samedi 7 janvier 2017

O diálogo cristão

O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO HOJE NO BRASIL
Uma proposta aos cristãos brasileiros

Por JORGE PINHEIRO*


Introdução

O diálogo inter-religioso visa abrir a discussão entre os cristãos. É um movimento que não objetiva proferir uma palavra de unificação para as confissões denominacionais cristãs, mas objetivar um trabalho que hoje deve estar voltado para a dignificação do excluído no Brasil

Dentro desse espírito, a primeira entidade criada no Brasil foi a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) no ano de 1973. Teve como objetivo promover a justiça social sem discriminação de qualquer tipo, inclusive religiosa. Apoiaram a CESE, as confissões Metodista, Brasil para Cristo, Episcopal Anglicana, Presbiteriana Unida, Católica Romana, Evangélica de Confissão Luterana e Siriana Ortodoxa.

Em 1982, seguindo preocupação semelhante, mas procurando estabelecer um diálogo mais teológico, foi criado o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) uma associação de “igrejas fraternas que confessam o Senhor Jesus Cristo como Senhor e Salvador, segundo as escrituras...”.

O estatuto do CONIC declarava que "o amor de Deus, a confissão de fé comum e o compromisso com a missão impulsionam as igrejas membros a uma comunhão mais profunda e a um testemunho comum do Evangelho no Brasil, no exercício do amor e do serviço ao povo. Respeitadas as diferenças eclesiológicas, as igrejas membros se conhecem convocadas por Cristo à unidade de Sua Igreja, na certeza da atuação do mesmo Cristo e de Seu espírito nelas e através delas".

Internacionalmente, uma das entidades mais expressivas do diálogo inter-religioso é o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). No Brasil, estão filiadas ao CMI, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida, a Igreja Reformada na América Latina, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e a Igreja Metodista do Brasil.

Outras entidades, em nosso país, buscam o diálogo inter-religioso, como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) fundado em 1974, que tem como objetivo analisar a conjuntura brasileira, fundamentando-se na reflexão teológica.

A Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), fundada em 1961, procura apoiar a formação de pastores e ministros de forma contextualizada, buscando diminuir a dependência das teologias estrangeiras. Temos ainda o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e outros centros e associações em caráter regional e nacional que buscam trabalhar a questão pastoral, racismo, juventude, união de mulheres, comunicação etc.

Numa perspectiva prática, existem comissões bilaterais de diálogo. Em São Paulo a Arquidiocese Católica criou em 1977 a Comissão de Diálogo Inter-religioso (CEDRA).

A aproximação entre igrejas protestantes, ao nível de cooperação em atividades sócio-políticas, tem implicado em cooperação interconfessional de igrejas e pastores, que se unem para patrocinar conferências nacionais e internacionais.

O diálogo inter-religioso no Brasil tem particularidades, por conta da exclusividade da maioria das igrejas protestantes históricas e por conta das dificuldades encontradas quando se trata do relacionamento com a Igreja Católica Romana, especialmente nas categorias mais baixas do presbitério brasileiro, agravando-se mais ainda quando se chega ao laicato.

Diante desta realidade o diálogo inter-religioso no Brasil constitui um desafio para os cristãos. Porém não podemos deixar de considerar que a igreja cristã no Brasil nunca falou e agiu tanto em termos de busca do diálogo, quanto se faz no momento.

Pão, terra e justiça social

Acreditamos que o diálogo inter-religioso no Brasil deve partir da defesa da vida de deserdados e excluídos, por isso propomos, como ação conjunta dos cristãos, a defesa de uma ética da responsabilidade social, que denuncie a exclusão e se mobilize pela transformação das estruturas sociais e políticas da sociedade brasileira que geram exclusão social.

Nossa análise parte de uma visão reformada e acreditamos que assim fazendo oferecemos ao conjunto dos cristãos brasileiros uma perspectiva que enriquece a discussão no que se refere a proposição de ações conjuntas para a transformação solidária de nosso país. 

Em 1974, quatro mil delegados, representando o cristianismo reformado de quase todos os países do mundo, reuniram-se na cidade de Lausanne, na Suíça, no Congresso Internacional de Evangelização Mundial. Desse conclave resultou uma série de documentos sobre a evangelização do mundo no final de século, assim como de temas intrinsecamente ligados a ela.

O congresso desmembrou-se, anos mais tarde, em reuniões regionais, que analisaram e desenvolveram temas não definidos no chamado Pacto de Lausanne. Para o cristianismo reformado a reunião de Lausanne tem um significado normativo e prático, já que a partir de definições teológicas abrangentes chegou-se a propostas objetivas para a evangelização do mundo.

Passados um quarto de século da reunião de Lausanne, consideramos que suas preocupações continuam vigentes como reflexão para a práxis cristã neste início de século. Assim, partindo de documentos elaborados em Lausanne e nas consultas regionais posteriores, fizemos uma releitura dessas reflexões visando elaborar um chamado à ética cristã da responsabilidade social no Brasil.

Partimos então da atual realidade brasileira, numa rápida e abrangente análise de conjuntura, detectando as três grandes calamidades sociais que nosso país enfrenta: miséria e desemprego, estrutura agrária opressora e injustiça social generalizada.

Sem dúvida, estamos apenas arranhando problemas que necessitam um pensar mais profundo e uma práxis transformadora permanente. Mas, achamos por bem começar...

Pobres e miseráveis

Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo vive abaixo do nível de pobreza. Ou seja, fora do mercado de consumo, sem nenhuma forma de rendimento, desamparadas, sem as condições básicas para sobreviver [Sete Milhões de Desempregados, Luís Indriunas, revista Debate e Desenvolvimento, Ano Um, Número 1, maio de 1996, pp.5 e 6]. E todos os dias milhares delas morrem de fome. Cerca de um quarto dos brasileiros, ou seja, 40 milhões de compatriotas estão nestas condições.

É importante aqui separar dois fenômenos: um é que existem aqueles que não participam do mercado de consumo e que nunca tiveram um emprego na vida, fato verificável principalmente nas áreas rurais dos terceiro e quarto mundos; o outro, é o desemprego, que se refere à perda do trabalho para aqueles que participavam do mercado de consumo. Em todo o mundo, segundo dados do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, 800 milhões de pessoas estão nessas condições. O aumento da produtividade, o avanço tecnológico e a globalização da economia são algumas das principais causas da redução do emprego no mundo. O Brasil, além de enfrentar esse problema, precisa criar cerca de três milhões de empregos por ano. [Idem, reportagem citada, p.5].

O Brasil hoje tem uma população ativa de 70 milhões de pessoas. Deste total, mais de 10%, ou seja, 7 milhões de trabalhadores estão desempregados. Entre outubro de 1995 e março deste ano, o desemprego cresceu nas principais regiões metropolitanas do país, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos/Dieese.

Cerca de 3,5 milhões de crianças trabalham hoje no Brasil. Os filhos e filhas da exclusão e da miséria são obrigados a pegar desde cedo no batente. Os que sobreviverem à guerra pelo pão-nosso-de-cada-dia engordarão amanhã a fila infindável dos analfabetos, desnutridos, enfermos..., dos não cidadãos. [Filhos da Exclusão, João Hipper, revista Sem Fronteiras, no 238, março de 1996, pp.13-18].

O Brasil já ratificou a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que a idade mínima para se entrar no mercado de trabalho é de 15 anos. Mas infelizmente tal legislação não é cumprida nas zonas rurais e até mesmo em determinadas áreas urbanas do país.

Falta trabalho, falta comida

O crescimento do desemprego nos grandes centros urbanos, principalmente no triângulo da produção brasileira, região dinamizadora do parque industrial do país, formado pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, está intimamente ligado à abertura indiscriminada às importações, e à inibição de investimentos em setores estratégicos, como bens de capital, máquinas, equipamentos e energia.

Acrescente-se a esta situação uma política cambial kamicase aliada a altos juros, que, conforme alerta Otávio Canuto, do Departamento de Economia da Unicamp, permite importar mais do que devíamos e exportar menos do que poderíamos, e temos como conclusão uma política neoliberal que esgota rapidamente as potencialidades do país.

Logicamente, tal situação produz concentração de poder e renda, pauperizando a classe média e produzindo um nivelamento social por baixo. É verdade que a corrupção oficial é uma das alavancas desse processo. Como exemplo de corrupção oficializada pelo governo lembramos que em novembro de 1995, o governo federal criou através da Medida Provisória 1179, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional / Proer, o que permitiu a injeção de 12 bilhões de dólares nos bancos Nacional, Bamerindus, Econômico, Caixa Econômica Federal e do Brasil. [De Olho no Porquinho, revista Veja, no 1418, 15 de novembro de 1995, pp. 32-37].

Enquanto isso, as obrigações sociais do governo, como educação e saúde, para citar apenas duas, são lançadas às calendas. Basta dizer que dos 30 milhões de crianças e adolescentes entre sete e 14 anos, cinco milhões estão fora das escolas, e 30 milhões de brasileiros não dispõem de nenhum tipo de assistência médica.

Mas se esta é a realidade dos grandes centros produtivos e das médias e pequenas cidades brasileiras, não podemos nos esquecer de outra chaga social: a lastimável situação do campo brasileiro. Apenas 1% dos proprietários de terras no Brasil detém o domínio sobre 44% dos 371 milhões de hectares de terras disponíveis para atividades agrícolas.

Desse total de terras agriculturáveis, só 3% estão divididos entre os 3,1 milhões de pequenos produtores rurais. Agora, mais uma informação chocante: 48% de toda a terra disponível para a agricultura, ou seja, 178 milhões de hectares, não são usadas para plantar, mas como pasto para gado. E do que sobra, 131 milhões de hectares recebem a designação técnica de “terras ociosas”, nelas nada se planta. [No palco da PA 150, a segunda morte de Zumbi, Moura Reis, Debate e Desenvolvimento, Ano Um, No. 1, maio 1996, p. 11].



Onde há miseráveis e desempregados, há fome.
Um desafio ético para os cristãos brasileiros

Como disse o teólogo Howard Snyder, não somos os primeiros cristãos a viver os tempos apocalípticos [Tive Fome, Um Desafio a Servir a Deus no Mundo, vários autores, Série Lausanne, ABU Editora, São Paulo, 1986, in Prefácio, p.5]. A igreja primitiva viveu tempos terríveis. Mas agora, no início do terceiro milênio da história cristã, somos mais uma vez desafiados. E tendemos a oscilar entre dois perigos: perder a esperança e cruzar os braços ou acreditar num clímax iminente da história humana. Em ambos os casos, caímos numa cilada, que é virar às costas para a realidade social de milhões de pessoas.

É impressionante notar, conforme dados da Global Report (revista da Word Evangelical Fellowship) de julho/agosto de 1981, que o Brasil é um dos três maiores países em população protestante em todo o mundo. E se somamos a este número a população católica, muito possivelmente o segundo maior país cristão do mundo. O que pode ter um significado estratégico para a causa da justiça social não somente em nosso país, mas em todo o continente. Mas para que isso aconteça é necessário uma compreensão da ética cristã em relação próximo.

Apocalipticismo ou acomodação, eis os dois inimigos que ameaçam o evangelho de Cristo no Brasil. O primeiro deixa o amor ao próximo para depois, e o segundo está tão desesperançado que nem o próximo consegue enxergar. Por isso, precisamos desenvolver uma ética que norteie o diálogo inter-religioso, mostrando às confissões no Brasil que não existe cristianismo sem compromisso social.

Evangelização e responsabilidade social devem andar juntas. Na história do cristianismo reformado isso aconteceu no grande despertamento na América do Norte, no movimento pietista na Alemanha e no reavivamento na Inglaterra, durante o século 18. Essas atividades geraram o surgimento de sociedades missionárias e fortes mobilizações pela abolição da escravatura e por melhores condições de trabalho nas fábricas.

Uma responsabilidade cristã

A base dessa responsabilidade social cristã parte de nossa compreensão de Deus. Ele é o Deus da justiça, é o Deus da misericórdia. Há quase três mil anos, o salmista cantava: “Ele mantém para sempre a verdade, fazendo justiça aos oprimidos, dando pão aos famintos; Iaveh liberta os prisioneiros, Iaveh endireita os curvados, Iaveh protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva; Iaveh ama os justos, mas transtorna o caminho dos ímpios” (Salmo 146. 6-9).

Os cristãos em comunidade formam a igreja, e ela é o corpo de Cristo na terra. É através da comunidade cristã que se dá o exercício terreno da graça de Deus. As oito frases de solidariedade dos versículos 7 a 9 do salmo citado são para Jesus padrão da justiça divina, conforme explica em Mateus 25:31-46. E lidas a partir do discurso de Tiago contra a riqueza corrupta e opressora (Tiago 5:1-5), transformam-se na carta magna da responsabilidade ética e social do cristão.

A seguir transcrevemos o parágrafo cinco do Pacto de Lausanne 1974 (Congresso Internacional de Evangelização Mundial), sobre Responsabilidade Social Cristã.

Afirmamos que Deus é o Criador de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela reconciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de toda forma de opressão. Sendo o ser humano feito à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade, possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos, às vezes, considerado a evangelização e a ação social mutuamente incompatíveis. Embora a reconciliação do homem com o homem não seja reconciliação com Deus, nem ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos partes do nosso dever cristão. Ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, do nosso amor para com o próximo e da nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando alguém recebe a Cristo, nasce de novo no seu reino e, conseqüentemente, deve buscar não somente manifestar como também divulgar a sua justiça em meio a um mundo ímpio. A salvação que alegamos possuir deve transformar a totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta. [Evangelização e Responsabilidade Social, op. cit., p.16].

Definida a necessidade de uma ética da responsabilidade social cristã, somos levados a estudar a viabilidade da práxis dessa atividade sociopolítica. Partindo de nossa experiência histórica podemos ver que ela se divide em dois grandes grupos: serviço social e ação social.

Por serviço social entendemos uma política para reparar situações: socorro do ser humano em suas necessidades básicas e imediatas, atividades filantrópicas, obras de caridade.

Já a ação social nos leva a procurar eliminar as causas dessas necessidades humanas, e traduz-se em atividades políticas e econômicas, buscando a transformação das estruturas da sociedade e a construção da justiça.

Logicamente, serviço e ação sociais não são excludentes. Ao contrário, são complementares. Afinal, ao lado de uma estratégia política para acabar com a miséria numa região de São Paulo, tenho que ter táticas imediatas para evitar que pessoas moram de fome, hoje. Ninguém pode esperar, sem comer, por uma política cujos frutos levam tempo para serem colhidos.

É preciso, no entanto, esclarecer que mesmo o serviço social pode ser desenvolvido sem um caráter paternalista. A formação de agências de assistência social pode e deve ter base na própria comunidade, de forma que as pessoas aprendam não somente a se ajudarem do ponto de vista econômico, mas em todo o espectro da dignidade humana. Por isso, devem ter como meta a capacitação de todos aqueles que buscam o auxílio dessas agências, fugindo do reforço à dependência e à subserviência.

Já a ação social cristã não está apenas preocupada com as pessoas, mas com as estruturas de determinada sociedade. Procura a justiça social. Assim, não está preocupada com a reabilitação dos presos (que é tarefa do serviço social), mas com a reforma do sistema penitenciário. Não está preocupada com as melhorias dos salários e condições de trabalho (que é uma atividade de serviço social ao nível do sindicato e da fábrica), mas com a transformação do sistema econômico e político, sejam eles quais forem.

Neste campo há um desafio natural, necessário, para a prática do diálogo inter-religioso no Brasil.

É importante ficar claro que nossa responsabilidade social deve levar em conta dois princípios: a justiça e a paz. Nos opomos de forma ativa à miséria e à injustiça social, mas nossa atuação deve sempre se basear na obediência ativa, que segundo Lourenço Stélio Rega [Avaliação Ética do Jeito Brasileiro. Capítulo: Como viver no Brasil e ser cristão ao mesmo tempo. Parte 3: A ética individual deve levar à ética social. FTBSP, São Paulo, 1992], é um sinônimo para desobediência civil, sempre e quando tiver por base direitos de uma comunidade.

Essa ação política foi defendida e utilizada por homens como Henry David Thoreau (1817-1862), John Ruskin (1819-1900), León Tolstói (1828-1910), Mahatma Gandhi (1869-1948) e pelo pastor batista Martin Luther King Jr. (1929-1968). Uma característica da obediência ativa ou desobediência civil é realizar sua oposição de uma maneira digna, afastando seus defensores da violência, através da ação não violenta.

Está claro que toda decisão a favor da justiça exige não somente uma decisiva postura cristã, mas coragem. Falando do momento presente, a comissão que redigiu o documento de Grand Rapids sobre responsabilidade social, dirigida por John Stott, declarou: Há ocasiões em que a igreja precisa tomar posição firme, em relação a um princípio moral, custe o que custar, pois ela é a comunidade do Servo Sofredor, que é o Senhor, e é chamada a servir e sofrer com ele. A marca autêntica da igreja não é a popularidade, mas o sofrimento profético, e até mesmo o martírio. ‘Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos’ (II Timóteo 3:12).

Eis o desafio: sem ética de compromisso social não há cristianismo e, no Brasil, corta pela raiz qualquer possibilidade prática de diálogo inter-religioso.

Considerações finais

Posicionar-se no Brasil de hoje, a partir de uma ética cristã de responsabilidade social, a favor do diálogo inter-religioso implica em entender uma contradição essencial, que muito possivelmente só poderá ser resolvida em longo prazo: vivemos num país onde impera a não-ética da desonestidade e da prepotência (a ética da casa grande & senzala).

Como cristãos, entendemos que o uso ególatra de bens e posses, a corrupção, a discriminação social e a degradação humana só produzem miséria e sofrimentos. Não dizemos que o brasileiro está impossibilitado de criar e produzir coisas boas e belas, mas que sob tais condições, esta ação é efêmera.

Nossa atuação no campo social, a partir do diálogo inter-religioso, implica em entendermos esta realidade cultural brasileira e optarmos desde o primeiro momento por duas ações evangelizadoras que nos é exigida por Jesus Cristo: a educação solidária permanente e a formação de líderes conscientes de seu papel cristão e histórico.

Só assim, a construção de uma ética cristã de responsabilidade social no Brasil produzirá frutos permanentes e eternos, que florescerão através dos anos para a honra e a glória do nosso Senhor e Mestre. Por isso, não falamos de um momento, mas de um processo, que crescerá conforme cresça também a consciência ética dos cristãos brasileiros, de que fomos chamados pelo Senhor a desenvolver uma tarefa histórica, enquanto igreja, que é a de juntos com os setores éticos da sociedade transformarmos o Brasil num país onde todos tenham acesso a condições dignas de vida, à justiça social e à paz.

Soli Deo gloria!

Jorge Pinheiro
São Paulo, 21 de agosto de 2001.






* Jorge Pinheiro é Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, professor de Teologia Contemporânea na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e pastor da Igreja Batista em Perdizes (SP).

jeudi 5 janvier 2017

Amar é proteger

"Não me lembro de nenhuma necessidade da infância tão grande quanto a necessidade da proteção de um pai". Sigmund Freud, "O Mal Estar na Civilização".

"Não é verdade que você começa a vida como uma criancinha crédula sob a proteção paterna? E então chega o dia da indiferença, em que o cara descobre que é um desgraçado, um miserável, fraco, cego e nu, e com a aparência de um fantasma fatigado e fatídico avança trêmulo por uma vida de pesadelo". Jack Kerouac



“Esta é a bênção que, antes da sua morte, deu Moisés, homem de Deus, aos filhos de Israel. Ele disse: Jeová veio do Sinai e de Seir lhes raiou; resplandeceu desde o monte Parã e chegou das miríades de santos. Da sua mão direita saía-lhes fogo ardente. Sim, amas os povos; todos os santos de Israel estão na tua mão. Seguiram por onde os teus pés guiaram. Cada um receberá das tuas palavras.” Deuteronômio 33:1-3 TB10

"Antes de morrer, Moisés, homem de Deus, deu esta bênção ao povo de Israel. Ele disse: O Senhor Deus veio do monte Sinai; ele surgiu como o sol por cima de Edom e do monte Parã brilhou sobre o seu povo. Com ele vieram milhares de anjos, e à sua direita havia fogo. O Senhor ama o seu povo e protege os que são dele. Eles ficam sentados diante dele e aprendem as suas leis.” Deuteronômio 33:1-3 NTLH

Amigo fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro. Amigo fiel não tem preço, e o seu valor é incalculável. Amigo fiel é remédio que cura, e os que temem ao Senhor o encontrarão. Quem teme ao Senhor tem amigos verdadeiros, pois tal e qual ele é, assim será o seu amigo. Ben Shirah

mercredi 4 janvier 2017

A vida

A vida, uma leitura radical
Jorge Pinheiro


Um dos temas centrais da mídia, hoje, é a violência. Tal fato nos leva a pensar e a viver como se a vida não tivesse a menor importância ou valor. E em nome de doutrinas, políticas e religiões, gentes são transformadas em bombas humanas, assassinos seriais, legais ou não, que espalham a dor, o sofrimento e a morte. Nesse clima de ódio e violência, é importante dizer que a primeira teologia das Escrituras hebraicas, e posteriormente cristãs, construída para o ser humano no bojo da teologia da criação, é a teologia da vida.

Deus fez o humano como semelhante, cheio de parecença, para ser como Ele e com Ele, para curtir o mundão criado, fazer sexo, ter filhos, produzir criativamente. E Deus contou isso aos humanos e um dia isso foi registrado lá em Bereshit, o livro primeiro das Escrituras. E é interessante que quem registrou a história que ouviu dos antepassados disse que Deus curtiu a beça tudo aquilo. Achou genial o que tinha feito, tanto que deu por terminado o seu trabalho e foi descansar.

As histórias se multiplicam. Há histórias que falam da importância da vida nas Escrituras hebraicas, e há histórias sobre a vida e sua singularidade nas tradições de gentes e povos. Na tradição judaica, conta-se que quando os escravos fugiram do Egito com os soldados egípcios correndo atrás deles e já estavam atravessando o Mar Vermelho, anjos resolveram cantar um hino de gratidão a Deus, mas o Eterno não permitiu e disse: Eu criei o ser humano, cada um deles é minha criação, como poderei cantar se muitos vão se afogar neste mar? Eis a universalidade da vida: fomos criados por Deus, todos somos parecença, quer escravos hebreus ou soldados egípcios. A teologia entende isso: a vida é direito universal porque Deus ama a pessoa, todas as pessoas -- foram feitas por Ele e têm o jeitão dele.

Nesse sentido, a partir da teologia da vida podemos dizer que não há diferença entre judeu e grego, cada pessoa ocupa um lugar especial no coração de Deus, para Ele é como se todos fôssemos únicos.

O respeito pela vida de cada um e de todos e a negação do ódio e da violência: direcionam a teologia da vida. Criar e educar pessoas traduz-se em ensinar, em primeiro lugar, que quem destrói uma única vida destrói todas e a própria criação. E quem cuida e salva uma única vida salva o mundo. Cuidar e salvar pessoas é semear a paz para que ela reine entre os seres humanos. Para que ninguém possa dizer: o meu pai é maior do que o teu pai.

Voltando ao primeiro livro das Escrituras hebraicas, vemos que ele se descreve como o livro da história humana. E é interessante o que esse livro fala da criação e da história do primeiro casal: Da-terra e A-vida. Este é sentido dos nomes Hadam e Hawah. A construção dessas duas pessoas, Da-terra e A-vida, ao se dar no final do processo de surgimento do universo, mostra o valor que têm para Deus: são menores, aparentemente pequenos, mas valem muito, pesam tanto quanto todo o universo. A história humana é a história de uma pessoa, de duas pessoas, de todas as pessoas.

E será que eu posso fazer da minha mulher, escrava. Ou, em outras palavras, posso explorá-la? Não, não posso. Será que posso fazer dos meus pais, escravos. Ou, em outras palavras, posso explorá-los? Não, não posso. Será que posso fazer de meus filhos escravos. Ou, em outras palavras, posso explorá-los? Não, não posso. E por quê? Porque devo amar o humano como semelhante, como igual. Esteja ele ao lado ou distante, é sempre próximo. Este princípio é fundamental na teologia da vida. As relações humanas implicam em reciprocidade, deve levar ao companheirismo, ao fundamento de origem: Da-terra e A-vida estão por trás de toda a humanidade.

As Escrituras hebraicas nos falam da obrigação de amar o estrangeiro, ou seja, aquele que nos parece totalmente diferente. Esse é o princípio da paz entre os povos. Por isso, a teologia da vida propõe que a paz prevaleça, seja formulada como lei a obrigação de cuidar e proteger os diferentes e as minorias. Este é o sentido maior da justiça.

Assim, se perguntarem: um homem pode explorar pai, mãe, mulher, filhos? Sabemos que a resposta é não. E de novo a pergunta: um homem pode explorar aquele que é diferente dele por credo, raça, sexo ou sob qualquer outro aspecto? Muitos acharão que sim. Mas quando tenho em minha frente uma pessoa, tenho um igual e, por mais diferente que seja, é meu irmão. Ser justo é reconhecer a liberdade dele, seus direitos e cuidar para que tenha uma vida digna, como humano que é.

O respeito e o cuidado por tudo aquilo que é humano, pelo ser, por sua terra e vida, é teologia radical, que nasce da compreensão de que somos semelhantes, cheios de parecença com Deus. A imagem está em um, em dois, em todas as pessoas.


vendredi 30 décembre 2016

Jesus, reformateur marginal

Jesus, reformateur marginal
Jorge Pinheiro, PhD


La généalogie et la géographie ont fait de lui un Juif socialement à la marge, qui, dans ses origines, ne méritait pas de crédit. Mais cet homme-sans-nom, ce saint homme sans terre a commencé ses activités d'une manière pour le moins inhabituel dans la synagogue de Nazareth, comme décrit dans Luc.

À l'époque, il y avait une lecture dans les synagogues des prophètes régulièrement prescrits. Et le fait que ce passage est pas présent dans Lectionnaires connus plus tard, tend à indiquer que Jésus a choisi à dessein. Morris dit que corrobore cette hypothèse la déclaration de Luc "ouvrant le livre, il trouva l'endroit où il a été écrit."

Voici deux détails méritent d'être soulignés: d'abord, est la seule référence claire dans les Evangiles que Jésus savait lire. Et deuxièmement, pourquoi, lors de la lecture Isaïe 61,1 à 2, il a omis une phrase, de guérir les cœurs brisés et a ajouté un autre, libérer les opprimés, qui est dans Ésaïe 58.6? En fait, il a utilisé les textes considérés comme l'exposition la plus utile de sa plate-forme politique sociale.

L'utilisation qu'il fait du politiquement comme royaume et gospel, montrer que cette sélectivité avait un seul but: parler d'une intervention sociale promesse de politique alternative à ceux de la présente délégation à l'époque. Donc, si nous lisons le texte présenté par Jésus, une perspective rabbinique, nous sommes confrontés à une récidive aux promesses du jubilé lorsque les injustices accumulées pendant des années devraient être corrigées. Le discours qui remettait en question l'identité de l'homme n'a pas prétendu que la Palestine serait sauvé en échelle de temps, mais il faut aller dans la vie des Palestiniens de l'impact favorable de l'année sabbatique.

Ces trois mots français “ royaume, règne, royauté “ correspondent à l’unique mot grec que présentent ces phrases de l’évangile ( “ basileia “ ). Suivant les cas, il vaut mieux traduire par l’un ou l’autre de ces trois mots. Mais le sens fondamental est le même: le coeur du Message de Jésus, le centre de l’évangile annoncé par le prophète galiléen, c’est l’annonce que “ le Royaume de Dieu est proche “ .

Aujourd’hui encore, dans notre pays, une telle annonce, si elle se faisait trop publique et trop insistante exposerait l’annonceur à une mise en examen en justice ! L’annonce apocalyptique de la fin des temps toute proche et de l’intervention imminente de la royauté du Dieu des juifs dans l’histoire, cette annonce est considérée comme un “délit”, une extravagance sectaire ou un dérangement mental. D’où le silence quasi général des autorités religieuses chrétiennes sur ce point lorsqu’elles parlent en public à la population de notre pays.

Or, lorsque Jésus prêche son évangile, il est non pas un théologien qui disserte avec d’autres théologiens, mais un prophète bouleversant qui informe tout Israël de l’Evènement: l’intervention finale et ultime de la royauté du Seigneur Dieu est annoncée pour l’immédiat. Son Royaume arrive, son Règne est là. D’où l’urgence de la conversion avant que ce jour-là ne surgisse, à l’improviste: “ revenez à Dieu ! “

Et Jésus est parfaitement compris par ses auditeurs car tous, depuis le grand prêtre jusqu’au petit peuple des campagnes, sont au courant de la grande promesse du Dieu de leurs pères. Ils savent tous que, depuis des siècles, les prophètes envoyés par Dieu ont prédit ce “Jour “ inouï où serait enfin instauré sur la terre ce royaume divin où régnera la justice de Dieu, où la terre sera changée en paradis de vie éternelle et de bonheur perpétuel. Le ciel descendu sur la terre !

Et tout le monde sait que le réalisateur de ce Royaume sera le Messie, le Christ, c’est à dire le serviteur choisi et désigné par l’onction divine, le Roi-Libérateur, le Sauveur. Tous l’attendaient.

Que ce monde nouveau soit le contraire du monde actuel, que ce royaume soit l’inverse des royaumes de ce monde, que ce règne s’accompagne de l’abolition de tous les pouvoirs établis jusqu’alors, c’est ce qu’attendaient les auditeurs de l’évangile originel, en particulier les pauvres, les malheureux, les victimes de l’injustice et de la violence.

Ils ne s’y trompaient pas, ces premiers disciples qui, d’aprés Luc 6 17 et suivants, entendaient la proclamation inaugurale du Royaume sur les livres du prophète de Nazareth:

“ Vous êtes heureux, vous les pauvres, parce que le Royaume de Dieu est à vous ! “ Vous êtes heureux, vous qui avez faim maintenant, parce que vous serez bien nourris ! “Vous êtes heureux, vous qui pleurez maintenant, parce que vous rirez ! Dieu vous prépare une récompense.

De même, le royaume à venir est venu compréhension prophétique de l'année sabbatique. En ce sens, le sabbat de la semaine élargi samedi des années, où le septième doit se reposer et de la réforme, depuis la restauration de ce qui avait été épuisé, la nature et les gens. Cette collection de la réglementation actuelle en Lévitique 25,1 à 26,2 concerne le droit de propriété foncière et les gens, qui a formé la base de la richesse. Le but était de mettre des limites au droit de propriété, puisque tous les biens, la nature et les gens, appartiennent à Dieu.

Donc, personne ne pouvait posséder la nature et les gens en permanence, que ce droit appartient à Dieu. Et les sept années du cycle sabbatique coulait dans la cinquantième année, le Jubilé messianique (Lévitique 25,8 à 24), qui apparaîtront seulement à nouveau tout au long de l'Ancien Testament que dans les numéros 36.4. Mais Jérémie, chapitre 34,8 à 17 parlé de la réforme sociale dans la Jérusalem assiégée quand Sédécias a proclamé la liberté des esclaves hébreux. De même, dans Isaïe 58,6 à 12 nous avons trouvé la réforme dans le cadre de la vision prophétique. En ce sens, la réforme du Jubilé a fait de la restructuration économique et les relations socio-politiques entre les peuples de Palestine.

Il est intéressant que Josèphe a déclaré ans après la présence de Jésus à Nazareth, qu '«il est un hébreu qui, aujourd'hui encore, ne pas obéir aux règlements concernant la sabbatique comme si Moïse étaient présents pour le punir d'infractions, et ce, même dans les cas qu'une violation passerait inaperçu. "

Malgré la déclaration de Josèphe, nous savons que d'un cadre économique et social des dispositions de Lévitique 25, qui a même inclus la redistribution de la propriété n'a jamais été littéralement vécu parmi les Juifs. Donc, il est tombé à un «sans-terre promise" lever l'année de sortie de la parole.

La proposition de réforme Jésus marginal a été l'annonce prophétique de l'entrée en vigueur d'une nouvelle ère, si les auditeurs acceptent les nouvelles. Je ne parlais pas à un événement historique, mais un espoir réaffirmé connu de ses auditeurs: la réforme économique et socio-politique qui devrait changer les relations entre le peuple palestinien.

Et ce généalogie inconnue de l'homme et de la géographie marginal placé la centralité de la réforme sur lui-même pour dire que, à ce moment, dans la synagogue de Nazareth, la promesse prophétique a été remplie. Voilà ce que Lucas va montrer la séquence de son Evangile: le réformateur marginal était le Messie promis.

Mais, le christianisme a trahi le Christ.

Le christianisme a subverti l’évangile. Ce qui, dans le message proclamé par Jésus était radicalement subversif pour l’ordre établi sur la terre et pour tous les pouvoirs, juifs ou païens, tout cela a été peu à peu effacé ou édulcoré. Progressivement l’annonce du Royaume imminent a cédé la place à une religion chrétienne, un “ christianisme”, une grande “ église” installée dans le siècle présent et jouant le jeu des puissances de ce monde, avec les violences et les logiques des politiques humaines..

Le tournant catastrophique a été pris dés le 4° siècle, quand l’Eglise est devenue religion d’Etat, religion officielle de l’Empire romain et a constitué partout ce système politico-religieux que l’on appelle la “ chrétienté “, dirigée et dominée par des chefs religieux ( dont, par ailleurs, la foi et la piété ont été souvent grandes et les qualités humaines admirables ! )

Cette histoire de la chrétienté s’est caractérisée et se caractérise toujours par une double déviation, une double déformation, une double trahison du message de Jésus, une double “ apostasie “ c’est à dire deux éloignements , majeurs et permanents, par rapport à la volonté et à l’enseignement du Seigneur Jésus le Messie d’Israël.

a. D’une part les chrétiens se sont mis à se faire la guerre entre eux: division du corps du Christ

b.  D’autre part les chrétiens se sont mis à faire la guerre à leurs ennemis non-chrétiens: préparation et usage des armes contre les ennemis religieux ou politiques.

Double subversion de l’évangile fondateur, prêché par le Maître puis béni et glorifié par Dieu. Car le Père a ressuscité son fils unique puis l’a élevé à sa droite comme Seigneur et Roi, n’est-ce pas pour approuver son évangile et lui conférer une valeur divine et une autorité éternelle ? De telle sorte que désormais, “ Évangile de Jésus “ et “ Évangile de Dieu “ sont le même, message, la même et l’unique Parole de Vérité.



jeudi 29 décembre 2016

A teologia da Cruz em Lutero

É interessante notar como a Teologia da cruz de Martinho Lutero atravessou todo o seu pensamento e sem ela conceitos fundamentais da teologia luterana não podem ser compreendidos perfeitamente. Com a Teologia da cruz, Lutero se opôs à Teologia da glória, que tem por base, entre outros textos, o Salmo 19.2-7:

"O céu proclama a glória de Deus, o firmamento anuncia a obrada sua criação. Cada dia o transmite ao dia seguinte e cada noite o repete à outra noite. Não pronunciam discursos, nem palavras, nem fazem ouvir a sua voz.Contudo, a sua proclamação chega até ao fim do mundo e a sua mensagem é ouvida nos confins da terra Deus fez no céu uma morada para o Sol, que aparece de manhã, como um noivo feliz, saindo da sua cama, como um atleta que anseia começar a corrida. Ele sai duma extremidade do céu e alcança, no seu percurso,a outra extremidade. Não há nada que se furte ao seu calor".

A Teologia da glória fundamentou a Escolástica e foi central no pensamento de Tomás de Aquino. Considerava que a revelação do Eterno estava prioritariamente na natureza e que através da razão, corretamente dirigida, poderíamos conhecer o Criador.

Já para o reformador, o Eterno é Deus absconditus, conforme encontramos em Isaías 45.15: "Na verdade, tu, és um Deus escondido, o Deus de Israel, o Salvador".

Este Deus absconditus, Deus de Israel, o Salvator, se revelou na cruz. Lutero dizia que o Evangelho é para o ouvido. Só o coração contrito ouve o Evangelho. As coisas do mundo, crimes, desastres, guerras, não convencem do amor do Eterno. Temos medo do amor do Eterno é só confiamos nEle quando fechamos os olhos e abrimos os ouvidos.

A Teologia da cruz de Lutero faz um versus com a TEOLOGIA DE GLÓRIA. Isto porque a teologia da glória confunde o Eterno que se entregou à cruz e ao sofrimento com o Deus da filosofia grega: Deus de glória e poder, mas indiferente e impassível. O Deus da filosofia é diferente do Eterno na cruz, que se esvaziou de atributos divinos por amor.

Para entender a Teologia da glória é importante compreender como se via a justificação na Idade Média. O conceito de justificação que prevaleceu na Patrística e na Escolástica partia da filosofia, da divinização do ser. Agostinho defendia a idéia da infusão da justiça de Cristo no humano através do sistema penitencial e sacramental da igreja ocidental romana. Para ele, a justificação era um processo que tinha início com a regeneração batismal.

Embora Lutero e sua Teologia da cruz tenham sido influenciados por Agostinho, mais tarde, revendo a doutrina da justificação em Agostinho disse que este havia chegado bem perto do sentido paulino, mas que não alcançara Paulo. Por isso, se no começo de seus estudos devorava Agostinho, quando descobriu Paulo e entendeu o que era a justificação pela fé, descartou Agostinho.

Lutero se separou da teologia agostiniana ao ler a epístola de Paulo aos Romanos, em especial, 1.17: "Nele se revela a justiça de Deus por meio da fé. Como está escrito: aquele que é justo pela fé viverá". Convenceu-se de que a justificação não era progressiva, e afirmou que sola fide justificate, isto é, só a fé justifica. Deixou de lado a justificação infundida, e passou a defender a justificação imputada pela fé.

Para Agostinho e a tradição escolástica, o sentido era tornar justo, por isso infusão. Para Lutero, o que Paulo dizia é declarar justo, ou seja, imputação, pois a justiça não é humana, não é inerente, mas colocada na conta. Dessa maneira, abandonou a doutrina da igreja ocidental romana da infusão da justiça, pois se a justiça de Cristo fosse infundida e não imputada, deveríamos crer que os pecados não foram imputados em Cristo, mas infundidos. Ou seja, são inerentes a Cristo, e Ele não foi feito à semelhança da carne pecaminosa, mas o pecado foi infundido nEle. Temos, então, um problema teológico: Cristo está desqualificado para ser a oferta aceitável pelo pecado, pois como o Eterno aceitaria um pecador para morrer pelos pecadores? Isso levaria o Eterno a afastar-se de sua justiça, a salvar de forma imoral.

Lutero descreveu a economia da salvação como uma doce troca entre Cristo e o humano, ao fazer uma paráfrase de trecho da Epístola de Mathetes a Diogneto:

"Oh! doce troca! Oh! operação inescrutável! Oh! benefícios que ultrapassam todas as expectativas! Que a impiedade de muitos fosse oculta em apenas um justo, e que a justiça de um justificasse a muitos transgressores, e então ele conclama: aprenda Cristo e o aprenda crucificado, aprenda a orar a Ele, perdendo toda esperança em si mesmo e diga: Tu, Senhor Jesus, és a minha justiça, e eu sou o teu pecado; tomaste em Ti mesmo o que não eras e deste-me o que não sou".

A Teologia da glória levou a igreja ocidental romana a erros em sua teologia prática, entre elas à venda de indulgências. Mesclou sua ação com poder econômico e político. Ignorou o testemunho do Eterno de que o Cristo é o Filho, a Palavra, a revelação especial e perfeita, e procurou Deus na face da natureza. E não viu o Eterno agindo na história. Não entendeu o clamor da Reforma.

A Teologia da cruz proclamou que toda ação do Eterno é amor e que sua obra é a redenção do mundo, que tem seu centro na cruz, quando, sob olhos humanos, o Filho do Eterno parecia desamparado. Por isso, como Lutero digo que devemos ouvir.

Jorge Pinheiro, PhD.