Yoffe Pinheiro ben ShemTov
O reinar da eternidade já chegou
e começou no ontem, está no
hoje e se projeta no amanhã. Esta vida no reinar da eternidade é a vida das eternidades, que começa
aqui e continua para sempre. Como a vida do reino é deixar
que o eterno reine nas gentes, a recompensa é a
continuação do reinar da eternidade. A morte não interfere no reinar, apenas modifica a esfera de sua
atuação. O ser humano após a
morte tem suas emoções, histórias
e memórias guardadas eternidade a dentro, a espera
do ser levantado que lhe abrirá os céus e terra novos -- na
intimidade do reinar da eternidade ou na separação do
que é eterno. Para tratar a estória do humano pobre e do humano rico, é necessário ver que as palavras estão
dirigidas a pessoas para evocar respostas. Assim, é necessário compreender o contexto das palavras a quem estava
sendo dirigida e com que objetivo foram empregadas. Algumas questões devem ser colocadas de antemão. O
contexto maior começa fazendo uma diferenciação
entre a prática dos religiosos e a forma de vida do
reinar eterno. Há críticas ao espírito da religiosidade. A crítica
enfatiza o tipo de vida do reinar da eternidade, a vida das eternidades, por
sua qualidade. A crítica questiona a confiança de
quem tem certeza de que estará presente no grande banquete do reino eterno:
são os pobres, os coxos e os cegos que se
encaminham ao banquete, porque as pessoas mais óbvias
da lista de convidados estão preocupadas com outros assuntos.
Então Brianda deu um salto de sua almofada e falou rápido, como
se não quisesse ser interrompida por ninguém: temos um acordo. Seu argumento é: se um louco pudesse ter transplantado o cérebro lesado por
um outro que fosse são, com certeza pensaria de modo correto. Isto porque a
desordem e a deterioração dos órgãos não lesam a inteligência em
si mesma, mas somente a privam das condições e meios requeridos para o seu funcionamento normal. Pode-se dizer, então, que o cérebro é a interface entre o espírito e o mundo material.
Oba, não estou só. Aristóteles e os nossos ancestrais não admitiam nas pessoas dois princípios
de vida, mas afirmavam que além da atividade consciente e psicológica, a existência inteligente possui
também a faculdade de presidir às funções fisiológicas.
Desta maneira, a existência seria o único
princípio de toda a atividade vital das pessoas --
da vida vegetativa e sensitiva mas, também, da vida propriamente
espiritual. A correlação íntima que existe entre as
diversas operações da existência
pensante, inteligência, sensibilidade e vontade, prova a
unidade substancial do princípio de onde elas se originam. Esta mesma
correlação se verifica entre as operações as funções orgânicas e psicológicas.
E nesse momento, o descendente fez um dueto
com o avô: Uma comoção
violenta da existência pode parar a circulação do sangue ou pode gerar o medo que paralisa. Mas pode
também, ao contrário,
levar à confiança que sustenta as forças físicas. Ou seja, os distúrbios
físicos atuam sobre nosso estado moral, e isso é reciproco. Demonstrada a união da
existência, como se faz esta união?
E eu acrescento: A pessoa não existe fora da existência.
Da existência, o corpo recebe a sua unidade, a
organização, a vida e atividades próprias, numa palavra, tudo o que faz dele humano. Assim, o
corpo apenas se separa da existência pela morte, quando perde todos estes
caracteres, todas as suas determinações específicas, dissolvendo-se nos elementos químicos de que foi formado. Quanto à existência, sem dúvida, existirá, na
sua trajetória que engloba todos os humanos, sem corpo não há as faculdades que exigem o concurso dos órgãos corporais, como a imaginação, a percepção externa e a sensibilidade. Deste modo, o
corpo é a matéria e a existência é a forma, e a união do
corpo com a existência constrói um
todo substancial e verdadeiro. É esta união no
ser que faz da existência e do corpo um só princípio de ação, que faz com que não
haja ação humana na qual o corpo não faça a sua parte, nem ação
humana tão humilde e material que não repercuta na existência.
Talvez por não ter
tantas oportunidades de uma conversa franca com Yoffe, devido as limitações do espaço-tempo, o descendente se mostrou curioso diante
dos argumentos do avô. E disse agora com carinho: É certo, entendo, com a morte o corpo se dissolve.
Acontecerá o mesmo com a existência
e morreremos inteiramente? O que é a eternidade?
Vejo essa pergunta, querido descendente, como
um clamor da existência. Considero, e desejo que essas reflexões ecoem através de todos vocês que leem, pensam e agem, que no eterno está a sobrevivência pessoal e substancial, a identidade
permanente da existência, que conserva as suas faculdades de amar
e conhecer, sem as quais não há felicidade humana. No
eterno, a existência mantém a
consciência da sua identidade, com as lembranças e responsabilidades do ontem que permanece, sem as
quais não poderia haver nem recompensa nem
julgamento: em uma palavra, não existiria o princípio
da justiça do eterno. O corpo se desagrega e se
dissolve logo que se separa do seu princípio de unidade, da sua
forma substancial que é a existência. A existência do ser como é não
pode decompor-se, nem se desagregar, permanece no coração do
eterno. Este é o argumento ontológico
da premissa de que a existência se projeta na eternidade. Se há o eterno e sua lei moral, a justiça
exige que o crime seja punido e a virtude seja recompensada.
Neste mundo, nem a natureza, nem a sociedade,
nem a própria consciência
dispõem de atributos suficientes para recompensar
plenamente a virtude ou punir adequadamente o vício. É necessário, portanto, que haja projeção da existência onde a justiça
seja plenamente satisfeita e a ordem seja estabelecida. Este é o argumento moral, que demonstra a projeção da existência, mas não
prova que esta existência seja ilimitada na sua duração. O argumento psicológico,
que prova a perseverança da existência
humana, assenta sobre o princípio de que o eterno não se
contradiz, por isso ao dar um fim a um ser, lhe dá também os meios de o atingir. Tudo na natureza do humano
aponta para o fato de que é criado para atingir a felicidade. Mas, se não pode alcançá-la neste cosmo, deve haver outra realidade
onde tal projeto se concretize. E como a felicidade pressupõe expansão sem limites, segue-se que a realidade
futura teria esta qualidade.
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