“Multiplicarei o teu
sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos”.
A violência estabelece uma
proposição: um princípio atemporal e não espacial, sobre o qual a razão titubeia,
uma vez que aparentemente transcende a concepção de humanidade, mas, ao mesmo
tempo, é reduz qualquer expressão humana. Parece estar além da razão: é impensável.
Podemos, no entanto, partir do
postulado de que há uma violência absoluta, que antecede toda violência manifesta.
Esta causa maior é a raiz sem raiz de tudo que foi e é violência. Despida de
atributos não tem, a princípio, nenhuma relação com a violência expressa. É a violência que é e está além da razão de ser
violento.
O que é violência está simbolizado
no ser violento sob dois aspectos: por um lado, é o não-espaço da subjetividade,
aquilo que a mente humana não pode excluir, nem conceber por si mesma. Por
outro lado, é movimento, a violência incondicionada. A consciência é
inconcebível quando separada da mudança. E é o movimento que simboliza a
mudança. Tal aspecto da violência é simbolizado na ideação “multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz
filhos”. Um símbolo gráfico da violência presente no
entrar na vida. Este axioma fundante da violência, metafísico, remete àquilo
que podemos simbolizar como características trinitárias da violência.
A natureza da causa da violência,
derivada de causa sem causa, aflora como consciência da violência, impessoal,
que permeia a natureza. Esta causa da violência é o campo da consciência, que
transcende a relação com a existência e da qual a existência consciente é um
símbolo condicionado. Mas, ao atravessar pela negação a dualidade, sobrevém a tríade
da violência: o espírito de violência, a consciência da violência e a matéria
da violência.
Espírito de violência, a
consciência da violência e a matéria da violência devem ser consideradas não
como independentes, mas correlações que constituem a base do ser ou estar
violento. Considerada esta trindade da metafísica da violência como a raiz da
qual procedem todas as manifestações violentas, a expressão “multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz
filhos” assume o
caráter de ideação pré-humana. Ela é a fonte
da força de toda violência individual e social e fornece os elementos
para a análise da violência que perpassa o humano e sua história. Tal raiz pré-humana
é o absoluto expresso no “multiplicarei o teu
sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos”, base da violência objetiva. Tal ideação
pré-humana é a raiz da violência individual e social, porque a substância pré-humana
é o substrato da matéria violenta em seus diferentes graus.
A correlação dos aspectos da violência absoluta,
de origem, é fundante da existência enquanto violência manifesta. A ideação da humanidade,
separada de sua substância, não se manifesta como violência individual e social,
uma vez que é somente através de um veículo, a alienação da ideação, que a violência
aflora como violência que é, como ato alienado que necessitou de base física
para focar-se enquanto estágio de uma complexidade maior, humana. Da mesma forma,
a substância do humano, separada da ideação da humanidade, permaneceria como uma
abstração vazia da qual a violência não poderia emergir. A violência manifesta,
assim, é permeada pela correlação, que é a própria essência de sua existência
como violência manifesta.
As correlações entre violência
manifesta, espírito e matéria da violência são símbolos da violência absoluta, presentes
no universo manifestado da violência. Essa correlação é a alienação
existencial, a ponte através da qual as idéias são impressas enquanto substância
da natureza da violência, presentes na forma de leis da natureza e da
sobrevivência do humano. A alienação, dessa maneira, é dinâmica da ideação do
humano, é meio que guia a manifestação.
Ou
como disse Lameque, o primeiro serial
killer citado pelas escrituras hebraicas: “Ada e Zilá, ouçam a minha voz. Escutem, mulheres de Lameque, as minhas
palavras: matei um homem, porque me machucou. E um jovem, porque me pisou. Se
por Caim tomar-se-á vingança sete vezes, com certeza por Lameque o será setenta
e sete vezes”.
Assim, a consciência humana procede
também da ideação da violência, e fornece os meios que possibilitam à violência
individualizar-se como substância do humano, chegando àquilo que fez do humano,
sapiens. A alienação em suas
manifestações é o elo entre o espírito e a matéria da violência, presença que,
dialeticamente, equilibra vida e morte, permanência e destruição.
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