reformada]. E tornou-se um político: foi um dos fundadores do Partido Anti-Revolucionário (1878). Anos mais tarde, Kuyper tornou-se primeiro-ministro dos Países Baixos de 1901 a 1905.
Em um de seus livros mais famosos, Lectures on Calvinism, proferidas em Princeton em 1898, ele definiu o calvinismo e explicou porque o considerou um sistema de pensamento que constitui uma alternativa à modernidade. Já que, com a Revolução Francesa, ocorrida em 1789, segundo ele, a ordem social deixou de basear-se na revelação divina, mas optou pela vontade humana.
Kuyper propôs a distinção entre os diferentes usos do termo calvinismo. Alguns por serem depreciativos, pois pode ser usado para se referir a uma minoria religiosa sectária. Outros, dizem que o calvinismo traduz a estreiteza da doutrina da predestinação. Ele condenou também a visão batista, que se considera ligada ao tronco calvinista. Kuyper rejeitou estes usos do termo, por serem sectários, confessionais ou denominacionais. E propôs uma leitura que chamou de científica.
Segundo Kuyper, o aspecto científico do calvinismo emerge de três aspectos. O primeiro é histórico: o calvinismo passou por um desenvolvimento particular dentro do protestantismo, um desenvolvimento que lhe permitiu evitar as armadilhas nas quais tanto os luteranos quanto os anabatistas foram presos. O segundo aspecto é filosófico: o sistema desenvolvido por Calvino é global e, portanto, capaz de ser estendido a todas as esferas que compõem a existência. A terceira razão é política. Pois, para ele, o calvinismo garantiu a liberdade às nações que escolheram fazer dele sua base constitucional. Haveria uma afinidade entre o calvinismo e a opção pelo governo democrática. E o teólogo cita como exemplos a Holanda, a Inglaterra e os EUA, além da Suíça.
Quando Kuyper se refere ao caráter científico do calvinismo, ele está se referindo a uma visão de mundo coerente. Assim, o calvinismo constituiria uma forma de consciência religiosa com teologia própria, com uma ordem eclesial particular, e que daria origem a formas de vida política ou social particulares. Isto implicaria uma relação específica entre este tipo de cristianismo e o mundo, entre a igreja e o Estado, entre a ciência e a arte.
Na concepção kuyperiana, o calvinismo constitui um sistema global comparável aos experimentados pela humanidade ao longo da sua história. É por isso que o teólogo se propõe a comparar 0 calvinismo com outras cosmovisões como o paganismo, o islamismo, o catolicismo e o modernismo. E, como seria de esperar, o objetivo de Kuyper será demonstrar a superioridade do calvinismo sobre todas as outras cosmovisões e, sobretudo, a sua capacidade de encarnar as exigências do cristianismo, em oposição ao catolicismo, à ortodoxia e ao luteranismo.
Uma pequena bibliografia
Blaser, K., & Geense, A. (2006 [1995]). 'KUYPER, Abraham (1837-1920)', pp. 734a-734b in P. Gisel (ed), Encyclopédie du protestantisme. Paris: PUF.
Kayayan, É., & Kayayan, A. R. (1995). Le chrétien dans la cité. Lausanne: L'Âge d'Homme. Kuyper, A. (1899). Calvinism : six Stone-lectures. Edinburgh/New York: T & T Clark/Fleming H. Revell Company.
Reimer, A. J. (2003). 'Public Orthodoxy and Civic Forbearance : The Challenges of Modern Law for Religious Minority Groups', Conrad Grebel Review, 21(3), 96-111.————. (2009). 'An Anabaptist-Mennonite Political Theology: Theological Presuppositions', Direction, 38(1), 29-44.
Wagner, C. P. (2008). Dominion! How Kingdom Action Can Change the World. Grand Rapids: Chosen.
L'Église évangélique baptiste de Montpellier et trois pasteurs
L'Église évangélique baptiste de Montpellier et trois pasteurs
L'Église évangélique baptiste de Montpellier a une histoire qui s'inscrit dans le contexte plus large du mouvement baptiste en France, mais elle a également ses spécificités locales. Voici un résumé de son histoire :
Origines du mouvement baptiste en France :
Le mouvement baptiste a pris racine en France au début du 19ème siècle, avec des influences venant principalement des missionnaires anglais et américains. Les premiers baptistes français étaient souvent des individus convertis à l'étranger ou influencés par des missionnaires protestants.
Fondation de l'Église à Montpellier :
L'Église évangélique baptiste de Montpellier a été fondée dans la première moitié du 20ème siècle, bien que la date exacte puisse varier selon les sources. Elle fait partie du développement du mouvement baptiste dans le sud de la France, une région historiquement marquée par une forte présence protestante.
Développement et Activités :
Comme beaucoup d'églises baptistes, celle de Montpellier a mis l'accent sur l'évangélisation, l'étude de la Bible, et la vie communautaire. Au fil des décennies, elle a vu croître son influence dans la région, accueillant des membres de diverses origines, souvent des étudiants et des familles attirés par un culte vivant et des enseignements centrés sur les Écritures.
L'église a souvent été active dans des œuvres sociales, l'accueil des nouveaux arrivants, et l'organisation d'événements comme des conférences, des concerts, et des activités pour les jeunes.
Évolution récente :
Aujourd'hui, l'Église évangélique baptiste de Montpellier continue d'être un lieu important de culte et de communauté pour les baptistes de la région. Elle est impliquée dans des réseaux plus larges de collaboration avec d'autres églises évangéliques en France, et participe à des initiatives locales et nationales.
L'Église dans le contexte actuel :
L'église reflète une diversité croissante au sein de la communauté chrétienne évangélique, avec des membres venant de différentes cultures et arrière-plans. Cela se manifeste dans une vie communautaire riche et variée, avec des cultes souvent multiculturels.
L'Église évangélique baptiste de Montpellier est donc un exemple de l'implantation et du développement du protestantisme évangélique en France, avec une histoire qui mêle héritage local et influences internationales.
André Lovérini
André Lovérini est un pasteur et une figure influente au sein du protestantisme évangélique en France, en particulier dans le mouvement baptiste. Il a exercé son ministère dans plusieurs églises en France, y compris l'Église évangélique baptiste de Montpellier, où il a servi comme pasteur.
Lovérini est connu pour son engagement dans l'enseignement biblique, l'évangélisation, et le développement des églises. Il a aussi contribué à la formation des futurs pasteurs et leaders au sein de la communauté évangélique. En plus de son travail pastoral, il a été impliqué dans des projets missionnaires et dans le soutien de l'œuvre chrétienne en France et à l'étranger.
En tant que pasteur, il a probablement eu un impact significatif sur la croissance et la vitalité spirituelle de l'Église évangélique baptiste de Montpellier, en encourageant la participation active des membres de l'église dans la vie communautaire et l'évangélisation.
Didier Roca
Didier Roca est un pasteur évangélique français, associé au mouvement baptiste. Il a notamment été impliqué dans le ministère pastoral de l'Église évangélique baptiste de Montpellier. Comme beaucoup de pasteurs évangéliques, il est engagé dans l'enseignement biblique, le soin pastoral, et l'accompagnement spirituel des membres de son église.
Didier Roca est également connu pour son implication dans le développement de la vie communautaire de l'église, ainsi que dans la formation des croyants et des leaders au sein de la communauté évangélique. Son rôle est de guider l'église dans sa mission spirituelle et d'aider les membres à grandir dans leur foi et leur engagement chrétien.
L'influence de Didier Roca s'étend probablement au-delà de Montpellier, avec une participation active dans des réseaux évangéliques plus larges en France.
Alexandre Miglioranza
Alexandre Miglioranza est un pasteur évangélique, d'origine brésilienne, qui a exercé son ministère en France. Il est notamment connu pour son rôle en tant que pasteur de l'Église évangélique baptiste de Montpellier. Miglioranza est reconnu pour son engagement dans l'enseignement biblique, le leadership spirituel, et l'évangélisation.
Avant de servir à Montpellier, Alexandre Miglioranza a pu avoir d'autres expériences pastorales, peut-être au Brésil ou dans d'autres contextes francophones, où il a contribué à la formation de disciples et à la croissance des communautés chrétiennes. Sa prédication et son ministère sont souvent centrés sur la solidité doctrinale, l'encouragement de la vie de prière, et le service communautaire.
En tant que pasteur, il joue un rôle clé dans la direction de l'église, la gestion des activités spirituelles, et l'accompagnement des membres dans leur parcours de foi. Son influence est particulièrement marquée parmi les francophones, et il contribue à l'édification de l'église locale à travers une approche à la fois pastorale et missionnaire.
jeudi 16 janvier 2025
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O espectro do vermelho, resenha
O Espectro do Vermelho é uma obra que explora a relação entre o cristianismo social e a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, analisando como elementos religiosos influenciaram a construção do pensamento socialista no partido.
O livro, escrito por Jorge Pinheiro, combina rigor teórico, reflexão histórica e testemunho pessoal, oferecendo uma leitura teológica do socialismo no PT a partir das contribuições de Paul Tillich e Enrique Dussel.
Contexto e Objetivo
O livro parte da hipótese central de que o cristianismo foi um componente fundamental na formação do pensamento socialista do PT. Pinheiro busca demonstrar como a presença cristã, especialmente através da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, moldou a ideologia e a prática política do partido.
A obra também questiona o tipo de socialismo que o PT representa, destacando sua ruptura com os modelos clássicos de partidos operários e sua singularidade como um movimento que integrou diversas correntes ideológicas e religiosas.
Estrutura e Conteúdo
1. Introdução e Contexto Histórico
O livro começa com uma análise das tentativas de construção de partidos operários no Brasil, desde a Primeira República até a fundação do PT em 1979. Pinheiro destaca o fracasso de experiências anteriores, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), e como o PT emergiu como uma nova força política, agregando sindicalistas, intelectuais e militantes cristãos.
2. A Influência do Cristianismo Social
Pinheiro explora o papel do cristianismo social, tanto católico quanto protestante, na formação do PT. Ele analisa como a encíclica Rerum Novarum (1891) e o Concílio Vaticano II (1961) influenciaram a "opção preferencial pelos pobres", base teórica da Teologia da Libertação.
Essa visão cristã de justiça social foi crucial para a atuação de grupos como as Comunidades Eclesiais de Base e a Juventude Operária Católica, que se opuseram à ditadura militar e contribuíram para a formação do PT.
3. A Pluralidade Ideológica do PT
O autor descreve como o PT surgiu como um amálgama de tendências socialistas, incluindo trotskistas e cristãos sociais. Essa pluralidade permitiu ao partido construir uma identidade peculiar, distanciando-se dos socialismos e abraçando a democracia como valor central.
Mas, ao longo dos anos, o PT expurgou suas correntes mais à esquerda, abandonando sua proposta socialista, tornando-se assim um partido de corte social-democrático.
4. A Teologia Política de Paul Tillich e Enrique Dussel
Pinheiro utiliza as teorias de Paul Tillich e Enrique Dussel para analisar o socialismo no PT. Tillich oferece uma leitura antropológica e ética do socialismo, destacando a importância da justiça como exigência incondicional. Dussel, por sua vez, contribui com uma perspectiva latino-americana, enfatizando a luta contra a exploração e a dominação.
Essas abordagens ajudam a entender como o cristianismo e o socialismo se entrelaçaram no PT, criando no Brasil um modelo inédito de pensamento político.
5. Conclusões e Reflexões Finais
Pinheiro descreve, assim, como o Partido dos Trabalhadores representou um socialismo influenciado pelo cristianismo social. Mas afirma que um partido de trabalhadores deve manter uma conexão com suas raízes utópicas e comunitárias, destacando a importância da fé e da luta política na construção de um futuro mais justo.
Contribuições e Relevância
O Espectro do Vermelho é uma obra fundamental para entender a história do PT e a relação entre religião e política no Brasil. Ao integrar análise histórica, teórica e teológica, Pinheiro oferece uma visão abrangente e original do socialismo brasileiro, destacando a importância do diálogo interdisciplinar para a compreensão da política e da sociedade.
Para leitores interessados em política, religião e história do Brasil, este livro é uma leitura essencial, que combina profundidade acadêmica com uma narrativa envolvente e acessível.
Um leitor atento.
Os batistas para principiantes
Nos séculos dezesseis e dezessete, em várias regiões da Europa, pequenos grupos de cristãos evangélicos se reuniam de forma clandestina, fugindo da perseguição dos poderes ligados à igreja de Roma. Todos eles sabiam que faziam parte da igreja de Cristo, que tinha surgido lá atrás, na sequência da pregação do profeta João, o batista, que pregava à beira do rio Jordão. Esses nossos irmãos e irmãs conheciam histórias de comunidades de fé que tinham vindo antes deles e que, no correr dos séculos, milhares de discípulos do Evangelho de Cristo tinham sido perseguidos, presos, torturados e mortos. E, por isso, não puderam estabelecer com visibilidade suas comunidades. Todos, desde o profeta João, o batista, até aquele momento de terrível perseguição na Idade Média tinham consciência de que eram peregrinos e tinham sido chamados para serem testemunhas vivas do Evangelho do Senhor Jesus Cristo.
Esta compreensão de nossas origens, por ter João, o batista, como referência da pregação profética, o rio Jordão como referência geográfica e Jerusalém como sede da primeira comunidade de fé, passou a ser conhecida como teoria Jerusalém, João, Jordão.
Mas no correr do século 16, na Alemanha, e depois em vários países da Europa, um grupo de cristãos, que se caracterizava por sua fidelidade às Escrituras Sagradas e que só aceitava em suas comunidades pessoas convertidas pelo Espírito Santo de Deus e eram por eles batizadas, cresceu e marcou sua presença de fé no continente europeu. Estes irmãos e irmãs não reconheciam como válido o batismo administrado na infância, pois, crianças recém-nascidas não têm consciência de pecado, da necessidade de regeneração, da fé e da salvação. Na defesa destas posições estavam bem fundamentados no Novo Testamento, em especial nos Evangelhos. A exigência do batismo bíblico de pessoas convertidas chamou a atenção do povo e das autoridades e eles passaram a ser chamados de anabatistas, e depois de batistas, porque levavam às águas aqueles que tinham se arrependido de seus pecados e aceitado Jesus como Salvador e Senhor de suas vidas.
Assim, a designação de batistas se firmou no século 17, mas aqueles irmãos e irmãs estavam espiritualmente ligados a todos os que, através dos séculos, permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras Sagradas, dizendo não, mesmo com risco de suas vidas, às corrupções do Evangelho de Cristo.
Mas foi no século dezessete, na Inglaterra, que oficialmente uma comunidade de fé deu a si própria o nome Batista. Essa comunidade foi fundada por John Smyth (1570-1612), um pastor que defendia a liberdade religiosa, condenada pela igreja da Inglaterra. Atualmente, Smyth é considerado o fundador da moderna denominação batista. Mas não podemos esquecer que há uma unidade que soma os movimentos históricos que acabamos de apresentar e que podemos sintetizar assim: batista é uma designação que foi colocado a diversas comunidades cristãs no século 17 na Inglaterra. Esses irmãos e irmãs eram representantes daquela resistência cristã, daquele Cristianismo neotestamentário que atravessou a História, mesmo no período de densas trevas espirituais da Idade Média.
Assim, podemos dizer que, quando em qualquer parte do mundo, sejam quais forem as circunstâncias, uma comunidade de fé praticar as doutrinas do Novo Testamento teremos aí uma igreja batista.
Através dos tempos, os batistas se têm notabilizado pela defesa destes princípios:
1º - A aceitação das Escrituras Sagradas como regra de fé e conduta.
2º - O conceito de igreja como comunidade local, democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas.
3º - A separação entre Igreja e Estado.
4º - A absoluta liberdade de consciência.
5º - A responsabilidade individual diante de Deus.
6º - A autenticidade e apostolicidade das igrejas.
Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas, baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto, autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como sugestões ou apelos.
Para os batistas, as Escrituras Sagradas, em particular o Novo Testamento, constituem a única regra de fé e conduta, mas, de quando em quando, as circunstâncias exigem que sejam feitas declarações doutrinárias que esclareçam os espíritos, dissipem dúvidas e reafirmem posições. Cremos estar vivendo um momento assim no Brasil, quando uma declaração desse tipo deve ser formulada, com a exigência insubstituível de ser rigorosamente fundamentada na Palavra de Deus. É o que faz agora a Convenção Batista Brasileira, nos 19 artigos que se seguem:
Os batistas são, depois do pentecostalismo, a ramificação mais numerosa do protestantismo, compreendido como um cristianismo biblicista, conversionista e militante. É a principal confissão protestante norte-americana e tem um crescimento significativo no Brasil. Em termos gerais, desenvolveu-se a partir de cinco traços distintivos:
- A prática do batismo por imersão da pessoa convertida, como testemunho de compromisso e fé
- As Escrituras como regra em matéria de doutrina, ética e fé
- Eclesiologia congregacionalista e de proclamação, com autonomia da assembléia local composta de militantes engajados
- Teologia de inspiração calvinista, com destaque para a conversão pessoal
- Defesa da liberdade de consciência e de expressão, e oposição à qualquer interferência da autoridade civil ou eclesiástica na vida da igreja
Esse protestantismo evangélico se caracteriza, assim, pela referência à tradição confessional, mas também por uma plasticidade marcante. A nível global, a Aliança Batista Mundial/ABM reúne cerca de 35 milhões de batistas e busca definir políticas de evangelização, reconciliação entre batistas, defesa da liberdade religiosa e assistência às igrejas batistas localizadas em regiões carentes do mundo. A Aliança Batista Mundial foi fundada em Londres em 1905.
Os precursores dos batistas foram, ideologicamente, os anabatistas da época da Reforma. Congregações anabatistas da Holanda no início do século XVII e grupos de puritanos independentes e congregacionais, que fugiram da Inglaterra para a Holanda fazem parte dessa construção histórica. Influenciados pelos anabatistas, puritanos independentes convenceram-se de que o batismo cristão é apropriado apenas para adultos convertidos, como testemunho de seu compromisso e fé pessoal.
De volta à Inglaterra, este grupo formou a primeira congregação batista em 1611. Duas décadas depois, Roger Williams (1639) formou a primeira congregação batista em Providence (Rhode Island). A partir de então, os batistas, já com influências da teologia calvinista, cresceram rapidamente nos Estados Unidos. A democracia informal centrado nas Escrituras tornou-se uma referência política na construção de igrejas em situação de fronteira, sob as condições rurais instáveis do Sul, Meio-Oeste e Extremo Oeste norte-americano. Assim, essas regiões foram densamente povoadas pelos batistas, uma tendência que se mantém até hoje.
Os batistas olham a vida cristã como fé pessoal, serviço e testemunho. Isso faz dos batistas militantes da causa protestante evangélica. Cada pessoa deve nascer de novo, estar convertido para uma nova vida e a partir daí congregar numa igreja. Para os batistas, a igreja local é o resultado da conversão e da graça, uma comunidade de crentes reunidos: não é a mãe da experiência cristã, nem fonte de graça, como na tradição católica.
A igreja local é santa porque a fé e a vida de seus congregados são santas. A igreja local, pelo menos em princípio, não tem nenhuma autoridade sobre seus membros, em sua liberdade de consciência ou em assuntos eclesiásticos.
A plasticidade batista
Devido à sua plasticidade, os batistas temos mostrado características opostas na história. Pela ênfase na autoridade da Bíblia, na compreensão puritana estrita, na ética vitoriana, e compreensão da absoluta necessidade da fé e santidade pessoal, a maioria dos batistas é conservadora, tanto nas questões de fé, como de moral. Mostram-se temerosos diante das filosofias e teologias modernas e da política liberal. O evangelho e a Bíblia são interpretadas literalmente, dentro dos princípios tradicionais batistas. A ética cristã são os princípios básicos das Escrituras, que nenhum batista deve abandonar. Por esta razão, muitas convenções batistas se recusam a aderir ao movimento ecumênico e ignoram o evangelho social, e sua preocupação com a justiça econômica, política e social.
Porém, devido a ênfase na liberdade de consciência e de crença pessoal e a importância da vida cristã longe da autoridade eclesiástica, de dogmas e rituais, os batistas são líderes do liberalismo tanto a nível político como teológico. Muitos seminários e igrejas batistas são conhecidas por estilo de adoração, atitudes sociais e teologias liberais. Os batistas foram importantes na criação do movimento ecumênico no início do século XX. Nas controvérsias que dominaram o século XX nos Estados Unidos entre teologia moderna versus fundamentalismo, entre o evangelho social versus o evangelho individual, e entre ecumenismo versus exclusivismo.
Mas, os batistas tiveram sempre papéis de destaque nos campos teológicos e políticos, quer como progressistas, quer como conservadores, exemplo disso foram Walter Rauschenbusch, pastor e teólogo batista e um dos teóricos do Evangelho Social, e Billy Graham, o maior evangelista do século 20. E no Brasil, como expressão progressista, podemos citar o Manifesto dos Ministros Batistas de 1963, de claro conteúdo político e social a favor das reformas de estrutura no país.
Os batistas e a inerrância bíblica
Ed René Kivitz: Sobre meu desligamento
da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil/SP
mercredi 15 janvier 2025
Celebremos a Festa da Candelária
A festa da Candelária comemora a apresentação daquele menino da periferia palestina no templo de Jerusalém, pois a partir da antiga tradição judaica todo primogênito deveria ser levado ao templo, quarenta dias após seu nascimento, para ser consagrado a haShem. Este período de quarenta dias correspondeu também ao período de resguardo das mães, que pela lei da religião judaica foram proibidos de frequentar o templo. Assim, uma vez que tinha passado o tempo do resguardo, deveria ir ao templo para dedicar um sacrifício a haShem e ser declarada pura pelo sacerdote. Por isso, a festa da purificação de Miriam/Maria, mãe de Yeshua.
No dia em que Miriam e seu marido Yosef/ José levaram Yeshua ao templo, lembra Lucas, um biógrafo dos atos de Yeshua, que um homem chamado Simeão foi até lá, levado por Ruach de haShem/ Espírito d'O Nome, sob a promessa de que não morreria antes de ver o mashiah. Ele colocou Yeshua no colo e disse que naquele momento HaShem poderia deixá-lo morrer em paz, porque tinha visto a salvação, aquele que ele, HaShem, estava preparado para ser a luz das nações e a glória de Israel.
Esta é a festa da Candelária, que se comemora com doces e panquecas, e que mesmo que na contramão de dogmas e tradições religiosas, nos renovados, não nas luzes de vela do menino da Candelária, mas na luz do menino que se tornou aquele rabino da periferia palestina, e que nós consideramos nosso mestre, Yeshua haMashiah/ Jesus, o Messias.
Vemos a vida ser vívida como se não tivesse tido valor. Vemos, em nome de políticas e religiões, pessoas sendo transformadas em assassinos seriais, legais ou não, e espalhandoem a dor, o sofrimento e a morte. Mas tal realidade atravessou a modernidade ocidental, no mínimo desde iniciada do século dezenove. E os filósofos da existência perceberam isso e procuraram refletir sobre essa situação-limite. Então, vamos triangular esta conversa, combinando filosofia, teologia, poesia e uma leitura existencial dos primeiros textos das escrituras hebraico-judaicas.
A partir de meados do século dezenove, conforme constata Tillich, o mundo passou a sofrer com o pensamento lógico-matemático e naturalista que foi minando a liberdade individual e a comunidade orgânica. E, assim, o racionalismo analítico transformou tudo em objetos de design e controle, incluindo as pessoas. Da mesma forma, o humanismo secularizado separou as gentes e o mundo do mistério supremo da existência. Ou seja, o pensamento lógico e naturalista, assim como o humanismo secularizado possibilitou a construção de um novo mundo, biotecnológico, desumano e sem alma.
Mas, desejo fazer três leituras daquela modernidade nascente. Em 1970, Manuel Ballestero publicava em Madri, pela Siglo XXI, La Revolución del Espíritu (Tres pensamentosientos de libertad), analisando o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da modernidade: Nicolas de Cusa, Lutero e Marx. Ballestero diz que sua preocupação residiu em analisar o projeto de liberdade desses três pensadores, sabendo que a autonomia e o ato livre são concebidos de maneiras diferentes e mesmo antagônicas, embora existam, no contexto da obra dos três, analogias de fundo. Isso se refere ao fato de que a liberdade significa a abolição da lei, o colapso da determinação exterior, e não o comportamento que se adequou aos limites da ordem. Assim, segundo Ballestero, Cusa, Lutero e Marx olham a liberdade como a destruição da ordenação exterior e anterior ao próprio ao livre.
Os ensaios mostram que a revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não é gratuita, nem produto de um simples ato ideal, mas se enraíza no tecido histórico do movimento de mudança global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamam por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das alterações vívidas no século dezesseis, com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das produções e as associações do sistema de trabalho assalariado, vemos que a dimensão negativa da condição humana na incipiente sociedade capitalista será percebida por Cusa e Lutero : a autonomia do sujeito se dá como dor.
Mas ambos compartilham essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partem da negação dessa subjetividade alienada do capitalismo nascente, considerando que deve ser superada para que o Espírito floresça. Aí, então, teríamos o fim da inessencialidade do sujeito alienado e a inserção desta na totalidade objetiva. Mas isso não pode acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade espiritual, que sustenta o ser humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o Espírito construiu num nível superior o universo anteriormente negado.
O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partirá dessa discussão. Para ele, a religião é uma realização imaginária da essência do ser humano, mas essa essência não tem realidade alguma. De todas as maneiras, há um ponto de interligação nessa perspectiva, quando vê, assim como Cusa e Lutero, a liberdade como abolição da legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo, e como responsabilidade suprema do ser humano. Para entender esse ponto de partida de Marx é bom ler seus manuscritos econômicos e filosóficos, mas também sua Introdução à Crítica da Economia Política (Marx, São Paulo, Abril Cultural, 1982), texto que só foi descoberto em 1902 e publicado por Kautsky em 1903.
“O cristão é senhor de todas as coisas e não está convidado a ninguém. O cristão é servo em tudo e está submetido a todo o mundo” (Lutero, Les grands écrits reformateurs, Paris, Aubier, 1955, p. 225).
Para Lutero, o ser humano existe como estrutura ontológica dual. Sua conceituação traduz a ansiedade teórica do século dezesseis, mas traduz-se em superação da subjetividade alienada. O cristão é senhor de todas as coisas, não é convidado a ninguém e esse senhor radical é produto da graça. Sua liberdade é fruto da fé que transforma a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter espiritual da autonomia do cristão se dá como processo. Morre o imediato, o alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza.
A liberdade surge como deslocamento do ser humano natural, como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta... “É necessário desesperar-se por você mesmo, fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” (Lutero, Les grands écrits, p. 259). Mas superada a tensão, temos a liberdade enquanto espiritualidade, uma dimensão de combate.
O ser humano, que no Mashiah/Cristo vive essa metamorfose, tem a liberdade que vai além, a liberdade que é fonte de ação e realidade. Assim, o caminhante se transforma em receptáculo de fé, em intencionalidade aberta ao Absoluto.
Diante do desafio da liberdade, filósofos e teólogos, apoiados nas artes, enfrentam a alienação da vida. Enfrentaram, às vezes de forma desesperada tal desafio, o que levou muitas delas a emoções apaixonadas, proféticas e revolucionárias. Mas isso não os impede de denunciar a estrutura psicológica e sociológica da modernidade e defender a espontaneidade da vida, o caráter paradoxal da religião e as raízes do conhecimento existencial. E assim, filósofos e teólogos enriqueceram a compreensão da vida, e desenvolveram instrumentos para a revolução deste século 21.
A filosofia existencial, conforme diz Tillich nessa conversa, e eu continuo a acrescentar a teologia, olhou o mundo e, assim como artistas, escritores, poetas, não gostou do que viu. O que me leva a um poeta espanhol, Machado, que vai cantar para nós nessa viagem com Tillich.
“Tudo passa e tudo cai, mas o nosso é passar, passa fazendo caminhos, caminhos sobre o mar. Nunca persiga a glória, nem deixe a memória dos homens da minha canção; Eu amo os mundos sutiles, ingênuos e gentios, como pompas de jabón. Eu gosto de ver eles pintarse de sol e grana, voar baixo o céu azul, temblar súbitamente e quebrarse… Nunca persegue a glória.”
E a alienação já presente na modernidade desaguou na alta-modernidade, em lugares e tempos onde se vive como se a vida não tivesse valor. E como estamos conversando, eu, Tillich, Machado e você, digo que as escrituras hebraico-judaicas também falam existencialmente do humano. Diz, lá na Torá, que o humano não é bom nem mal, mas que envelhece a partir dessa polaridade. Tal situação aparece no diálogo que haShem/ o Nome tem com Qayin/ O-lança. Diz que ele estava inclinado a fazer mal feito, que este mal-fazer estava diante dele como um animal feroz, mas que ele, O-lança, desviou dominando o desejo de mal-fazer.
Essa conversa, de certa forma, apresenta o padrão humano, um jeitão para fazer. E nos relatos da saga humana tais histórias se multiplicaram. São contadores que falam do tesão pela vida. E aqui vai uma que gosto muito. Conta-se que quando os escravos fugiram do Egito com os soldados egípcios correndo atrás deles e já estavam atravessando o Mar Vermelho, anjos resolveram cantar um hino de gratidão a haShem, mas este não permitiu e disse: Eu construí o humano, cada um deles é minha criação, como posso cantar se muitos se afogarem neste mar? Eis a universalidade da existência: somos aparência de HaShem, quer escravos hebreus ou soldados egípcios. A teologia mais antiga entende isso:a vida é fazer universal. Mas nela se faz presente o “yetzer”.
A palavra “yetzer” vem da raiz “yzr”. Quando as escrituras hebraicas falam de especificidade capenga, significa moldar, propor-se. A ideia é que o humano seja dirigido por suas inclinações, suas imaginações, sejam elas boas ou mais. Nesse sentido, o humano é diferente dos animais. E é exatamente “yetzer” que, combinado à liberdade humana, possibilita uma mudança de rumo.
Sören Kierkegaard foi, sem dúvida, quem nos ofereceu um pensamento que leva à teologia existencial, de maneira consistente, ao considerar que cada pessoa deve fazer individualmente as escolhas que realizam sua própria existência. Ou seja, nenhuma estrutura imposta deve alterar a responsabilidade humana de procurar agradar a Deus de forma pessoal e paradoxal. Cada pessoa sofre a angústia da dúvida até realizar um ato de fé ou dar um salto de fé e se engajar em uma escolha particular. Cada pessoa é confrontada com o desafio do seu arbitragem livre e com o fato de que uma escolha, mesmo que não seja boa, ou claramente defeituosa e mais, deve ser feita para que se possa realmente viver.
Para ele, a existência é a experiência pessoal imediata diante da eternidade, é fé, interpretada dialeticamente. E, na verdade, uma teologia existencial relacionada fortemente sobre três considerações de Kierkegaard. A primeira é que o universo é fundamentalmente paradoxal e que o maior paradoxo de todos é uma união transcendente de Deus e do humano na pessoa de Cristo. A segunda é que ter um relacionamento pessoal com Deus vai além de todas as condicionantes morais, estruturas sociais e normas comuns. E a terceira é que seguir as convenções sociais é essencialmente uma escolha estética pessoal que os indivíduos fazem.
E isso pode ser visto num texto clássico de Kierkegaard ...
”Quando chegou ao local que Deus havia indicado, Abraão fez um altar e arrumou a lenha em cima. dele. Depois amarrou Isaque e o colocou no altar, em cima da lenha. Em seguida pegou o punhal para matá-lo". Gênesis 22.9-10.
Este é um dos trechos mais desnorteadores do Antigo Testamento: Abraão, em obediência a haShem, se prepara para sacrificar seu filho. Este relato foi baseado por Kierkegaard, em 1843 , num ensaio teológico, "Temor e tremor".
Kierkegaard decidiu o ideal de um saber intelectual e universal, defendido por Hegel, e mostrou o caráter voluntário e singular da vida cristã, que se consubstancia no ato de fé. Conhecedor dos clássicos, amou a música e a literatura, a filosofia clássica e a moderna. Fruto dessa paixão construiu uma teologia da existência que teve o objetivo de confrontar idéias e experiências à luz do cristianismo. se em conhecimento e experiências sentimentais. A partir de problemas pessoais encontrados para a existência. Não se contentou em analisar o conteúdo da consciência e daí construir uma teologia da existência.
Consideremos que todos nós atuamos em três planos de existência, a estética, a ética e a religião. Mas que a maioria das pessoas vive uma vida estética no desejo imediato, onde nada importa, exceto as aparências, a felicidade e os prazeres. E de acordo com cada um desses planos, as pessoas seguem as convenções sociais. Disse ainda que a quebra das convenções sociais por razões pessoais, quer a busca de fama, confiança ou rebeldia, são escolhas estéticas. menor é o número de pessoas que vivem na esfera ética, que decidem se afirmar como responsáveis, fazer o melhor e ir além da amizade superficial. Assim, relacionou conhecimentos e experiências e distribuição entre elas uma dialética, já que seria através da dialética – Tillich chamou o método de demonstração e eu de analética, afirmando Dussel -- que se percebe as experiências da existência: estética, ética e experiência da fé .
Mas se o plano ético é importante e norteia um ideal de sociedade, o plano fundamental para a vida de uma pessoa é o de fé. E para se viver a fé é preciso entregar-se ao Criador, um caminhar, um viver, e esse deve ser o esforço do cristianismo radical.
Mas vamos citar, de passagem, três gigantes que se debruçaram sobre o desafio da existência:
Marx, para quem a existência é uma experiência humana determinada socialmente, no contexto das classes sociais, interpretada em termos de sua teoria econômica e social. Consideramos o jovem Marx como um pensador existencial, pois na época seus escritos traduziriam a luta contra a alienação no capitalismo; contra as teorias que interpretavam o mundo sem procurar transformá-lo; e contra a afirmação de que o conhecimento é independente da situação social. Este jovem Marx anunciou o fim de todas as filosofias e sua transformação em sociologia revolucionária. Mas sua interpretação da história, sua compreensão da ideologia, e sua análise sociológica da economia, fizeram dele, de fato, um filósofo que dominou as discussões teóricas do final do século 19 e correr do século 20, tornando-se uma referência política na história dos movimentos de libertação do último século.
Nietzsche, para quem é a experiência de ser humano biologicamente determinada, que concretiza a vontade de poder, que se expressa como metafísica da vida. Como o jovem Marx crítico e revolucionário, o ataque de Nietzsche contra o niilismo europeu, a construção de categorias biológicas para o processo do conhecimento, seu estilo fragmentado e profético e sua paixão escatológica, levou-o, assim como Marx, de fato, à procura do método científico e à ontologia da vida.
E Heidegger, para quem a existência é a experiência do ser diante do Ser, na vida vivida com cuidado e determinação, que ele descreve como a estrutura do ser-em-si. Heidegger retornou a um jeito kierkegaardiano de fazer filosofia existencial, ou seja, à psicologia dialética. Utilizou a expressão existencial para designar a filosofia externa para a experiência pessoal imediata, e fez a releitura da teologia expressa por Kierkegaard, especialmente seus ataques às igrejas burguesas e secularizadas. Mas a partir de Aristóteles transformou a psicologia dialética em nova ontologia: rejeitou as implicações religiosas da atitude existencial, modificando-a pela decisão em aberto do ser heróico e trágico.
Por tal compreensão Tillich acrescenta que, para os socialistas religiosos, a existência é uma experiência humana pessoal, imediata, da história que se vive, do momento criativo que se expressa como uma interpretação geral da história. Estamos então diante da teologia existencial.
Dessa maneira, podemos dizer que para os socialistas religiosos cada caminho se entrelaça com outros caminhos, formam teias, e aí está a ideia de História quando vê a vida humana e a realidade presente e os kairós como estruturas abertas, que nascem nesses caminhos. É o desafio existencial, ser natureza e transcender a ela, que leva o humano à possibilidade da revolução, ou seja, à construção da História.
E, de novo, Machado poetisa para nós:
“Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se faz caminho e ao voltar a vista atrás se ve a senda que nunca se ha de voltar a pisar. Caminante no hay camino sino estelas en la mar... Hace algún tiempo en ese lugar onde hoy los bosques se visten de espinos se oyó a voz de um poeta gritar "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso...
Para o socialismo religioso, o respeito pelos caminhos e a negação do ódio e da violência direcionadam a tesão pela vida. Criar pessoas é, em primeiro lugar, ensinar, pois quem derrota uma vida derrota todas. E quem cuida de uma vida salva o mundo. Cuidar de pessoas é, então, semear a paz para que ela reine entre os humanos. Para que ninguém possa dizer: o meu pai é maior do que o teu pai.
E nessa leitura existencial, vemos que o primeiro livro das escrituras hebraicas se descreve como o livro da história humana. É interessante o que esse livro fala da construção e da história do primeiro par humano: Da-terra e A-vida. Este é o sentido dos nomes hadam e hawah. A construção dessas duas pessoas, Da-terra e A-vida, ao se dar no final do processo de surgimento do universo, mostra o valor que têm para haShem: são menores, aparentemente pequenos, mas têm valor, pesam. A história humana é a história de uma pessoa, de duas pessoas, de todas as pessoas.
O que nos remete mais uma vez à exposição de Tillich sobre a filosofia existencial, quando diz que os filósofos existencialistas procuraram descobrir o significado da vida, indo além das teologias reavivadas, assim como o positivismo. E foi assim que rejeitaram o mundo alienado e os religiosos fundamentalistas. Voltaram-se para a experiência e para a subjetividade, como experiência fundamental para a objetividade. Ou seja, a realidade é experimentada na vida real, na experiência interior, e dessa maneira procuraram descobrir a criatividade do ser, anterior e que vai além da separação entre subjetividade e objetividade, em ambos os sentidos.
Nas escrituras hebraico-judaicas, a construção da história humana é sempre uma explicação entre o sofrimento e a coragem de optar pela liberdade. E este foi o desafio apresentado aos hebreus escravizados. Construir a História e optar pelo caminho da liberdade acarretará riscos, já que muitas vezes há segurança na escravidão. Mas, objetividade humana é ser humano, ver possibilidades nas escolhas humanas.
Por isso, Tillich diz que se chamarmos de místico tal leitura da vida, a filosofia existencial poderá ser considerada a reconquista do sentido da vida em termos místicos, pois rejeita compreensões eclesiásticas e positivistas, mas não o espírito. Donde, damos uma nova definição para místico, para aplicá-lo à filosofia existencial. A expressão não significa a união mística com o absoluto transcendente; é sim uma empreitada de fé, que caminha em direção à união com a profundidade da vida. Esta espiritualidade é mais protestante do que católica; mas não deixa de ser mística ao transcender a objetividade alienada e a subjetividade vazia da pós-modernidade. Historicamente, a filosofia existencial retornou à leitura pré-cartesiana do mundo, quando não havia a separação entre subjetividade e objetividade, e a essência da objetividade encontrou-se no interior da subjetividade... quando Deus foi encontrado na alma humana.
O respeito e o cuidado por tudo aquilo que é humano, por sua terra e vida, é uma decisão humana radical. Uma das linhas-força das teias de relações humanas presente nas escrituras hebraicas-judaicas é a de caminho. Mais do que proporciona uma inspiração a haShem, as escrituras falam de andar com ele. Daí a ideia de caminho. O ser humano é colocado a cada momento e a cada dia diante da exigência de exercer sua liberdade e escolher entre o fazer bem feito e o fazer mal feito.
Assim, para Tillich, na luta contra a falta de sentido da civilização tecnológica, os filósofos da existência empregaram métodos diferentes, todos com ênfase existencial. É necessário destacar que Kierkegaard representou o protestantismo luterano da filosofia existencial. E como teólogo, construiu uma psicologia dialética que contribuiu para confrontar as interpretações racionalistas e mecanicistas da natureza humana.
A teologia existencial oferece um quadro dramático: polaridade e imbricamento entre a atitude existencial e as expressões teológicas que dominam o movimento. Pode prevalecer o existencial, mas também pode prevalecer o teológico no mesmo caminhante. Mas sempre está presente uma ação crítica. Todos reagimos, na prática e na teoria, ao destino histórico, ao desafio da liberdade de construção do ser, ao prokeimai, ao estar colocado, ao ser proposto. Polaridade e imbricamento expressam esta revolução do espírito contra a sociedade excludente, que se expressa de forma imperial nesta pós-modernidade.
A vida é o bem maior, o modelo de escolha. A escolha do bem-fazer então é esta: a vida, caminho que fica entre o crescimento e a decadência. A linha-força do caminho da vida é o caminhar...
“Murió el poeta lejos del hogar. Le cubre o polvo de um país vizinho. Al alejarse le vieron llorar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso... Cuando el jilguero no puede cantar. Quando o poeta é um peregrino, quando de nada nos sirve rezar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar... Golpe a golpe, verso a verso."
Teologia da Responsabilidade Global
Teologia da Responsabilidade Global
Se eu levar em conta (1) o impressionante desenvolvimento da tecnologia, inclusive a presença da inteligência artificial em todos os níveis da vida, (2) o crescimento das políticas de ultra direita e (3) o perigo de uma guerra atômica, devo pensar nesta Teologia ...
A proposta teológica diante desses três pontos será profundamente integradora, esperançosa e ética, com foco em reconectar a espiritualidade ao cuidado com a vida, o outro e o futuro. Aqui estão algumas ideias centrais que guiam essa reflexão:
1. Teologia do cuidado integral e tecnológico
A teologia pode resgatar a noção de que a tecnologia, inclusive a inteligência artificial, deve estar a serviço da dignidade humana e da criação.
Proposta: Desenvolver uma ética teológica para a tecnologia que priorize o bem comum e os mais vulneráveis. Ressaltar o papel humano como "co-criador", responsável pelo uso da ciência em favor do amor e da justiça, não do domínio e da destruição.
Fundamento bíblico: Gênesis 2:15, onde o ser humano é colocado no Éden para cuidar e cultivar a criação.
2. Teologia profética contra o autoritarismo
As políticas de extrema direita tendem a polarizar, dividir e desumanizar. A teologia pode se posicionar como um contrapeso, anunciando a justiça e denunciando estruturas opressoras.
Proposta: Resgatar o papel profético das tradições religiosas, colocando ênfase em valores como inclusão, justiça social e dignidade humana. Encorajar comunidades de fé a resistirem ao medo e ao ódio promovidos por ideologias autoritárias.
Exemplo histórico: A Teologia da Libertação, que une espiritualidade e ação social em contextos de opressão.
3. Teologia da paz e da reconciliação global
Diante do risco de uma guerra atômica, a teologia precisa reafirmar a sacralidade da vida e promover uma espiritualidade de desarmamento e reconciliação.
Proposta: Lançar um movimento global de oração, ação e educação para a paz, inspirado em princípios de não-violência e na reconciliação entre povos. Construir pontes inter-religiosas para um esforço comum contra a destruição da humanidade.
Exemplo teológico: A doutrina da paz de figuras como Jesus Cristo no Sermão da Montanha e líderes como Gandhi e Martin Luther King Jr.
4. Uma espiritualidade para tempos de crise
A teologia pode oferecer uma visão de esperança e propósito mesmo em meio às ameaças. Ressaltar que o sofrimento humano e os desafios históricos não estão separados do plano divino de renovação e salvação.
Proposta: Criar narrativas teológicas que incentivem a resiliência, a cooperação e a fé no Deus que transforma o caos em vida nova.
Fundamento escatológico: Apocalipse 21: "Eis que faço novas todas as coisas."
Esta proposta pode ser chamada de Teologia da Responsabilidade Global, unindo fé, ética e ação para enfrentar os desafios do século 21 com coragem espiritual e prática amorosa.
Bibliografia
1. Teologia do cuidado integral e tecnológico
Latour, Bruno. Jamais fomos modernos. Editora 34, 2017.
Reflete sobre a relação entre ciência, tecnologia e sociedade, útil para pensar uma ética teológica frente às inovações tecnológicas.
Heim, Michael. The Metaphysics of Virtual Reality. Oxford University Press, 1993.
Examina a relação entre tecnologia, virtualidade e o humano em perspectiva filosófica.
Boff, Leonardo. Ecologia: Grito da terra, grito dos pobres. Editora Ática, 1995.
Apresenta uma teologia ecológica que inclui cuidado com o meio ambiente e responsabilidade social.
2. Teologia profética contra o autoritarismo
Gutierrez, Gustavo. Teologia da Libertação: Perspectivas. Vozes, 1971.
Um clássico da teologia profética, com reflexões sobre justiça e libertação em contextos de opressão.
Brueggemann, Walter. The Prophetic Imagination. Fortress Press, 1978.
Explora o papel da imaginação profética em tempos de crise social e política.
Mbiti, John S. African Religions and Philosophy. Heinemann, 1990.
Investiga como cosmovisões religiosas não ocidentais podem enriquecer práticas teológicas em contextos de opressão.
3. Teologia da paz e reconciliação global
Hauerwas, Stanley. The Peaceable Kingdom: A Primer in Christian Ethics. University of Notre Dame Press, 1983.
Discute a ética da paz a partir de uma perspectiva cristã comunitária.
King, Martin Luther Jr. Strength to Love. Harper & Row, 1963.
Uma coletânea de sermões de King que aborda a não-violência e o amor em tempos de ódio.
Tutu, Desmond. No Future Without Forgiveness. Doubleday, 1999.
Reflete sobre reconciliação e justiça após o apartheid na África do Sul.
4. Espiritualidade para tempos de crise
Moltmann, Jürgen. Teologia da Esperança. Vozes, 1972.
Apresenta uma escatologia que inspira ação e renovação em meio ao sofrimento humano.
Teilhard de Chardin, Pierre. O Fenômeno Humano. Cultrix, 1987.
Relaciona espiritualidade e evolução, incentivando uma visão otimista e integradora da história humana.
Benedict XVI (Joseph Ratzinger). Introdução ao Cristianismo. Loyola, 2005.
Uma reflexão sobre fé e razão em tempos de mudança cultural e tecnológica.
Complementares (Interdisciplinar)
Arendt, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Perspectiva, 2008.
Essencial para compreender o impacto do autoritarismo e das crises políticas na humanidade.
Ellul, Jacques. The Technological Society. Knopf, 1964.
Crítica ao papel da tecnologia e sua influência desumanizadora.
Pinker, Steven. Os Anjos Bons da Nossa Natureza: Por que a violência diminuiu. Companhia das Letras, 2017.
Um olhar sobre o progresso humano e os desafios para evitar a destruição.
vendredi 20 décembre 2024
A vida, uma leitura radical
A vida, uma leitura radical